Está fechado o pano sobre as legislativas – e agora é deixar o Engenheiro Sócrates mostrar se é capaz de governar em minoria sem recorrer aos discursos sobre as “forças de bloqueio”, a “instabilidade” e todo o chorrilho de argumentos do costume que já ouvimos noutros carnavais, incluindo o “deixem-nos trabalhar”...
A verdade é esta: a democracia portuguesa tem apenas 35 anos. Isto significa que só agora começamos a ver que os “filmes” se repetem à exaustão, as personagens se repetem à exaustão, os argumentos se repetem à exaustão, e até os votos se repetem. Só agora é possível observar que os líderes, lamentavelmente, se repetem uns aos outros conforme as condições em que se encontram: Sócrates diz o que já disse Cavaco, Santana e Portas; Portas diz o que já disse Louçã e Cunhal e Acácio Barreiros; Ferreira Leite repete o que disse Santana e Nogueira e Freitas e até Soares; e por aí fora, numa sucessão de vitórias e derrotas que sempre inspiraram os mesmos discursos de vitória e de derrota.
É esta sequência mimética de discurso – ou seja, de atitude, ou falta dela – que nos cansa e nos puxa para a desistência.
Por mim, resisto. Até porque, no meio da repetição sistemática dos procedimentos, há pequena surpresas que nos animam, como esta que vem do blog “Quero andar a pé! Posso?” . Uma boa ideia para amanhã, quarta-feira:
A palavra “excelência” é muito usada na linguagem moderna para definir empresas e fórmulas de gestão de grande eficácia que conseguem conjugar o lucro com as boas práticas a todos os níveis. Não se fala de “excelência” quando o tema é um livro, um disco, ou um filme.
Porém, essa é a palavra que me ocorre quando penso na noite extraordinária que vivi – eu e mais 40 mil pessoas – no Estádio do Restelo, rendido à - lá vai... - excelência dos Xutos & Pontapés.
Ocorre-me “excelência” pelo feliz encontro de itens que nem sempre coincidem no tempo e no espaço: qualidade da música e de quem a executa, relação emocional forte com a audiência, consistência global do espectáculo, recursos técnicos e de produção acima da média e utilizados com sentido e sensatez.
Aos 30 anos de vida, os Xutos conseguem ser transversais a várias gerações, e o tempo entregou-lhes a bandeja da unanimidade. Podiam tê-la ignorado ou com isso ter ganho presunção e vaidade. Mas não. Eles são os mesmos miúdos que nasceram a gostar de rock. E a quem os anos deram maturidade, sabedoria, virtuosismo, e por outro lado doses generosas de humildade.
A genuína felicidade com que se apresentaram, no meio do gigantesco circo técnico montado à volta deles, foi comovente. A forma como se deram ao público e quebraram a natural distancia entre um palco possante, de grupo rock internacional, e uma plateia onde estavam todos os fieis dos tempos em que a luz ia abaixo e os geradores se ouviam durante as baladas, foi um manifesto de inteligência e sensibilidade.
O resto, bom, o resto foi só talento, energia, amor à música, e uma colecção de grandes canções rock.
Saí do Restelo em estado de graça. Sinceramente emocionado, agradecido, e feliz. O meu filho, que não era ouvinte militante da banda, rendeu-se e confessou-se impressionado.
E eu fiquei a pensar na palavra “excelência” e como ela aqui faz todo o sentido. É de excelência que se trata. E se Zé Pedro exagerou nos agradecimentos ao público, não é exagerado devolver os agradecimentos à banda. Nós é que estamos gratos aos Xutos & Pontapés.
Hoje é dia de votar – e o concerto de ontem recordou-me, caso pudesse esquecer-me, que um país é sempre a sua língua, a sua cultura, e aqueles que criam - e nunca, jamais, os políticos que gerem os tempos entre votos. E isso deixou-me em paz: criadores e talento, isso temos. Quanto a quem nos governa, esperemos que a memória dos eleitores seja eficaz. Ou seja: não faça esquecer.
PS – Só mesmo um concerto notável faz apagar, ou pelo menos acalmar, a fúria pelo caos que constituiu a entrada no Estádio do Restelo. Gostava de saber quem foi o bando de amadores incompetentes responsável por aquelas horas de filas intermináveis, indicações zero, e por fim o regabofe da entrada quase selvagem, sem quaisquer medidas de segurança ou sequer verificação de bilhetes. Lamentável.
