Um dos mais difíceis da colecção...
... No âmbito da operação bracinhos, este é dos difíceis e merece destaque a solo: trata-se de um bracinhos da autoridade...
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... No âmbito da operação bracinhos, este é dos difíceis e merece destaque a solo: trata-se de um bracinhos da autoridade...
Se calhar sou eu que ando lamechas, mas é a mais pura das verdades: ontem, a ler o Expresso, comovi-me com uma pequena noticia na página 3 do primeiro caderno. Dizia assim:
“Para homenagear o recentemente falecido Ruella Ramos, intimamente ligado ao percurso do Expresso, Diário de Lisboa e Lisgráfica, esta última decidiu lançar um concurso aberto a profissionais gráficos e escolas de design. A ideia é criar e desenvolver uma fonte inédita, a que será dado o nome de Ruella”.
Comovi-me com a ideia de eternizar o nome de Ruella Ramos através de um dos temas a que foi mais sensível ao longo da sua vida: o grafismo, o design, as fontes das letras com se fazem os jornais, as revistas. Só de pensar que um dia poderei dizer que escrevo um texto usando a fonte Ruella, fico sem jeito e misturo num único suspiro a tristeza e a felicidade: por já não estar connosco uma das minhas referências do jornalismo – mas, por outro lado, por haver quem saiba como perpetuar com dignidade e orgulho o seu nome.
Até hoje, e já escrevi uma crónica sobre isso, eu achava que ter o nome numa rua era o que de mais comovente podíamos fazer para manter presente a existência e alimentar a memória dos que partiam. Mas acabo de mudar de ideias: dar nome a uma fonte é ainda mais forte. É ainda mais bonito. Quero um dia escrever um texto, “seleccionar tudo”, e escolher o tipo de letra: Ruella.
Todos os anos, quando chega o Natal, vejo pessoas à minha volta organizarem-se para “ir à terra” – e interrogo-me sempre da mesma forma: se eu quiser ir à terra, vou onde? À Avenida de Roma? À Praça de Alvalade? À Avenida de Igreja? A minha terra fica onde? Talvez naquele cantinho de terra que havia no “recreio” do Externato Santa Joana à Princesa, ou no descampado das traseiras da Escola Preparatória Eugénio dos Santos onde o Bob queria plantar umas coisas interessantes que tinha trazido de Moçambique. Pode ficar numa rua do Bairro Alto ou na esplanada dos Meninos do Rio.
A conclusão é estupidamente igual, todos os anos: não tenho terra. A minha terra é feita de calçada portuguesa e alcatrão, sinais de trânsito que me limitam os movimentos, espaço que a ninguém pertence - mas, por ser de todos, me é cobrado ao minuto. A minha terra é triste como a cor cinzenta nos domingos de Agosto e no dia de Natal, e finge ser feliz nos outros dias do ano.
Ao longo dos anos fui adoptando terras – do Penedo à Zambujeira, fiz “o meu percurso”, como diria um político em forma… -, tentando empurrar com a barriga a realidade, mas na verdade nunca senti que lhes pertencesse. Por mais que o cheiro da terra molhada, depois de chover, me comova, e por mais que me deixe em êxtase a madeira a arder numa lareira, no fim do período de convívio com a terra adoptada, a crueza da verdade sobrepunha-se sempre à intenção: fechava-me no carro e voltava a Lisboa para continuar a vida.
Uau, que bom é ser urbano, sofisticado e cosmopolita: em vez de ar, respiro tubos de escape ou reforço a vida asséptica com vidros duplos nas janelas; em vez de tempo, vivo sem tempo; em vez de campo à minha volta, tenho jardins e “espaços verdes” organizados para me saciarem a sede de terra e verde. Não tenho estradas secundárias nem caminhos de cabras, mas posso deliciar-me com filas de trânsito e buracos que rebentam pneus. Tenho restaurantes de todos os estilos – mas não vejo o verdadeiro amarelo de um ovo desde que o meu filho apanhava ovos da Dona Ana no Sacas. Como se não bastasse, acordo todos os dias com a afinada orquestra de trolhas a falar alto, um rádio aos berros e martelos em lento e doloroso martelar numa obra interminável no andar de cima. Ser urbano é o máximo, não é?
Não é. Ser urbano é ser o pior que achamos que é ser provinciano quando dizemos de alguém que é provinciano: parecer que se é o que se não é, que se tem o que se não tem, e viver de palas nos olhos achando que um Centro Comercial é o apogeu da ocupação de tempos livres, um frango é produzido num supermercado e o leite nasce nos pacotes. Um provinciano pode ser saloio – mas um urbano consegue ser ainda pior, porque vive a fazer de conta. Faz de conta que não é saloio, nem infeliz, nem triste.
