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Pedro Rolo Duarte

14
Jun10

Aprender a aprender

Não foi há muitos anos, e não sei se a coisa persiste: numa instituição privada de ensino, as pautas onde os professores assinalavam as notas finais de ano tinham, junto ao nome de alguns alunos, uns sinais escritos a lápis que eram apagados depois dos professores escreverem as suas classificações. Um professor novato quis saber o significado daquelas cruzes a lápis, e explicaram-lhe: assinalavam os alunos que não pagavam propinas há mais de 3 meses, para que os professores, em caso de nota 10, pudessem descer para 9. Alunos a abater, se me faço explicar.

Na mesma instituição, um professor rigoroso que reprovasse muitos alunos (que julgava, afinal de contas, não merecerem passar) era em geral admoestado pela reitoria – porque, elucidavam-no, se os alunos pagavam o seu curso, tinham “o direito de passar”, desde que cumprissem as suas responsabilidades financeiras…

Lembro-me sempre destes dois exemplos, passados em Lisboa, quando leio as notícias sobre o maravilhoso mundo da nossa educação. Nos últimos dias, são escolas que se encerram por todo o país (o mesmo país "interior" que nas campanhas eleitorais é promovido instantaneamente a prioritário), são os números sobre a diminuição dos chumbos que parecem “martelados” pelas saídas “profissionalizantes” (que limpam e embelezam as estatísticas…), é essa deslumbrante magia de saltar anos escolares no secundário, que tento perceber sem sucesso.

Na mesma Europa onde este Portugal se estatela diariamente, uma hiper-criticada Alemanha lança um plano de austeridade onde a única área poupada a sacrifícios e cortes é justamente a educação.

Talvez isso explique quase tudo. Ou seja: o quase nada que sempre somos. Porque não aprendemos com o passado, nem queremos aprender com os outros. E definitivamente, somos relapsos e negligentes no essencial. Que é justamente aprender a aprender. Sempre foi assim.

11
Jun10

Sobre o desemprego

(Crónica originalmente publicada na Lux Woman)

 

Há uma palavra muito feia que nos tem custado a integrar no vocabulário dos dias. É uma palavra que associamos a incapacidade, a negligência, a “culpa própria” – e que os últimos anos têm demonstrado que pode, afinal, ser colada instantânea e inesperadamente a qualquer um de nós. A palavra é: desemprego. Ou desempregado.

Quando comecei a trabalhar, estar desempregado era um estilo de vida – correspondia ao calão, ou ao indigente. “Há sempre trabalho para quem quer trabalhar” era uma frase feita. Mas o mundo mudou e com ele mudaram as lógicas associadas ao trabalho – morreu de vez o “emprego para a vida”, inventaram-se conceitos sob palavras como “deslocalização” ou “precaridade”. Ter um curso superior não é mais um “seguro profissional” e, paradoxalmente, não ter qualquer espécie de habilitações não impede um sucesso inesperado e repentino num golpe de génio. Esta revolução também alterou o conceito de desemprego. E de desempregado. Não se trata mais de uma escolha, de uma condenação pelo crime de desinvestimento individual ou preguiça, mas antes uma condição inesperada, indesejada, e a precisar de cuidados da sociedade que (ainda) tem trabalho. O desempregado merece respeito – e a sociedade começa a perceber a diferença.

Em Portugal, no entanto, estamos ainda longe da dignificação de quem não consegue ultrapassar os sinais da crise. Tão longe que no universo da política o tema é tratado com leviandade e numericamente (a não ser em período eleitoral, claro...). E tão mais longe quanto o que vos vou contar...