Faço parte daquele lote de potenciais indecisos ou mal decididos que "eles" queriam conquistar.
Não conquistaram. Nem conseguiram sequer seduzir. Mas parto para o fim-de-semana, como a lei pede, em reflexão. Só uma certeza: domingo vou votar.
Antes disso, revistas para ler, acabar "O professor" do Frank McCourt, ir dar os parabéns à "Time Out", levar o António Maria ao Restelo para ver Xutos & Pontapés. E se o Sol abrir, talvez ainda praia. Talvez mesmo um salto a Melides.
Fernando Lima foi "apenas" a ultima pedra no lago. Mas a sério: depois do mail que veio no DN, das noticias do Público, do provedor Joaquim Vieira, depois do Freeport e da TVI, da licenciatura e dos projectos das casas, depois do negócio da PT na TVI e dos votos comprados dentro do PSD, depois do “episódio” Joana Amaral Dias, depois de Manuela Moura Guedes e de Moniz, depois dos Antónios Pretos desta vida, depois das sondagens e da ERC, enfim... depois de tudo o que tem feito o miolo dos nossos jornais, querem que eu sinta o quê?
Eu sinto-me democraticamente asfixiado pela falta de janelas de verdade. Uma verdade qualquer. Um facto provado.
Era isso que eu queria. É isso que ninguém me dá.
Portugal é hoje um país asfixiado pela mentira, pela duvida, pelo nevoeiro.
Num país em duvida, querem que votemos em qual das incertezas?
(Hoje, sábado, na revista do i, dedicada à fidelidade: "Nós, Fiéis")
Queria escrever sobre o facto de não me reconhecer nas esquerdas que se dizem de esquerda, ainda que não me sentisse à direita. E então comecei um post, no meu blog, assim: “Nasci do Benfica e de esquerda. Quanto ao Benfica, nada a fazer: é qualquer coisa que vem de dentro, e que não sai com o tempo, nem convoca mudança de opinião. Nem opinião sequer. É um facto. Quanto à esquerda, ainda que haja matrizes de pensamento que não mudam, ao assistir a um debate entre esquerda e ainda mais esquerda, não consigo deixar de confessar que não me reconheço naquelas esquerdas”.
E lá me expliquei. O mundo dos blogues tem esse fascinante submundo dos comentários, onde as pessoas tratam o autor de um blog umas vezes com amizade, carinho, admiração, mas também com ódio, como se ele fosse funcionário do Estado, como se fosse criado do leitor, como se tivesse “obrigações”, “deveres” para com aqueles que frequentam o blog. É divertido, embora muitas vezes seja apenas patético.
A respeito deste post, e da frase fatal – “Nasci do Benfica e de esquerda” – uma leitora, também ela autora de um blog, escreveu um comentário onde às tantas diz o seguinte: “Afirmar isso é apenas um exercício de ignorância muito mal conseguido, no que concerne a questões políticas. Quanto ao Clube de futebol nem me pronuncio sequer. Eu não nasci de Direita nem nasci sob o signo de qualquer Clube de futebol. Triste de mim se assim fosse, mas isso sou eu que gosto de me debruçar demoradamente sobre algumas questões”.
Associou a minha frase à ideia da “liberdade condicional”. E eu, que por regra não respondo a comentários, sorri. A leitora não percebeu até onde vai a profundidade desta frase: “Nasci do Benfica e de esquerda”...
... Ela radica justamente na mais pura e ingénua ideia de fidelidade. Porque a matriz de cada um de nós é modelada pelo ambiente em que crescemos, até quando optamos por divergir. E qualquer reflexão sobre a fidelidade – em qualquer dos seus patamares e modelos – não é mais do que a extensão da nossa existência primordial.
É claro que nasci “nada” – mas qualquer miúdo português, lisboeta, filho de jornalistas da classe média, que tenha feito 10 anos em 1974, sente que nasceu de esquerda. E muito provavelmente, do Benfica. É por uma questão de fidelidade – mesmo quando essa fidelidade passa pela tentação de contrariar a família e ir radicalmente parar ao lado oposto – que ao longo dos anos desenvolve esse afecto, ou descobre o equívoco.
O que eu pretendia distinguir era a fidelidade irracional, de um domínio incompreensível e tantas vezes frustrante – e que me leva a persistir em dizer que sou benfiquista, quando devia há muito ter desligado o botão do universo do futebol... -, da outra fidelidade, que só a estupidez e muita casmurrice podem alimentar para lá das evidências.
