Visto de fora
Parece que houve 1,4 milhões de portugueses que viram a estreia da “Casa dos Segredos” na TVI. Não me surpreende, nem percebo qualquer espanto que o número provoque – desde há dez anos, quando estreou o primeiro Big Brother, que se sabe que os espectadores portugueses não são diferentes dos espectadores dos outros países e gostam de ver este género de programas. 1,4 milhões de espectadores é pouco menos do que os votos do PSD nas ultimas legislativas (1,6 milhões), é mais ou menos a soma dos votos no Bloco de Esquerda, PCP e CDS nesse mesmo acto eleitoral. É quase 60 vezes o número de compradores regulares do Diário de Notícias.
Faço parte desse número, embora só parcialmente, porque entre uma crónica por escrever e os “Ídolos”, acompanhei a “Casa” com menos empenho. Mas ontem voltei a ver no canal que “dá” aquilo em permanência e em directo. Confirmei o que já se podia adivinhar.
A mecânica do jogo sofisticou-se, naturalmente. Há mais elementos de perturbação e conflito, de tensão e competição.
Mas o que mudou mesmo foi a consciência e a percepção do “fenómeno” por parte do “elenco” escolhido para a série. Aquela gente entrou a matar num tudo ou nada de mediatismo. Pareciam candidatos a políticos, autarcas em campanha no Brasil, vendedores de feira.
No primeiro Big Brother, havia espaço para a ingenuidade, a sinceridade, o lado mais pobretanas do concorrente ignorante que não imagina as voltas que a televisão dá à cabeça de quem nela entra e de quem cá fora a vê. Agora, uma década passada, todos os concorrentes sabem ao que vão, sabem rigorosamente o que deles se espera ou o que podem fazer para que deles se espere alguma coisa. São amadores altamente profissionais.
São actores - de vão de escada, ainda assim actores – a desafiar o monstro triturador da televisão. No começo, a guerra era entre os concorrentes e os espectadores. Agora, é entre os concorrentes e a o próprio meio-televisão.
E nós? Nós vamos ver a novela que eles criaram antes de entrarem na casa. Já não a novela da vida real, mas da vida que eles inventaram para ganhar protagonismo.
Não é melhor nem é pior – é apenas o tempo a passar e nós com ele. E afinal de contas, quem quer mesmo saber da realidade?