Vou apressado para o carro estacionado no esventrado Parque Mayer. Faltam poucos minutos para o jogo de Portugal, está muito calor, e eu vou apressado para o carro que ficou de frente para o que resta do Teatro Variedades. Ou será o Capitólio? Há paredes entaipadas e obras a alimentar a pó o calor, lembro-me da galinha corada da Dona Mimi, e incomoda-me o calor do alcatrão, o calor do pó, o calor da degradação e da decadência.
Mas, num breve fotograma deste quadro miserável, o meu olhar é chamado para um cartaz que recorda um passado daquele lugar. E eu reconheço um nome, um apelido que é um nome que orgulha o nome que tenho.
A pressa deixou de ser apressada e o calor parece que abrandou. A ansiedade desapareceu, Portugal não precisava de mim para começar a jogar, nem eu dele.
Como se fosse um oásis no deserto de um dia, ali estava o meu pai a olhar para mim num cartaz. E eu a pensar assim: Pedro, aprende com os erros dele, deixa lá essa ansiedade e essa pressa. Portugal pode começar a jogar sem ti. E tu sem Portugal. E este encontro merece um sorriso, e a doce memória que persiste em aliviar as dores. Vês, Pedro, às vezes tu sabes como se faz.
E então parei, respirei fundo, sorri para ele, e tirei uma fotografia:
Tenho lido diariamente as páginas centrais do Correio da Manhã (tem dias que não é nas centrais, mas anda sempre ali perto). Desde há semanas, aquela dupla-página reproduz integralmente as escutas telefónicas do caso PT/TVI. Metódica e organizadamente. Com os nomes, os casos, as sms, os telefonemas. Tudo preto no branco, sem comentários ou interpretações, apenas factos, reproduções de conversas que foram gravadas - e, portanto, não podem ser desmentidas -, numa soma de episódios que parecem mais italianos do que portugueses, e numa cronologia que não permite duvidar ou negar o que ocorreu. Só não vê quem não quer mesmo ver…
A vantagem deste serviço público do Correio da Manhã é que, liberto dos empecilhos habituais dos legalismos que tantas vezes têm impedido que se faça justiça, permite que cada leitor ajuíze, por si, sobre o que está em causa. Aquelas conversas ocorreram, aquelas sms’s foram trocadas. Podem os Tribunais e os Parlamentos fazerem-se de surdos “em nome da lei” e por obediência ao “regimento”, ao ”regulamento” ou ao tão amado “erro processual”, pode a esgrima dos advogados ser mais ou menos feliz sobre as armadilhas do legislador, mas nada disso apaga evidências e factos.
O que resulta da leitura diária do CM é radicalmente divergente do que sucede na praça pública. Trata-se de um insólito caso de inversão da prova: ainda que aquelas páginas nos demonstrem e provem um dos mais graves atentados à democracia e à liberdade de expressão de que tenho memória no pós-25 de Abril (ok, 1975 à parte…), e que se estende bem para lá da TVI e do casal Moniz/Moura Guedes, e estando o escândalo nas páginas do jornal diário de maior expansão, o que sucede é que a Comissão Parlamentar não consegue concluir nada, os mecanismos da justiça não conseguem e/ou não podem “ouvir”, e os procedimentos legais encarregam-se do resto. Os (outros) jornais também não lêem o Correio da Manhã. O Presidente da Republica persiste em não ler jornais. A “Europa” não conta para este insólito acontecimento.
Todas as escutas que exibem tristemente a verdade são, afinal, “nulas” e servem hoje apenas para que saibamos como o sistema está feito para que não funcione. Ou seja: encarregam-se de fazer com que o elefante que se passeia pela sala não seja afinal visto por alguém.
