Agosto chega ao fim, em breve as temperaturas começam a baixar, e os bracinhos vão reduzir-se à sua área específica: motoristas de táxi, camionistas, um ou outro fumador mais empenhado em manter o automóvel a salvo do cheiro cinzento-azulado. A massa gigante de portugueses que conduz com o bracinho "dar a dar" entrará em período de recolhimento – até ao próximo Verão…
Para que não digam que sou um snob armado em paparazzi de bracinhos, despeço-me da colecção deste ano com o mais inesperado deles - o autor-bracinhos. Isto é: eu na versão bracinhos, domingo, 30 de Agosto, numa rua de Melides…
PS - Quem quiser conferir todos os bracinhos recolhidos ao longo do Verão, pode fazer busca aqui no blog pela palavra ou seguir este link...
(Já saiu a Lux Woman deste mês, onde escrevo uma carta à Bibá Pitta.... Esta foi a crónica do mês passado, e gostei dela...)
Três anos depois, de volta a uma redacção de um jornal diário, noto diferenças. Não são grandes, mas são diferenças: a Internet tornou-se o recurso primeiro, o que diminui o ruído (embora aumente o risco de asneira...), os horários são menos degradantes da relação entre os jornalistas e as horas de Sol, os telefones tocam cada vez menos (e até se estranha quando há vários a retinir ao mesmo tempo). Parece que o jornalismo está ligeiramente mais asséptico. Não sei se é bom ou mau, mas registo o facto.
Para mim, no entanto, a grande inovação é outra e tem nome: “smirting”. Chega a Portugal tarde, à medida que as leis assim o forçaram. Já lá vou. Devo começar por confessar que o “smirting” deixou-me de fora num jornal que, por ser novo, foi feito com um generoso grupo de pessoas que não se conheciam, muitos estagiários, cruzamentos de diferentes gerações. Tento recuar no tempo e pensar como se aproximavam ou afastavam as pessoas nos outros jornais que nasceram do nada? Como é que era antigamente?
Era assim. Pela proximidade física ou temática (a mesma secção, trabalhos em curso, ódios e amores de estimação), as pessoas começavam a partilhar conversas ligeiras, hora do café, transportes públicos, depois almoços, e por fim noitadas. A ordem não fugia muito a isto. Daí para a frente, cada um por si e as relações chegavam onde fatalmente tinham de chegar. Seria outra crónica.
Para esta interessa-me que, na redacção onde passo parte dos meus dias, parece-me que antes e depois das aproximações clássicas, que também incluem o reencontro de colegas de escola, houve algo que distinguiu desde o começo este “grupo de trabalho”, como diriam no futebol: os que fumam, os que não fumam.
E os que fumam têm de vir à rua, ou subir à varanda, o que garante o mais puro “Smirting” – ou seja, a fina mistura de “smoking” com “flirting”. Fumar e “flertar”, se o verbo “flertar” existisse – não existe, mas por mais que procure alternativas, não encontro. Os brasileiros é que sabem: dizem “paquerar”. Fui claro? Muito bem: isso é “smirting” e é assim que hoje se conhecem pessoas, nascem amizades, cumplicidades, paixões. Vejo os meus colegas passarem por trás de mim a caminho da rua, cigarro na mão, isqueiro, às vezes até lhes noto a ansiedade da falta de nicotina...
Vejo na net que um irlandês, David Lowe, terá escrito um livro com truques e conselhos sobre “a arte” de “smirting”, recordando que quando há chuva (e frio, e neve, e gelo...) a probabilidade de sucesso (no romance, óbvio...) é maior, que fumar também é uma arte que exige estilo e pose (ele sugere o estudo de Marlene Dietrich e James Dean, de cigarro na mão...). Há um momento nostálgico que me invade: logo eu, que sabia tudo sobre fumo e tabaco, profissional do vício, dois a três maços por dia... Estaria na frente dos militantes da porta de trás.