... Aqui há dias, razões diversas me levaram a ter uma tarde livre numa viagem a Barcelona. Decidi voltar à Fundação António Tapies, restaurada e relançada há poucos anos. Ao entrar, consultei a tabela de preços e reparei neste facto: além dos maiores de 65 anos e das crianças, só há entradas gratuitas para mais uma categoria: desempregados. Confesso que primeiro estranhei. Mas, como Pessoa escreveu, depois entranhei e me comoveu o que está subjacente a esta benesse: no fundo, a expressão “já que...”. Já que se está desempregado, com tudo o que isso implica no estado de espírito, no horizonte cinzento, na tristeza. Já que a sociedade não consegue dar resposta ao problema. Já que não podemos fazer mais... Podemos ao menos abrir as portas da cultura, ocupar o tempo de quem tem tempo demais, dar a oportunidade de valorizar e tornar esse tempo rico.

Não tardei a saber se era geral esta atitude, e claro que é: em Espanha, todos os espaços culturais são gratuitos para aqueles que estão desempregados. Em França, a mesma coisa. Seguramente, noutros países europeus.

Em Portugal, nada disso. A condição não existe, nem a ideia, nem a proposta. Políticos, sindicalistas, comentadores – toda a gente debate o desemprego, toda a gente tem palpites sobre a crise. Ninguém se lembra de coisas simples, sinais, pontos de honra que marcam a diferença.

O que senti neste espaço cultural espanhol foi o reconhecimento de que o desemprego é uma condição humana – como a velhice, ou uma qualquer incapacidade física – que mais tarde ou mais cedo pode bater-nos à porta, e que devemos por isso considerá-la com respeito e atenção. Disponibilizar cultura a quem tem demasiado tempo livre pelas piores razões é um sinal social de solidariedade e um sentido de responsabilidade relevante. O que eu senti, naquele momento foi um sentido maduro e sensível do “estado social” que enche a boca dos políticos mas se esvazia imadiatamente. Alguém quer começar, em Portugal, a olhar o desemprego como ele é, e não como ele sempre foi?

10
Jun10

Coisas que me encanitam (IV)

Há anos que alimento esta teoria: os portugueses são surdos. Ouvem mal. São insensíveis ao ruído.

Não me esqueço do pic-nic tranquilo de uma família na costa alentejana a escassos metros de um barulhento gerador de energia. Nem deram pelo barulho. Nunca percebi o gosto dos reformados pelas obras de rua, onde os martelos pneumáticos arrasam qualquer ouvido razoável. Cresci a passar férias numa aldeia onde o desporto favorito dos jovens era descer e subir ladeiras em motorizadas de 50 centímetros cúbicos com o escape livre. Gostavam do ruído da moto...

Por isso me encanita o ruído que os empregados de pastelaria adoram fazer a empilhar chávenas e pires de café.

Por isso me encanita a zona onde moro e cujo “estilo” parece passar por um permanente ruído de obras: o vidro duplo, o afagar do chão, o refazer de uma cozinha. Há dois anos que deliro com obras permanentes e sonho com o deserto. Há sempre uma obra ao lado, por cima, por baixo. Já não sei o que hei-de enfiar nos ouvidos...

Também me encanitam os clássicos alarmes mal amanhados dos automóveis (ou das lojas...) que apitam longamente, os cães irritados que ladram noite fora e incomodam toda a gente (excepto os donos, lá está, são surdos), os tipos que compraram um sistema hi-fi mais potente do que o carro onde o instalaram, os rádios na praia, as pessoas que gostam de falar alto quando o ambiente pede para falarem baixo. E os tipos que buzinam para chamar o vizinho (em vez de tocar à campainha do vizinho que querem chamar, é pedir muito?...), ou berram em vez de se aproximarem para falar. E os chatos que querem enfiar papeis e cartas na caixa do correio e acham que tocar campainhas é inocente e nada intrusivo.

Da Vuvuzela nem falo – que a vejo como objecto de tortura nazi... - embora tenha sido por causa dela que me lembrei de mais este encanitanço.

Fica feito. Podem fazer silêncio por um momento? Por um momento só?

