Há exactamente três anos, depois de desenhar o layout deste blog numa folha de Pagemaker (sim, eu ainda uso esse programa de paginação da pré-história...), e de o ver ganhar corpo e existência “às mãos” do Pedro Neves, da equipa do Sapo, entrei de corpo e alma neste universo de escrita livre, pessoal, absolutamente solta. Não sabia, então, que um blog me podia trazer alegrias imensas, pessoas, lições, mais mundo, melhor mundo. Foi isso que aconteceu.
Na altura, escrevi – e é verdade – que só tinha admitido a ideia de um blog depois de ser dispensado de escrever no Diário de Notícias. Três anos depois, posso dizer que nem o regresso aos jornais – nas páginas da revista do i, até Maio passado – me fez desistir deste bocado de mim. O que começou por constituir uma alternativa, tornou-se parte dos meus dias, da minha vida. Este blog sou eu – como eu sou tudo o que faço: o que disparata e conversa aos sábados na Antena 1, o que observa o mundo dos blogues diariamente, o que se expõe na Lux Woman, o que colabora com a RTP-N. O que espera pelo dia em que haja de novo espaço para novas revistas, novas edições, novos livros, novos projectos. O que multiplica ideias – mas, aos 46 anos, já não sonha mais do que deve. E guarda as melhores ideias para os melhores momentos, sejam eles quais forem, quando forem.
Meio milhão de visitas mais tarde, perto de um milhão de páginas vistas depois, desenho no mesmo Pagemaker um retoque ligeiro no blog, uma nova área – “Imperdível” – e uma forma mais prática de consulta e leitura. O Pedro Neves, em poucos dias, com o talento que já é público, aplicou o desenho no ecrã - e neste dia de aniversário estreamos a nova cara.
Mais do que renovar a imagem, quis deixar aos que frequentam esta página uma mensagem simples: três anos depois, o mesmo entusiasmo, a mesma energia. E uma sensação estranha. Esta: sem o blog, eu vivia? Vivia. Mas não era a mesma coisa.
Também me impressionou a morte do “Senhor do Adeus”, João Serra. Mas confesso que a presença solitária daquele homem na noite da avenida, na beira do passeio, a dizer adeus a quem passava, me pareceu sempre demasiado triste para ser uma história bonita. Paradigmática das nossas vidas pequeninas: ele dizia adeus, ele dava-se aos outros, e os outros acenavam... mas nunca paravam.
Ele sorria – mas era um sorriso fingido, ainda que sincero, porque na verdade pedia companhia e só recebia acenos. Era um homem demasiado só – e aqueles que lhe acenavam persistiam em deixá-lo só, numa espécie de hipocrisia transparente e aceitável.
Não tenho a certeza de olhar para este quadro como uma história bonita, mesmo acreditando na generosidade de João Serra e na legítima intenção que o movia. Nas entrevistas que deu percebia-se o gosto pela atitude – mas nunca lhe senti o “adeus” como um fim em si. Ele próprio preferia que se dissesse que fazia um “olá”. Por mais sentido que fosse o gesto das centenas de pessoas que há dois dias foram lembrar o “Senhor do Adeus” no Saldanha, pergunto-me quantas delas algum dia pararam para o cumprimentar MESMO - ou, vá lá, pararam nas suas existências para pensar naquele "nítido nulo" drama, que não consigo deixar de associar a uma qualquer ideia de miséria.
Bonito e terno, solidário e amigo, isso sim, foi o gesto conjunto de Filipe Melo e Tiago Carvalho. Em vez de acenarem e seguirem, um dia pararam e falaram com João Serra. Perceberam que gostava de cinema. Ficaram amigos e passaram a ir com ele, todas as semanas, ao domingo, ver um filme (há um blogue aqui para memória futura). Uma noite por semana, João Serra não tinha de distribuir acenos na avenida - porque efectivamente, por momentos, não estava só.
Aqui entre nós, eu teria preferido deixar de ver, em vida, o “senhor do adeus” cumprimentar quem passava. Era sinal de que a solidão tinha um fim diferente do fim que sabemos agora que teve.
Com isto da crise, da necessidade de reduzir o défice, e cortar na despesa, um generoso número de comentadores, devidamente bem empregados – em jornais onde são editores ou directores, em empresas que gerem nos intervalos das prestações televisivas, ou ensinando nas Faculdades que os contribuintes também pagam... -, não hesita em dizer que “O Estado Social é insustentável” ou, como li no Facebook “quem não tem dinheiro não se pode dar a luxos essenciais”. Para este grupo a coisa é simples: quem quer saúde, paga. Quem quer educação, paga. Quem quer viver, paga. E fácil de executar: retiram-se direitos, cortam-se regalias, abandonam-se os inúteis, os velhos, os doentes. Cada um por si.