Não estou. Conheço menos gente nesta redacção de jornal. E com isso posso perder boas amizades, quem sabe um romance escaldante. Só posso ter uma certeza: continuo a vencer todos os dias a guerra que declarei em Abril de 2006. Sem “smirting”, mas a respirar fundo sem tossir. E sem stress na hora de escrever esta crónica sem um cigarro ao lado.
Vejo-as, sinto-as e sofro com elas há anos. Falo das obras da linha vermelha do Metro, que partiram ao meio a cidade ali por alturas do Saldanha...
Leio hoje no jornal que o prolongamento da linha entre Alameda, Saldanha e S. Sebastião pode entrar em serviço este fim-de-semana – sem inauguração e campanha eleitoral? Não acredito... Sei é que a obra une toda a rede do comboio subterrâneo, e agiliza a vida na cidade: entre outras poupanças, o trajecto entre S. Sebastião e a Alameda pode fazer-se em menos 15 minutos do que actualmente, reduzindo para cinco uma viagem que demorava mais de 20 minutos. Lisboa subterrânea deixa de estar dividida nas Avenidas Novas, o que é obviamente de louvar.
O mais extraordinário é que a notícia do jornal termina com o escândalo que a devia abrir: “a extensão desta linha, que segundo os projectos iniciais já deveria ter entrado ao serviço em 2005, tinha um custo previsto de 132 milhões de euros. Esse valor aumentou para 210 milhões”. Ou seja, quatro anos de atraso e mais 80 milhões de euros...
Pergunto: há responsáveis pelo atraso e pela derrapagem? Houve demissões, processos e investigações? Houve, pelo menos, justificações plausíveis para este desvario de tempo e dinheiro?
Seguramente que não. Apenas mais uma conta para todos pagarmos, sem prejuízo dos vencimentos, regalias e prémios dos administradores e gestores do Metro, dos engenheiros e arquitectos, das empresas de construção civil e seus quadros. Ou seja: o costume. Quando é que são mesmo as eleições?
Eu não gosto muito de doces, passo ao lado da maioria das sobremesas, e para mim o arroz doce feito pela minha mãe chega e sobra – mas como resistir ao talento do casal Leonor de Sousa Bastos, cozinheira e patissière, e Miguel Coelho, fotógrafo? Juntos, a partir de Palma de Maiorca, onde vivem e trabalham, eles assinam o mais belo blog que conheço sobre doces, doçaria, prazeres infinitos. Já brilharam nas páginas da revista do i, brilham ao domingo no Público, e vão brilhar na gastronomia do do mundo. Vão lá ver o Flagrante Delicia e rendam-se…
Deixemos a politica, que só traz gente sem graça aqui ao blog, e saudemos o fim da silly season no cinema - esta quinta-feira estreia “Sacanas sem Lei”, o novo Quentin Tarantino, um sucesso nos Estados Unidos e um guião que promete duas horas e meia pela medida grande. Só o facto de termos Tarantino a olhar a Segunda Guerra Mundial na Europa já promete o essencial.
Lá no “i” a Joana Stichini Vilela está a fazer um original trabalho sobre o realizador e a sua obra, para sair ainda esta semana – na Grã-Bretanha, a edição deste mês da Esquire tem esta capa. Mas a capa não mostra nada – a graça da edição está no facto de ser encadernada em capa grossa, mesmo grossa, como um livro daquels rugoso, antigos, muito marcados. Um momento único na edição de revistas, uma edição de coleccionador que vale a pena procurar - já se vende em Portugal.
Ao mesmo tempo, não sei porquê, tudo isto me parece ligado com posts recentes. Deve ser do uso da palavra lei...
O meu post sobre o apoio de João Gonçalves a Pedro Santana Lopes mereceu um comentário do candidato à CML e uma curta resposta minha, a quente, lá junto ao post. Um daqueles cobardolas anónimos do costume decidiu acrescentar algo do género “Essa conversa mole faz-me acreditar que a ameaça do Santana de revelar os teus rabos-de-palha surtiu efeito”, o que me encanitou. E depois veio o chorrilho habitual nestes temas “fracturantes”. Vamos então responder por partes, e às postas, já que aqui não há rabos de palha de qualquer espécie.