 

... Além disso também me encanita o ruído do Governo com os números do INE que aparentam crescimento. É outro tipo de ruído: não há ninguém que veja apenas a realidade e perceba em que estado estamos e que o abismo está já ali? Mas o INE tem empregos para dar e défice para cobrir? Tanto barulho para nada...

07
Jun10

Um crime, entre tantos

Passo a vida a criticar o que se passa na costa alentejana – os atropelos à legislação, os atentados ao bom senso e ao ambiente, os abusos de poder, as “interpretações livres” da lei. Vejo boa parte da área que, em teoria, é protegida, ser varrida pelo superior interesse do negócio, da especulação, e do lucro a qualquer preço. Mas todas as minhas observações se desvanecem e perdem sentido quando um acaso do destino me faz embater de frente com algo ainda pior.

A velha frase: e agora, para algo diferente...

Passei recentemente por Miramar, Esmoriz, Cortegaça, Furadouro... Em vez de me limitar aos vagos passeios ordenados (onde agora há sempre uma ciclovia, por ridícula que seja), tentei descer do Porto para Lisboa, em automóvel, pela costa. Desisti à chegada a S. Jacinto, quando ainda concedi que aquela língua de terra entre mar e rio (feia, porém mais ou menos organizada...) se salva do caos geral.

... Porque é de caos e crime que estamos a falar. O mais absurdo e inexplicável desordenamento do território junta-se a uma lixeira a céu aberto com parques de campismo que parecem favelas do Rio de Janeiro, bairros sociais degradados que julguei impensáveis 35 anos depois de 1974, equipamentos fabris abandonados a que ninguém pôs ordem, improvisados parques de automóveis velhos, golfes pelados, campos de futebol de uma baliza só, e muros que até se tentam explicar: “fim do mundo”, dizia um; “cuidado crianssas”, assim escrito, dizia outro.

A isto juntam-se aldeias sem rei nem roque e estradas vagamente sinalizadas (em geral, a sinalização é no sentido de fugir: auto-estrada mais próxima...). E gente nas ruas a olhar para o vazio. Um quadro de miséria que, se houvesse justiça em Portugal, seguramente enviaria para a cadeia uns tantos autarcas.

Como é possível Esmoriz e Cortegaça? Como é que os partidos políticos vivem tranquilos enquanto a mais miserável realidade é por eles caucionada nas suas redes autárquicas? A que Europa pertencem os desgraçados que vivem naqueles lugares (e cultivam, sim, em tranquilidade, que a ignorância nem lhes permite o queixume, aquele estado de sitio)?

Tenho a certeza que, de quatro em quatro anos, PS, PSD, CDS, PC, BE, andam por ali a caçar votos. Tenho a certeza de que sabem do que falo. Infelizmente, também tenho a certeza do que resta nos seus blocos de notas no dia a seguir a cada eleição: nada. O chamado “resto zero”.

Nesta viagem aos infernos (uma reportagem por fazer...), digo-vos, tive vergonha, muita vergonha. Porque àqueles lugares, àqueles crimes, àquelas negligências e indiferenças, também se chama Portugal.

04
Jun10

O leão e o ratel

 

Há muitos anos, na revista “Capa”, entrevistei o almirante vermelho. Rosa Coutinho recebeu-me num escritório esconso, ali nas avenidas novas, e respondeu às minhas perguntas numa sala onde o único objecto decorativo era um poster de João Abel Manta que retratava a “Aliança Povo-MFA”. Depois de evitar falar sobre os negócios que então desenvolvia com os PALOP e de explicar, à sua maneira, a revolução, Rosa Coutinho quis demonstrar com uma analogia do reino animal a resistência dos regimes comunistas à cruzada galopante do liberalismo nos anos 90.