No fundo, é tudo mais básico e simples: por detrás de um Homem da cidade, esconde-se sempre um provinciano. Mais próximo ou mais distante. Mais antigo ou mais recente. E é por isso que o provinciano que há em mim procura desesperadamente a raiz e grita: tirem-me daqui! Mas ninguém me ouve. E no próximo Natal lá irei à terra, algures entre a Livraria Barata e o Hospital Julio de Matos…
Aqui há uns tempos, o Ferreira Fernandes disse-me algo que ficou a pairar sobre a minha existência. Foi taxativo: para ele, o Maradona era o único autor de língua portuguesa realmente inovador desde Miguel Esteves Cardoso.
Quem conhece o Ferreira Fernandes sabe que ele é atento e emotivo – duas condições essenciais para se poder exagerar um pouco. Agora, que ando mais atento ao que se escreve e a quem escreve, estou tentado a dar-lhe razão.
Maradona, que tem escrito de vez em quando na revista de sábado do “i”, tem realmente esse golpe de asa (estilo, substancia, forma, jeito, tudo junto e mais umas botas...) que distingue alguns – e em geral os separa daqueles que já existem.
Era nisso que estava a pensar há bocado quando li, na Sábado, a crónica de Alberto Gonçalves “A Tremura dos Quarenta”, modestamente dedicada à idade a que está a chegar. O sociólogo escreve bem e chega a ter graça – mas quem lê há 30 anos Vasco Pulido Valente só pode esboçar um sorriso: Alberto Gonçalves é o VPV dos pequeninos. E nem sequer evita que se note a colagem: escreve aos 40 anos, pobremente, a crónica sobre si próprio que o Vasco escreveu magistralmente aos 50 (“Eu sempre fui assim”, na revista “K”). Impressiona este encosto ao estilo do Vasco, à sua ironia ácida, e até a alguns tiques e manias que Alberto Gonçalves exibe como sinal exterior de uma idade que não tem.
Mas isto não tem mal nenhum – mais vale ter um estilo, neste caso um estilo VPV dos pobrezinhos, do que não ter estilo algum, que é mais o que sinto quando, por saber fazer revistas e jornais, me dão a oportunidade de também publicar umas crónicas.
O que é triste verificar é que há estilos que se copiam, repetem, aperfeiçoam, desenvolvem – tudo bem... -, mas continuamos a sentir falta de novos estilos, novas maneiras, novas formas de construir ideias e as transformar em prosa.
Tinhas razão, Ferreira Fernandes: temos o Maradona. Mas precisamos de descobrir mais um ou dois para a próxima década...
Há livros que nos marcam sem que consigamos objectivamente explicar porquê. Há livros que viajam connosco sem pedir licença, e que de vez em quando regressam à mesa-de-cabeceira como se tivessem vida própria.
Na verdade, há livros que têm vida própria na nossa vida e por isso um dia lhes chamamos “os livros da nossa vida”.
Dos livros da minha vida - desses que levo comigo para todo o lado, mesmo quando os deixo em casa - faz parte “As Cinzas de Ângela” (“Angela's Ashes”), a autobiografia romanceada do escritor irlandês Frank McCourt.
Há quem o ache um livro banal. Há quem não lhe reconheça méritos superiores. Dificilmente estaria numa eventual lista de livros “obrigatórios”. Felizmente, no entanto, os livros da nossa vida são só mesmo da nossa vida.
“As Cinzas de Ângela” é um dos livros da minha vida e fiquei triste ao saber que morreu o seu autor. Um daqueles homens que viveu duas vidas. Uma das suas vidas está no livro. A outra foi aquela que lhe deu origem – a capacidade que teve de superar o insuperável e renascer das cinzas. Leio uma frase de McCourt: "Scott Fitzgerald disse que não há segundas oportunidades nas vidas dos americanos. Eu provei que ele estava errado". Provou.
Quando brincamos com bolhas de sabão – aos cinco anos, e mais tarde quando os nossos filhos chegam aos cinco anos… -, conseguimos perceber claramente o momento pré-explosão da bolha. Sabemos que daquele instante para a frente, pode ser em qualquer momento. Os nossos filhos adoram a surpresa – e nós passámos pela surpresa há muitos anos e, vá lá saber-se porquê, não esquecemos. É uma questão de tempo.