Escreve Santana que o meu post “define uma pessoa. O que vale é que mudará de opinião pouco tempo depois das eleições, se eu as ganhar, como espero. Já assim foi da outra vez...”
Não houve outra vez. Fiz parte da Comissão da Honra da Candidatura de António Costa nas últimas eleições, apoiei publicamente as candidaturas de João Soares e Jorge Sampaio. Estive contra as obras de fachada de Santana – do túnel do Marquês aos projectos inacabados do Parque Mayer – como também estive contra as promessas por cumprir de Sampaio & Soares, e lembro-me por exemplo da “cidade do rock” (deve ser hoje o Rock in Rio…), como me lembro da ideia de devolver o Tejo aos lisboetas. Tretas... Provavelmente, terei apoiado outras medidas e obras de qualquer um deles. Sou independente, não pertenço a qualquer partido, o que me permite, a cada momento, ter uma opinião livre e acima da fidelidade partidária. Isto custa a perceber aos rapazes dos partidos – Santana está bem acompanhado no PS, infelizmente. E cheira-me que a Joana Amaral Dias deve estar ao meu lado no que ao Bloco diz respeito…
Escreve Santana: “Parque Mayer? Megalomania? Noitadas? Torlloni? É preciso descaramento. Um dia destes deixo-me de certos pruridos e conto as verdadeiras razões destes "ódios"”.
Insinuaçãozinha rasteira, para mais sem fundamento. Refere-se a quê? Eu só posso contar uma história, apenas, a única que tive em toda a vida com o agora candidato: a do dia em que Secretário de Estado da Cultura Pedro Santana Lopes me convocou para um almoço na Ajuda e me convidou para escrever o “Livro de Ouro” da cultura, ou seja, do seu mandato. Apesar de ser muito bem pago, não hesitei um segundo e no mesmo dia recusei o convite, alegando a mais óbvia das razões: não achava que tivesse sido dourado o seu mandato. Uns meses mais tarde, a propósito de um texto meu na Visão, Pedro Santana Lopes decidiu mentir descaradamente numa carta à revista dizendo que eu “hesitei nervosamente” antes de recusar escrever o tal do livro. Só mesmo quem não me conhece pode acreditar numa hesitação nervosa num momento desses - comparável a outro almoço que tive com o então Ministro da Cultura socialista Manuel Maria Carrilho. A dada altura, perguntou-me Carrilho: “o que pensa da politica cultural deste Governo?” E eu encolhi os ombros: “tem alguma? Não dei por nada até agora…”.
Portanto, e resumindo: exceptuando esse episódio caricato, que ficou nos arquivos da revista Visão e do ridículo particular, não tenho mais “histórias” com Pedro Santana Lopes, não o odeio e, ainda que deseje a vitória de António Costa, respeitarei qualquer outro Presidente, admitindo mesmo, aqui e ali, concordar com ele.
Escreve Santana: “Quanto ao Português do meu blogue, será capaz de apontar exemplos desses atentados à Língua Portuguesa?”
Sou. Começo por citar o próprio no seu blog: “O esforço pedido para se ter cuidado com o Português, nomeadamente, com a ortografia , não isenta o responsável deste espaço de lapsos, ou mesmo erros. Por isso agradeço a atenção de todos a essas falhas, motivadas, como sucederá com todos, pela falta de tempo, ou, às vezes, pelo cansaço que leva a que a revisão, do próprio, nem tudo detecte. Mas vale a pena tentar fazer sempre bem”. Pois vale. Mas não é bonito escrever na língua de Camões “Tive de fazer um esclarecimento por causa do conteúdo de notícias que ouvi na noite de ontem, na televisão, e que diziam que os Deputados, nomeadamente eu, iríamos ser aconselhados sobre o modo como comunicar".
