Nunca fui amigo próximo do António Feio - mas sempre senti no seu olhar, nos diálogos breves que trocámos na praia, no Xafarix, nos espectáculos onde passámos, uma cumplicidade que jamais saberei explicar. Ou talvez saiba: era ele, assim mesmo, sem máscaras. Tivemos momentos de solidão partilhada, mas o que recordo com saudade era o olhar malandro de quem percebia rigorosamente em que ponto estava cada um de nós.
Sempre que morre alguém de quem gosto, não consigo deixar de pensar no que fazemos com a vida que temos. E às vezes é tudo tão pequenino.
O António teve pelo menos esse mérito: viveu muito menos do que merecia, mas viveu sempre em cheio. E é sobre isso que ele fala neste vídeo. Vale a pena ouvi-lo. Segui-lo.
Lembro-me de, aqui há uns anos, ter sido motivo de gozo na imprensa o facto do site da Secretaria de Estado do Desporto, tutelada por Laurentino Dias, ter umas dezenas largas de fotos do senhor secretário de estado. A rir, a discursar, a comer, a inaugurar, a visitar, a olhar, a nada, aquilo parecia o culto da personalidade na mais maoista das suas acepções.
O centrão tem, como sabemos, uma cartilha semelhante. Não espanta, portanto, que ontem, ao tropeçar na “Oeiras Actual”, (escandalosamente...) luxuosa revista que serve de Boletim Municipal da Câmara de Oeiras, tenha contabilizado, em 64 páginas, 40 fotografias onde aparece Isaltino Morais (descontei as 12 páginas de deliberações municipais).
Não tenho a certeza de Isaltino ter ganho o concurso de maior número de fotos por páginas a Laurentino Dias – até porque revista em papel e site têm contornos diferentes nesta aritmética -, mas estou seguro de que ambos consultam empresas de comunicação influenciadas, agora ou no passado, por regimes onde o culto da personalidade fez sucesso, carreira, e prolongou vidas bem para lá da validade do prazo político.
A parte triste desta “Oeiras Actual” é que ela é paga pelos mesmos munícipes que alegremente elegeram Isaltino, elogiam Isaltino, e não se incomodam com o peculiar modo de “estar” do Presidente da Câmara de Oeiras.
Têm razão os que dizem que o pior cego é o que não quer ver.
Este fim-de-semana vai para o ar, na RTP-N, o ultimo “Fala com Elas”. Ao longo de ano e meio, moderei semanalmente quatro mulheres debatendo temas de actualidade. Havia um painel fixo – Isabel Stilwell, Estela Barbot, Bárbara Coutinho – e uma convidada semanal. No painel fixo, antes da Bárbara passaram por lá a Joana Amaral Dias e a Manuela Azevedo. O programa tinha um registo clássico de debate de estúdio: 3 ou 4 temas, 10 minutos por tema, mais a conversa introdutória com a convidada. Um programa normal que teve o seu tempo, e viveu bem o seu tempo.
Agora que chega ao fim, gostava de deixar três notas do que aprendi com este experiência.
Primeira nota: as mulheres são iguais aos homens a discutir. Pode o tom de voz ser mais agudo, pode haver inflexões que marquem uma aparente diferença, mas no fundo “no passa nada”. Quando se entusiasmam, levam tudo à frente. Quando querem esmagar, esmagam. Quando não lhes interessa, largam. Vejo muitos programas de debate com homens – não noto hoje qualquer diferença em relação ao que moderei durante este tempo.
Segunda nota: as mulheres (pelo menos, estas mulheres...) são abertas a uma actualidade mais abrangente. Neste programa era eu quem sugeria os temas em debate – e levei para estúdio as listas dos mais poderosos da Time, o fenómeno José Mourinho, o abandono do interior português, os Óscares, Harry Potter, Amália Rodrigues, educação sexual, para citar alguns temas que não entram nos debates habituais de TV. Nunca recebi um mail ou um telefonema de algumas das participantes a dizer “sobre isso, não falo” ou “não acho o tema suficientemente importante”.
Terceira nota: ainda que possa parecer sexista ou machista a ideia de um programa com mulheres a debater temas de actualidade, a verdade é que elas continuam em minoria neste formato televisivo. Se outra virtude não tivesse, o “Fala Com Elas” teve essa: provou que há mulheres em número suficiente, com qualidade e inteligência, com humor e sabedoria, para alimentar mais programas, mais debates, melhor televisão.
Então foi assim: publiquei este post a meio da tarde de ontem, sexta-feira, e quando fui ver o mail, ao fim do dia, antes de partir para fim-de-semana, tinha trinta candidatos ao livro. Uma média de 10 por hora.
Agora é sábado, tive o privilégio de jantar peixe pescado pelo meu filho na Berlenga. Um dia extraordinário de praia na Aberta Nova. Uma noite quente. O Benfica ganhou. Estou aqui ao ar livre, de computador ao colo, e além de uma ou outra melga, só mesmo a Conchita vem dar um ar da sua graça (dizem que é um saca-rabos, mas para mim é uma raposa, e eu gosto mais da ideia de ser uma raposa). Leva restos de peixe.
Abro o mail do sapo e pasmo: tenho mais de cem leitores interessados em receber o “Fumo”. Muitas ofertas de selos, de pagamento com e sem IVA, eu sei lá: de tudo um pouco. Com histórias românticas como um aniversário de casamento, sem história, com explicação, com justificação, ou sem nada, simplesmente “eu quero”.