Se quisermos ir mais fundo, este caso mostra o que mudou dos tempos de “O Independente” aos dias de hoje – há 20 anos, este trabalho do Correio da Manhã já tinha feito cair o Governo, já tinha feito algumas pessoas mudarem de vida, e certamente recentrara o mundo político. Nos dias que correm, não apenas nada acontece como a maioria dos envolvidos continua a passear-se em cima do elefante que todos fazem de conta que não vêem.
Já tinha visto muita coisa nestes 46 anos de vida. Nunca tinha visto o visível tornar-se invisível mesmo estando à vista.
Sei que Portugal joga hoje com o Brasil. Vou ver o jogo e torcer pelos nossos.
Mas tropecei nesta música, neste vídeo, nesta magistral realização. Neste jogo de luz e sombras, realizado num tempo em que o tempo televisivo era mais pausado e rigoroso. Num preto e branco iluminado pelo génio. E nas palavras:
“Para quem quer se soltar, invento o cais”.
Tenho saudades de Elisa Regina todos os dias. É raro o dia em que não oiço a sua voz.
Hoje, uma vez mais, e por mais razões, é ela quem quero ouvir. E por isso partilho.
Lembrando de passagem outra canção em que Elis repetia: "Vivendo e aprendendo a jogar"...
Tenho recebido algumas reclamações por estarmos já em Junho e não haver sinal de "bracinhos"... Bom, o tempo não tem estado de feição para bracinhos, e o meu telefone actual é péssimo nessa função de fotografar com rapidez e eficácia (aliás, é péssimo em quase tudo, da net à duração da bateria, do software ao ecrã táctil nada prático, dos crashs consecutivos ao dinheirão que me leva de ligação à rede sem eu pedir... para que conste: é o Nokia N97, se puderem, fujam dele!). Mas agora que o Verão começou, tem de ser... Cá vão os primeiros bracinhos da temporada 2010, antes que mude de telefone e volte a ver a vida móvel como ela deve ser...
Esta frase traduz factos: num país com quase 11% de desemprego, o Governo olha para a crise e decide cortar oito medidas que, em tempos de excepção, beneficiavam justamente os desempregados. Não parece um contra-senso, um momento de bipolaridade, no limite um erro? Parece. Mas é assim que o Governo actual entende que se enfrenta a crise: penalizando quem trabalha e, já agora, quem nem trabalho tem. Com pezinhos de lã se tocam nos benefícios dos empregados públicos, dos empregos de sempre, da banca e das empresas. À patada se cai em cima do trabalho e da desgraça.
Tira-me do sério, parte II.
O Presidente da Republica, Cavaco Silva, não sustentou as honras de Estado e não compareceu no enterro de José Saramago. Explicou, entre outros tiros no pé, que o que o chefe de Estado deve fazer é "diferente daquilo que deve ser feito pelos amigos ou pelos conhecidos". Rematou: "Devo dizer que nunca tive o privilégio na minha vida, se me recordo, de alguma vez conhecer ou encontrar José Saramago”. Ocorre-me perguntar se conheceu pessoalmente Camões, que homenageia todos os 10 de Junho, ou as dezenas de personalidades a quem anualmente atribui comendas e louvores. Ocorre-me perguntar que significado tem para o Presidente da Republica a declaração de “luto nacional” e “honras de Estado”. Ocorre-me dizer-lhe que o não sinto já – alguma vez senti? – Presidente de todos os portugueses.
Tira-me do sério, parte III.
A sigla SCUT significa "Sem Custo para os Utilizadores". Não foi por acaso que se “inventou” um regime de pagamento de auto-estradas em que todos pagam para alguns – destinava-se a pagar os chamados “custos da interioridade”, e presumia que o desenvolvimento de zonas menos abastadas serviria e era útil toda a nação (até porque, o seu abandono provocaria, a prazo, um colapso na capacidade do litoral absorver a população migrante). O fim dessa singularidade social, inteligente e razoável, não se deve ao progresso do interior nem à coesão nacional – deve-se a uma crise com a qual os desgraçados que vivem na “interioridade” pouco ou nada têm a ver. Só a Norte ou por todo o país, o que me pergunto é simples: quem é o inteligente que acha que medidas destas resolvem o défice, se afundam o país e a sua capacidade de existir? Mascaram-se estatísticas para já, certamente que sim, mas alguém virá depois criar mais remendos para os remendos que agora se inventam.