Leio um deles: “Pergunto-me: porque será que tenho de pagar, com os meus impostos, um seguro de saúde de funcionários públicos e das suas famílias? Se quero um seguro de saúde, pago, se uma empresa estiver disposta a financiar esse seguro, a despesa é sua, não é do Estado”.
Gostava de saber se o discurso destes comentadores muito convictos, assertivos e sábios seria o mesmo caso estivessem desempregados, mal empregados a recibo verde, ou se se vissem na contingência de ter de recorrer aos serviços do Estado por manifesta falta de recursos financeiros, vulgo... dinheiro.
Uma das razões porque sempre ouvi com atenção as gerações anteriores à minha é justamente por terem passado pelos racionamentos na 2ª Guerra Mundial, pela miséria de Portugal nos anos 60, pelas austeridades do PREC. São efectivamente sábias porque, tendo vivido a dificuldade, tendo provado o sabor da carência, não vivem na soberba da abundância e sabem que ao virar da esquina pode estar o infortúnio. É evidente que o modelo de Estado social que temos está em colapso e tem de ser repensado – mas daí ao radicalismo selvagem do “vale tudo” vai ainda uma abissal distância. A mesma que separa a civilização da barbárie.
Na verdade, já é fácil ter opiniões sobre o frio quando se está em frente a uma lareira. Mas é ainda mais fácil quando nem sequer se sabe quantos graus tem o frio.
Sempre que, no carro, o iPod debita esta música, ou outra de Rodrigo Leão, o meu filho costuma dizer “Boavista!”. Sinal de que associa esta toada, esta paisagem sonora, este ambiente, aos finais de tarde serenos e em absoluta paz lá no Monte da Boavista, na Casa Nova da Cruz. Tantas vezes ali se ouviu Ave Mundi Luminar...
Esse tempo passou, é hoje doce memória, mas ficaram sinais vitais – como aqueles que juntam musica e espaço num mesmo lugar.
Não foi só a emoção dessa memória que mexeu comigo, ontem à noite, no Coliseu de Lisboa – foi também a partilha de emoções com quem as tem vindas de outras vidas. Quando se encontram sentidos diferentes na mesma música, e tudo parece harmonizar-se, por momentos o que era duplo passa a simples. O dois é um. O que somos, é.
Foi o que aconteceu. Isso e o gigantesco talento de Rodrigo Leão e dos seus companheiros, ao longo de duas horas intensas que atravessaram todo o seu universo musical. E se é rico, esse universo onde Rodrigo se move...
Quer ele queira ou não, na modéstia que sempre sublinha os génios, Rodrigo Leão fica para lá dele próprio na música portuguesa de sempre. Vai estar ao lado, de pleno direito, de um José Afonso, de um Pedro Ayres Magalhães, de um Carlos Paredes. E de mais alguns, claro. Gosto de saber que Rodrigo nasceu no mesmo 1964 em que nasci.
Ontem lembrei-me disso tudo enquanto me arrepiava com o que daquele palco se espalhava pela plateia. E tive quem comigo se comovesse. Não podia pedir mais. Nem ter.
Estive uns dias fora. Verdadeiramente fora – a descansar, longe daqui. Secretamente, na esperança de voltar e Portugal ser afinal outro.
Mas não. É o mesmo. Felizmente tinha uma boa notícia no correio. Boa noticia, bom, tinha uma parte boa e uma parte má. Vinha na factura do Gás Natural mas a origem era o Estado Português através da nossa estimada autarquia.
A parte má é que vou pagar – vamos todos – mais uma taxa. Virá junto com a conta do gás.
A parte boa é que se trata da Taxa de Ocupação do Subsolo (ao abrigo da Lei nº 53-E/2006, de 29 de Dezembro).
Dado o valor da minha renda, dada a crise, dado que as Câmaras sempre deram casas a pessoas que escrevem, venho por este meio requerer ao Dr. António Costa a parcela de subsolo que me está certamente atribuída. Se pago porque ocupo, quero poder ocupar, se faz favor.
Se eu não couber lá, mais o meu espólio, pode ser que dê para o carro. Ou para os livros. Nem que seja para os atoalhados. Diga-me só qual é o bocado do subsolo da Avenida de Roma que me toca.
Última "adivinha" da série. A fotografia é de 1973 ou 74, e acompanhava um artigo que começava assim: "Desde que percebi que podia ser rico, nunca mais me soube bem ser pobre"...
Diria que hoje, nem rico nem pobre, remediado seguramente. Mas sempre lúcido, brilhante e certeiro...
Quem é o cromo? Respostas para a caixa dos comentários, conferência de acertos e desacertos em breve...
Neste caso é mais croma. Portuguesa. Fotografia tirada em 1965. Na semana passada veio à rua manifestar o seu apoio a Cavaco Silva. Quem é a dama? Respostas para a caixa dos comentários, conferência nos próximos dias...
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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