Também garanto que tive uma professora que chamaria “português de trás da porta” a posts deste tipo: “Peguei agora no Público , como se fosse a sério, uma frase que disse, em tom de brincadeira, a uma jornalista do Público, Margarida Gomes. Descobri porque ao pegar no jornal vi, na última página, que estava de seta para baixo. e pensei para mim: o que fiz agora, ainda por cima de férias há uns dias? Felizmente tinha várias pessoas ao pé de mim e ouviram o tom e o conteúdo bem disposto desta e doutras frases... Disse que, agora que não vou ser candidato a qualquer cargo, talvez possa receber uma medalhazita no próximo ano. Alguém a sério pode pensar que alguém pensa ou diz isso a valer? Rimos dessa e de outras frases, sobre mergulhos no Rio Tejo, e outras. Uma vez, a falar bem disposto, em repouso, ao pé de família e de amigos... Que horror! Ao ponto a que isto chegou”. E fico por aqui nos exemplos.
Escreve Santana: “Já agora: sabem que o autor do post elegeu, aqui há tempos, num programa de rádio, o meu blogue como um dos melhores? Andam mesmo com a raiva dos nervos... Só por isso é que escrevo estas palavras. Porque sorrio enquanto o faço”
Esclareço: eu não elegi o blog de Pedro Santana Lopes "dos melhores". Eu destaco, todas as semanas, na Antena 1, à sexta-feira, um blog - seja pelas suas características, pela originalidade, pela diferença, pela temática. Uma escolha, não um top. Uma forma de ir falando dos novos blogues que aparecem, de sair fora da agenda diária dos factos. Efectivamente, o do dr. Santana Lopes foi uma das minhas escolhas justamente por ser um blog assumidamente pessoal de um político (e um dos primeiros, o que sempre aprecio), por oposição aos blogues "falsos" dos políticos que encomendam os posts aos profissionais da escrita que os rodeiam. Gostei e gosto do blog do Dr. Santana Lopes, justamente pela sua autenticidade, até quando o português anda ali um pouco aos papeis – facto que também elogiei, pois dá personalidade e assinatura ao blog de PSL. Ninguém duvida de que é ele quem escreve aqueles textos.
Só mais isto: tenho apreço e simpatia pela pessoa do Dr. Pedro Santana Lopes, com quem me tenho cruzado ao longo dos anos sempre de forma educada e simpática – o que não tenho é qualquer simpatia e/ou identificação pelas politicas que defende e pelo percurso que efectuou. É provável que aqui e ali esteja de acordo com ele, quer ele ganhe ou perca. É isso que distingue uma pessoa independente.
De resto, o próprio Pedro Santana Lopes parece algumas vezes uma personalidade independente. Pelo menos, independente de si própria – pois este não será certamente o mesmo Pedro Santana Lopes que, há apenas 13 meses, no seu blog, terá escrito este post:
“Finalmente alguém esclarece a verdade do que tenho dito: não sou candidato à Câmara de Lisboa. Vem hoje no Público. Custou, mas foi. Já o tinha dito a vários Órgãos de Comunicação mas estava difícil. Um deles perguntou-me sobre as minhas intenções na matéria e eu disse que estava fora de questão. Depois pôs outra questão: "mas não disse que estava em reflexão?" Respondi que sim mas que nem queria ouvir falar em campanhas pois ainda agora tive uma. Notícia: Santana em reflexão sobre candidatura a Lisboa. Outro: "é candidato a Lisboa?" Respondi que não. Nova pergunta: "mas não acha que António Costa é derrotável?" Respondi:" claro que sim. Mas eu não quero". Notícia: "Costa é vencível" e, mais adiante: " Santana equaciona candidatura. O que hei-de-fazer? O defeito é meu, de certeza”.
O defeito não sei, mas que “hei-de-fazer”, em português, não existe, tenho a certeza. E que Pedro Santana Lopes é hoje candidato, também. Quanto aos insultos de vão de escada dos comentadores do post, deixo-os lá, porque também dizem muito sobre quem os escreve.
Conheço o João há mais de 20 anos. Leio o João desde que ele começou a publicar. Admiro a sua coragem, a sua desfaçatez, o seu exagero e, até agora, a sua liberdade individual. Não podendo dizer que somos amigos chegados, tenho a certeza de que nutrimos amigável respeito e simpatia um pelo outro.