Então contou (cito de memória): “há na floresta africana um animal chamado ratel. É pouco maior do que um rato e obviamente inferior ao leão. No entanto, se observar o encontro entre os dois animais, verifica que o leão evita prudentemente o ratel e raramente se confrontam. Porquê, sendo o leão mais poderoso e estando, por isso, o ratel condenado à morte? Porque o ratel enfrenta sempre o leão, mesmo sabendo que morre, e luta com tanta força que fere com violência o leão. Morre, mas deixa o leão doente”.

É disto que me lembro quando observo, estupefacto, a forma como o PS de Sócrates se deixa humilhar pelo Alegrismo e submete todo um partido a quem apenas o enxovalha, de forma altiva a arrogante, fazendo da idade um posto e do passado um lugar cativo.

Em nome da unidade de uma presumível esquerda, José Sócrates hipoteca um partido inteiro. Veremos se a aritmética eleitoral compensa os votos que perde neste kamikaze politico.

Manuel Alegre é o ratel do Partido Socialista – e esta é a mais triste analogia que se podia encontrar num ano eleitoral. Pior: foi-me ensinada por quem, em nome da esquerda, contribuiu para atrasar ainda mais um país perdido.

01
Jun10

O tempo de todos os encontros?

O projecto “Hotel Babilónia”, que assino há já mais de um ano com o João Gobern na Antena 1 (sob a dedicada atenção da Joana Jorge), tem constituído uma excepcional surpresa permanente e contínua...

Posso estar redondamente enganado, mas o programa e as reacções que ele convoca – ao vivo, ao retardador, pelo Facebook ou pelo blog -, devolveram-me a ideia de uma rádio com gente dentro, de uma rádio mais humana, menos computorizada. E com gente que ouve, em directo ou diferido pela net...

É seguramente um dos meus maiores prazeres regulares, aquele em que entro no estúdio, arranjo a mesa ao meu modo, ponho os papeis com as deixas e dicas que pensei previamente, e ao sinal da Paula Guimarães me atiro de cabeça... Naquelas duas horas, pico-me e deixo-me picar pelo João, embirro com algumas das escolhas do melómano e compenso a embirração com as minhas escolhas pessoais de ouvinte comum (e que gosta de dizer que “só gosta do que já conhece”...), “dou o corpo às balas” no erro, na falta de memória, e nas contradições que fazem de nós seres humanos, e recupero o profundíssimo prazer de comunicar – afinal, o que me tem movido nestas décadas de trabalho e prazer e caos e o “catatau”...

O programa é minimamente preparado por nós – mas não mais do que minimamente, sequência e temas a abordar. Depois, cada um faz o seu trabalho de casa. E tem corrido bem, digo eu, que me vejo complementado (e a complementar) o João nas entrevistas, e no resto, sempre em sistema de “toma lá, dá cá”. Já funcionávamos bem há 25 anos, a coisa só podia melhorar...

E tudo isto para dizer que, muito por causa das redes sociais (nomeadamente o Facebook), da net e da mobilidade geral da comunicação, já demos por nós a assinalar o primeiro aniversário do programa com uma emissão ao vivo no Chiado. E agora, assinalando o “Serralves em Festa”, vamos ao Porto no próximo fim-de-semana fazer a emissão em directo, ao vivo e a cores, a partir da esplanada do Museu de Serralves...

Dá que pensar este facto: é a existência de redes como o Facebook, plataformas como os blogues, e emissões em podcast e rádio na net, que nos convoca para sair de um estúdio e ir ao encontro de quem nos ouve... Quem disse que este era o tempo de todas as solidões? Não será antes o tempo de todos os encontros?

 

Já agora, publicidade a nosso favor: o programa é sábado, dia 5, entre as 10:00 e as 12:00. Na Antena 1, mas na verdade ao vivo a partir da Casa de Serralves. Por lá vão passar João Fernandes, Rui Moreira e Carlos Daniel... E eu e o João prometemos a animação do costume... Quem quiser aparecer, é bem vindo e pode sempre entrar em antena...

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Blog da semana

Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

Uma boa frase

Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira

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