Ainda assim, às vezes enganamo-nos. Pelo menos, no meu caso, é de engano que se trata: há mais ou menos 30 anos que espero uma explosão que, afinal, não ocorre. Uma bolha que cresce mas não rebenta. Uma borbulha sem fim à vista. E se digo 30 anos, talvez pudesse dizer 35 ou mesmo 40. Trata-se apenas de definir o momento em que me apercebi que as marcas eram como os filhos: não paravam de crescer. O Nestum com mel da minha infância já tinha sido acrescentado ao Nestum base, ao Nestum com Figos, ao Nestum com Maçã. Depois veio o Nestum iogurte, o Nestum em barras, o Nestum com Smarties, o Nestum com farinheira, o Nestum em vinha de alhos…
Como antigo consumidor de Nestum, segui a “carreira” do produto – mas com o passar dos anos, e com a colaboração da condição de pai, comecei a ver crescer outras bolhas: as dos iogurtes, dos leites, das manteigas, das águas, das cervejas. O que antigamente era linear – havia cerveja Superbock e Sagres, mini, preta e algumas marcas importadas -, tornou-se um inferno para o consumidor: há cervejas que pretendem imitar imperial, minis que não são Sagres, cervejas para substituir vinho tinto. Há águas que contrariam a única vantagem efectiva da água – não ter sabor -, exibindo-se com “travo” a morango - e até há margarina sem colesterol, como se alguém que voluntariamente compra margarina queira, de alguma forma, que ela seja livre dos seus tão saborosos venenos… O molho dos “bifes à meu pai” que o diga.
Ir ao supermercado, nos dias que correm, tornou-se tão difícil quanto viver: nunca se sabe o que se pode estar a perder, e menos se sabe quando se está a ganhar.
O problema é que a bolha nunca mais explode. Cada vez que vou às compras, tenho a esperança sonhada de um regresso ao começo: a bolha explodiu e…
… E no corredor dos lacticínios há leite, nas manteigas há manteiga, nos iogurtes há iogurte natural, de morango, banana e chocolate; há queijo com queijo e cerveja com álcool; há chá preto; há açúcar: há ovos e fiambre e bacon. A bolha explodiu a já não há espaço para ovos injectados com ómega 3 e bacalhau sem espinhas e pele, ou Smints em barra energética, ou cozido à portuguesa em flocos sem açúcar e 0% de gordura. Não, isso não acontece. Nunca vai acontecer.
Sei que é apenas um sonho. Mas também é certo que o verdadeiro consumista sonha com o dia em que se possa queixar de já não ter por onde escolher. Porque o consumista quer a escolha – mas também quer quem escolha. Lá está, é português de certeza: nunca está satisfeito.
“Os personagens vão crescendo, e os jovens actores (…) crescem com eles”.
“Destina-se a cumprir um programa e a dar corpo a parte de uma história que a esmagadora maioria dos espectadores já conhece.”
“É solidamente arquitectado, os efeitos especiais são, evidentemente, irrepreensíveis”.
Ou seja, espera-me mais um excelente capitulo da saga Harry Potter – “…E o príncipe misterioso” -, sem surpresas que podiam desvirtuar a obra, continuando o percurso que lhe garantiu sucesso e fidelidade. Bem construído. Óptimo.
… Só uma coisinha: Jorge Leitão Ramos, que escreveu o que citei, achou o filme bom? Gostou? Aplaudiu?
Resposta: deu-lhe duas estrelas (em cinco). Ou seja, nota negativa. Mais do mesmo, digo eu. É a crítica em Portugal. E nós com isso? Nada. Ver filmes é um trabalho muito cansativo e desagradável - mas alguém tinha de o fazer...
Cá fica uma pequena amostra da colheita da semana, que inclui bracinhos-táxi e fumador (este ultimo bem captado pelo António Maria), clássicos deste fenómeno nacional que tenho vindo a observar (ver aqui, por favor).
Já estou na posse de um dos bracinho mais dificeis de conseguir - o bracinho-GNR - e de um clássico que faltava, o bracinho-motorista-da-rodoviária. Ficam para um destes dias. Para já, é o que temos...
Agora a sério: em Setembro de 1992 o Rui Santos tinha 32 anos, escrevia n’A Bola desde os 16, e já dizia que “Mais do que pressões, existem agressões, perseguições. Não é fácil escrever-se uma crónica sobre futebol. Hoje, ter uma opinião sobre um jogo é perigoso”.
Na entrevista a Nuno Miguel Guedes, confessava a sua paixão pelo Sporting. Passados 17 anos, ele é o homem que faz subir audiências na SIC-Notícias...
A pergunta que vos deixo é simples: quem é este gajo?
Respostas na caixa de comentários, claro.
(Está proibido de concorrer ao Passatempo o meu bom amigo Nuno Miguel Guedes, por razões que ambos sabemos...)
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