Mas deixo-lhe – até pela consideração que me merece... - este desafio: atento, minucioso, e exigente, como só ele, adorava perceber que mecanismo obscuro da memória conseguiu activar de forma a esquecer, ignorar, ou assobiar para o lado, face ao passado de Pedro Santana Lopes, a tudo o que fez na política – e quase tudo seria, no seu melhor, desfeito pelo João Gonçalves... – e ao que promete arrasar no futuro, caso ganhe as eleições em Lisboa.
A minha memória é péssima, mas começando na defesa do teatro independente nos tempos da Cultura, até aos violinos de Chopin, passando pelas noitadas nas discotecas enquanto devia governar, pelo financiamento de experiências da brasileira Christiane Torloni no Porto, pelos projectos megalómanos para o Parque Mayer, e acabando no uso da língua portuguesa que faz no seu blog, não falando obviamente do buraco financeiro de Lisboa, julgo poder elencar uns generosos 50 temas relacionados com a carreira do candidato do PSD à Câmara de Lisboa que mereceriam no “Portugal dos Pequeninos” aqueles posts mortais, cortantes e implacáveis a que nos habituou o autor do blog.
Isto é: como é que o João “compagina” – talvez a pior e mais feia palavra que escrevi na vida, mas já está... – o seu rigor, escrutínio e exigência com a negligência, a ignorância e o passado de Pedro Santana Lopes?
Confesso que desta vez o João me desiludiu. Justamente porque a fasquia que ele coloca na análise e na opinião que manifesta está tão na estratosfera face aos Santanas desta vida, que o apoio e o empenho no blog respectivo parece um engano, um erro - ou o pior de tudo (como ele diria, se tivesse de dizer...): um momento de fraqueza. Um momento pequenino?
Se fosse vivo, José Afonso faria 80 anos neste Agosto de 2009. Aqui há um tempo, a pedido do António Macedo, escolhi para a Antena 1 as cinco canções da minha vida. Uma delas era de José Afonso e sobre ela disse no rádio o que se segue:
“São anos de vida assim: sempre que me perguntam qual a melhor canção portuguesa de sempre, eu digo simplesmente “Era Um Redondo Vocábulo”, José Afonso. Sei que é injusta esta escolha – porque eu não conheço todas as canções portuguesas de todos os tempos. Mas é com essa noção de presumível injustiça que ainda assim escolho esta. Ela reúne, a um tempo, o melhor de José Afonso e do seu tempo: a poesia desconstruída, os notáveis arranjos que vão de Coimbra a Angola e voltam, passando por Lisboa a atravessando tempos e tempos, a composição absolutamente irrepreensível de um ambiente, de uma paisagem, onde entramos em apenas segundos e por lá ficamos minutos. Por lá ficamos até ao fim. A canção é redonda, como redondo é o vocábulo – e o génio está ali. Por isso está aqui”.
Mais tarde soube que tinha sido escrita e composta na prisão, algures nos anos 70, o que ainda enriqueceu mais a minha escolha. Nas viagens pela maionese da internet, descobri ontem uma interpretação videográfica em animação 3-D para este monumento da musica popular portuguesa. O autor é Eurico Coelho e aqui fica a minha maneira de, uma vez mais, trazer à superfície uma das canções da minha vida. O pretexto são os 80 anos do nascimento? Nada disso, o pretexto não faz cá falta.
Miguel Sousa Tavares dedicou uma crónica inteira do Expresso ao tema “Facebook”. Contra, claro. Para Miguel, todos os que aderem a uma rede social fazem-no por razões deprimentes - solidão profunda, exibicionismo, pura tolice -, ou na incessante busca do amor e do sexo, isolados ou combinados. São, sob o olhar de Miguel, umas dezenas de milhões de tristes personagens – que ainda por cima mentem, porque dizem que estão a fazer contactos profissionais e amizades, quando na verdade têm obscuras intenções e secretas ambições.
Eu faço parte desse mundo indecoroso.
Gostava de dizer ao Miguel, de quem me sinto amigo apesar do tempo e da distância, que há pelo menos mais uma razão, simples e singela, para se estar no Facebook. E é a minha: eu estou no Facebook porque posso. Porque quero. Apenas isso.