Rendido, resta-me agradecer o interesse e dizer que, devagar, ao longo das próximas semanas, talvez um mês ou dois, vou conseguir dar vazão a todos os pedidos.
Quem escreve, gosta do que faz sem mais nada – mas gosta mais quando há quem leia. Muito mais.
Mal comparado, é como o mar – olhar enche as medidas, mergulhar é tudo.
Recebi, da “Oficina do Livro”, as sobras do meu último livro, publicado em 2007, antes de ser destruído - ou descontinuado, como agora se diz. O espaço que estas centenas de exemplares ocupam em armazém e o facto de ninguém as querer comprar explicam a decisão. O mercado é assim. Eu respeito o mercado.
A Oficina do Livro mudou, porque o mercado também mudou. À empresa ligavam-me laços pessoais: o livro que estreou a editora foi o meu primeiro livro, “Noites em Branco” (cujo lançamento, numa festa no Lux, foi também a apresentação publica da nova casa). Sugeri colaboradores para a editora, fiz a ponte entre alguns campeões de vendas e a empresa, e o DNA foi berço de muitos livros da Oficina. Quando os dois sócios se separaram, ambos meus amigos, a coisa já doeu. Quando comecei a ser tratado como um número (e pequeno, dado não ser um campeão de vendas), doeu mais.
Agora, quando descontinuaram o “Fumo”, pedi que me dessem alguns exemplares - para poder, pelo menos, prolongar na minha vida a vida deste livro.
O “Fumo” é um livro dúplice – ele acompanha o período mais duro do meu processo de deixar de fumar, há quatro anos, com reflexões, ideias, textos, sobre o mundo, a vida, o que me rodeia e inspira e convoca. Uma espécie de blog em livro, com esse duplo-patamar – os “posts” vão sendo pontuados pelo diário de um fumador viciado, compulsivo e obsessivo, que decide deixar de fumar. E consegue...
Não tenho os meus livros na conta de obras literárias ou que mereçam figurar numa biblioteca – acho que juntei textos e os organizei para lhes dar uma coerência que fizesse sentido num objecto com lombada. De alguma maneira, transformei matéria de imprensa efémera em matéria impressa de longa duração. Mas sou sincero, sem falsas modéstias nem excessos de humildade: um livro, para mim, é um romance do Vergílio Ferreira, para deixar só um exemplo. Nessa medida, os meus três livros são três brincadeiras sem importancia.
Ainda assim, tenho gosto em que este “Fumo” seja lido.
O tempo já apagou o tempo de vida a que mercado lhe deu direito. Agora olho para o “Fumo” e penso que merece melhor destino do que o quarto lá do fundo, onde dormem caixotes de passado.
Vai daí, decidi oferecer exemplares do “Fumo”. Sem passatempo nem concurso. De vez em quando, abro a torneira e compro vinte envelopes de correio verde e envio o livro para aqueles que se mostrarem interessados em tê-lo. Autografado, claro.
É muito fácil: um mail para pedro.roloduarte@sapo.pt com nome, e morada completa. Como não sou accionista dos CTT nem rico, para já vou comprar 20 envelopes para os 20 primeiros. Daqui a uns meses repito a brincadeira. Estejam à vontade, podem começar...
Esta Paz fica ali, algures, entre o Gradil e Mafra. É uma aldeia de "risco ao meio", uma rua e casas de um lado e do outro. Sem história. Sem graça. De passagem.
Estavas, linda Inês, posta em sossego, De teus anos colhendo doce fruto, Naquele engano da alma, ledo e cego, Que a fortuna não deixa durar muito, Nos saudosos campos do Mondego, De teus fermosos olhos nunca enxuto, Aos montes ensinando e às ervinhas O nome que no peito escrito tinhas.
Luís de Camões, Os Lusíadas.
(É impossível não lembrar estes versos quando se pisa aquela terra.)
"A verdade é amor — escrevi um dia. Porque toda a relação com o mundo se funda na sensibilidade, como se aprendeu na infância e não mais se pôde esquecer. É esse equilíbrio interno que diz ao pintor que tal azul ou vermelho estão certos na composição de um quadro. É o mesmo equilíbrio indizível que ao filósofo impõe a verdade para a sua filosofia. Porque a filosofia é um excesso da arte. Ela acrescenta em razões ou explicações o que lhe impôs esse equilíbrio, resolvido noutros num poema, num quadro ou noutra forma de se ser artista. Assim o que exprime o nosso equilíbrio interior, gerado no impensável ou impensado de nós, é um sentimento estético, um modo de sermos em sensibilidade, antes de o sermos em razão ou mesmo em inteligência. Porque só se entende o que se entende connosco, ou seja, como no amor, quando se está «feito um para o outro». Só entra em harmonia connosco o que o nosso equilíbrio consente. E só o consente, se o amar. Porque mesmo a verdade dos outros — a política, por exemplo — se temos improvavelmente de a reconhecer, reconhecemo-la talvez no ódio, que é a outra face do amor e se organiza ainda na sensibilidade"
Vergílio Ferreira, meu professor de Liceu e e meu escritor português de sempre, em "Pensar" (encontrado no excelente "citador"). A fotografia tirei-a ontem mesmo, em Coimbra, na Quinta das Lágrimas.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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