Portugal está chocado com a morte macabra de Carlos Castro. E logo uma multidão de bem pensantes vem reclamar que as televisões exploram excessivamente o tema, que não há limites para o decoro, que vale tudo nos tempos que correm.
Confesso que me impressiona o desfasamento entre quem “pensa o país” e quem nele efectivamente vive. Dez minutos num computador a navegar pelas redes sociais, ou cinco minutos no café da esquina, dão para perceber que a morte do cronista social mexe com o país, mexe com as pessoas, é tema e é notícia.
Brando é o país que, apesar das circunstancias, decide não explorar o lado efectivamente subterrâneo e negro deste mundo social onde Carlos Castro se movia – e onde a troca de favores de toda a espécie é corriqueira, e a ideia de “cronista polémico” não passa de uma ameaça vaga, “ai, ai, se eu abro a boca”...
Conheci bem o Carlos Castro, de quem gostei e que respeitei pelo seu lado de lutador incansável por um lugar ao sol, e de trabalhador dedicado. A sua morte impressiona e comove. Mas sei que o meio onde o Carlos se movia vive desta rede escorregadia de promessas de sucesso, de contactos, de croquetes, de ofertas, de borlas, de “eu sei a pessoa certa para...”
... E também sei que ele nunca se libertou dessa teia - razão pela qual, na verdade, nunca afrontou quem quer que fosse e calou-se sempre mais do que falou. Morre com a glória de uma coroa que lhe estão agora a criar. E isso é triste, talvez até injusto. Mas seria ainda mais triste se os media não explorassem a sua morte. Porque, quer seja politicamente correcto dize-lo ou não, foi também disso que fez a sua vida.
Seguindo a campanha eleitoral pela televisão – falta-me pachorra, confesso, para ler essa parte da actualidade na imprensa -, sinto que nos movimentamos entre dois tipos de candidatos: os que existem mesmo, e os que se esforçam para existir. Os primeiros, já sabemos quem são. Os segundos, preferimos nem saber. Entre estas duas categorias, movimenta-se o cromo desta eleição: Fernando Nobre. O médico que tanto admirei na AMI está agora a fazer o papel de Eanes dos anos 80 – é o salvador da pátria, o homem que dá voz a quem nunca teve voz, o justiceiro, o tipo que vai resgatar, do poço sem fundo, a democracia, a moral e os valores. Mas o discurso que apresenta está mais próximo do astrólogo que tudo promete, ou do feiticeiro que vem de outro mundo em tempo de crise, do que do pragmático pensador. Já ouvimos tantas vezes o pregão moralista dos que se julgam acima só porque têm estado de fora...
Fernando Nobre é o Ramalho Eanes dos pobrezinhos. Chega a ser penoso ouvi-lo falar de política.
Ironias do tempo: no mesmo momento em que a SIC-Noticias festeja merecidamente dez anos de vida com saúde, animo e entusiasmo, aqui ao lado, em Espanha, fecha o canal de notícias mais relevante do cabo, e que juntava a CNN ao Canal Plus (isto é, a Prisa do clássico El Pais). O que diz isto sobre o jornalismo? Nada. O que diz sobre modelos de gestão e negócio? Tudo. Portugal é mais pequeno, menos letrado, consome menos informação – e no entanto, consegue que um canal de noticias viva dez anos com saúde e possa perspectivar-se s0bre o futuro com outros tantos de tranquilidade. Podemos encontrar mil razões para explicar o falhanço de um e o sucesso do outro, mas parece evidente que há dois verbos que se conjugaram melhor em Carnaxide: saber gerir.
Neste, como noutros negócios, faz sentido a ideia de que mais vale uma SIC-Noticias no ar do que mil sonhos a voar. Basta controlar ao milímetro o alcance de cada voo.
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Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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