Ontem li cinco jornais portugueses. Todos falavam, obviamente, de José Saramago. Mas, para mim, o mais perfeito, completo e esclarecido obituário foi este, de Adelino Gomes, no Público. Uma lição de jornalismo nos dias dificeis desta profissão. É muito complicado escrever simples.
(A fotografia é de Marcelo Buainain e foi tirada para a capa de uma edição do DNA, suplemento do DN que criei e dirigi entre 1996 e 2006).
Não sendo embora um admirador da obra de José Saramago (tocou-me um livro, "O Ano da Morte de Ricardo Reis", e os outros fui tentando ler, sem sucesso, que só leio mesmo aquilo de que gosto à primeira, e sem esforço...), admirei sempre nele o desassombro com que enfrentava os outros. Os que gostavam dele e os que não gostavam. Os que o amavam e os que o odiavam. Gostei da impaciência com que viveu estes últimos anos de glória.
E gosto de alguma da prosa mais curta e enxuta, como este post dos seus Cadernos:
"Felizmente há palavras para tudo. Felizmente que existem algumas que não se esquecerão de recomendar que quem dá deve dar com as duas mãos para que em nenhuma delas fique o que a outras deveria pertencer. Assim como a bondade não tem por que se envergonhar de ser bondade, também a justiça não deverá esquecer-se de que é, acima de tudo, restituição, restituição de direitos. Todos eles, começando pelo direito elementar de viver dignamente. Se a mim me mandassem dispor por ordem de precedência a caridade, a justiça e a bondade, daria o primeiro lugar à bondade, o segundo à justiça e o terceiro à caridade. Porque a bondade, por si só, já dispensa a justiça e a caridade, porque a justiça justa já contém em si caridade suficiente. A caridade é o que resta quando não há bondade nem justiça"
Para mim, o melhor de Saramago são achados como este.
(A fotografia é de Marcelo Buainain e foi tirada para a capa de uma edição do DNA, suplemento do DN que criei e dirigi entre 1996 e 2006).
Andava há dias a pensar como definir a minha atitude face à Selecção Nacional de Futebol. Graças à Anabela Mota Ribeiro, descobri-a numa declaração que lhe fez o publicitário Pedro Bidarra numa entrevista recente no Jornal de Negócios: "Vou torcer por Portugal por default. Como quem torce pela família. Como quem torce por um filho sem talento. Por um filho com defeitos".
É exactamente o que sinto. O que faço.
Também gostei da metáfora da parede e do elástico:
"No outro dia escrevi uma metáfora inspirada naquilo que o Fernando Ulrich disse – que vamos bater na parede. Gostei da ideia da parede. Porque imagino que há uma parede, que o português sabe que existe ali uma parede que não o deixa passar, e que o caminho é andar no sentido contrário à parede. O que acontece é que o português tem pegados às suas costas e à parede uns elásticos. É como se nós estivéssemos a andar para a frente e a esticar este elástico. O elástico há-de ser tão forte que a dada altura já não conseguimos andar sozinhos. Foi o que aconteceu, e tivemos a ajuda dos dinheiros da Europa e do “lá fora”. Ajudaram-nos a continuar a puxar o elástico. Para além das nossas forças. O que é que está a acontecer agora? Os outros largaram o elástico, e nós estamos a vir para trás a uma força enorme, e vamos bater na parede. De costas. Este elástico chama-se: cultura portuguesa. A parede chama-se: a nossa realidade. Para sair daquilo que somos tínhamos de dar uma machadada neste elástico".
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
Subscrever por e-mail
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.