A liberdade é o mais relevante valor num presumível debate sobre redes sociais. A liberdade de estar. De não estar. De ignorar. De não gostar. De ter razões para estar ou não precisar de ter razões e estar na mesma. Cada pessoa é um mundo, casa mundo tem o seu código, a sua chave, a sua razão de ser.
A grande diferença entre as pessoas que estão no Facebook e o Miguel Sousa Tavares é que elas não se importam que ele não esteja no Facebook. Porque se importa ele?
(Há crónicas de que gosto. A que saiu na revista do “i” de ontem foi uma delas, nos últimos tempos…)
Saudades de ontem. Saudades de há bocado. Saudades do que não vivemos. Do que vivemos. Do que o meu melhor amigo viveu. Saudades tuas. Saudades de viver daquela forma. Sem telemóvel. Ou com telemóvel, mas pouco. Saudades sem fax. Saudades do fax. Saudoso desse tempo em que as pessoas se olhavam nos olhos. Saudades de quando só falava pelo Messenger. Saudades dos “bip’s”, que eram twitters decentes e criteirosos. Saudades do “i” quando nasceu, era um jornal totalmente diferente. E a revista de sábado, era óptima no começo – mas agora perdeu a graça, sempre igual, aquelas capas e assim.Saudades do jornal que nunca comprei mas lamentei quie tivesse morrido., Saudades do canal 2 da RTP, que nunca vi mas sempre disse que via sempre. Saudades da SIC “com o Rangel, no começo”. Saudosista, eu? Nem por isso.
Bom, na verdade saudades da galinha corada da Dona Emilia, esposa do Sr. Pinto, dono do café onde aprendi a jogar matraquilhos, onde vi o homem chegar à Lua, e onde ouvi a história do primeiro voo não tripulado do Sr. Pinto, na ponta de um ramo de numa árvore qualquer. Tudo no Penedo.
Saudades do meu pai. Do meu irmão.
Saudades de quando tinha a certeza que alguns amigos eram meus amigos. Saudades de me apaixonar como já me apaixonei.
Saudades das sombrinhas de chocolate, dos cigarros de açúcar branco, dos gelados bola de futebol da Olá. Saudades do cheiro da estrada depois de chover na Serra de Sintra.
Saudades de ler “Como Ser Bom”, do Nick Hornby, e perceber o sentido que fazia o que eu sentia e não sabia que raio de sentido podia fazer. Saudades de não ler nada. De ler tudo. De pensar no que os os outros pensam de nós. Ou não.
Saudosista, eu? Nem por isso.
Apenas saudoso do cheiro das borrachas e dos lápis e da madeira das mesas do Externato Santa Joana a Princesa. Do cheiro que vinha da cozinha pelo meio-dia, quando se aqueciam as refeições e sabíamos que a seguir havia recreio.
Saudades dos autocarros de dois andares e da minha irmã a dizer “vamos lá para cima, cá em baixo cheira a gente”. Ou do meu irmão fazer ataque aéreo sobre as minhas cidades de Lego.
Saudosista, eu? Nem por isso.
Convocando, de raspão, a primeira noite a dormir numa tenda no deserto, o calor húmido da chegada a Havana, o jantar japonês a centenas de metros de altura em São Paulo. Ou, na verdade, a primeira noite sob o tecto da Boavista.
Não sou saudosista, nada disso. Recordo coisas do passado e evoco-as porque, como Neruda, “Confesso que Vivi” - e gosto de saber que vivi dizendo e voltando a dizer que vivi, contando e recontando o mesmo episódio, lembrando como se nada deixasse de me pertencer, como se nada me deixasse da mão. Como se construísse a minha Torre do Tombo - aquela onde seguramente me vou asfixiar de passado e memória, de cheiros e papel, quando menos esperar. Seguramente, quando menos quiser. Como no conto de Patricia Higsmith em que o coleccionador de caracóis morre asfixiado pelo excesso de espécies de que se rodeou….
Não sou saudosista, nada disso. Mas às vezes lembro-me de coisas e falo disso.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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