Que, em 2010, eu ainda seja do Benfica, trata-se de uma fidelidade compreensível e aceitável. Que, ao mesmo tempo, eu mantivesse os dogmas da esquerda que nos anos 70 se me colaram à pele, seria não apenas absurdo, como pouco inteligente. É entre estas fronteiras que me encontro, enquanto fecho esta edição e confesso preferir um fiel amigo, o bacalhau, a um infiel desertor do Benfica. Pior seria apenas eu não ter percebido que esquerda era aquela onde nos anos 70 do século passado eu vivi e me diverti numa inocente e ingénua adolescência.
O regresso do Gato Fedorento arrumou num canto as vozes do costume que gostam da frase “já não é como era dantes”. Há que tempos oiço esse “coro dos tribunais” dizer que o quarteto já deu o que tinha a dar, a graça não é a mesma, nos tempos da Radical é que era bom.
Felizmente, o Gato Fedorento conhece bem Portugal e sabe que é “mesmo assim” – e a única solução é continuar, resistir, persistir.
Aí está de novo. “Já não é como era dantes”? É como era dantes, é melhor do que era dantes, e é incontornável até para o mais sisudo dos políticos. Talvez por isso, o anúncio de um encontro entre Ricardo Araújo Pereira e Manuela Ferreira Leite, por si só, já dê vontade de rir. Há sketches que começam mesmo antes de existirem...
Leio no site da SIC as palavras de Ricardo depois de gravar a entrevista com a senhora: "É a segunda vez consecutiva que um líder partidário vem aqui para me achincalhar. Ontem houve referências do senhor primeiro-ministro ao meu suposto estalinismo. Hoje a doutora Manuela Ferreira Leite lamenta a sorte de uns pais que tiveram um filho assim. É muito difícil para mim suportar este enxovalho constante"...
Dá para rir, claro. Pois é. Mas ainda bem que Sócrates e Manuela - seguramente duas das figuras com menos sentido de humor do planeta – perceberam que não podiam evitar este confronto com a evidência: por mais que se levem a sério, não são para levar muito a sério. Nem eles, nem ninguém. Um sinal dos tempos. Um dos raros bons sinais.
Já liguei o televisor na SIC, não vá a memória atraiçoar-me.
Sinceramente, não me importa saber quem ganhou o debate entre Sócrates e Ferreira Leite. Do que vi, ganharam os dois, ou perderam os dois, conforme se queira observar aquele bocado de televisão – e convém não perder de vista que foi apenas um bocado de televisão. Ambos estiveram bem aqui, mal ali, demagogia para cá, demagogia para lá, uma gaffe para cada lado, pareceu-me um jogo de matraquilhos.
De todos os debates, o que retenho é a viagem na maionese de Francisco Louçã – e a prova, por fim provada, de que o Bloco de Esquerda só faz sentido (como o PC) enquanto fiscal crítico do poder que exista. Jamais poder ou sequer parceiro, coligação, combinação de interesses.
Tirem-nos desse filme - é de temer o dia em que o BE tenha qualquer espécie de voz activa na governação de Portugal.
Ontem à tarde fui gravar o “Fala Com Elas”, como todas as quintas-feiras. E ao passar por este canto do estúdio 3 de Paço de Arcos, parei e fiquei a olhar a mesa, as cadeiras, o vazio à volta. Eram seis da tarde e estavam quatro ou cinco técnicos por ali.
Vazia, aquela mesa não faz sentido de qualquer espécie ou ponto de vista. Parece uma parte de qualquer outra coisa que lá não está.
Sem luzes, sem os protagonistas, sem a tensão e a adrenalina do directo, aquela mesa é um mono e aquele espaço um amedrontado canto de estúdio.
... E no entanto, quer-me parecer que à volta desta mesa há milhares de portugueses a decidir um voto. Essa decisão vale quatro anos de vida e tudo o que isso implica.
Talvez por tudo isto que vos conto, ao decidir tirar uma fotografia da mesa vazia, senti-me na obrigação de perguntar aos técnicos se não se importavam que o fizesse. Como se a mesa fosse um quadro ou uma obra de arte. Ninguém me respondeu. Para eles, aquilo é um cenário que morre amanhã, sábado, para todo o sempre.
Os cenários nunca se repetem. Como os momentos que nele se vivem.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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