Acho sempre graça às pessoas que usam pesos diferentes para medidas iguais: por um lado, querem o mercado a funcionar, a lei da oferta e da procura – mas depois queixam-se de uma comunicação social que, obedecendo a essa lógica, dá ao consumidor o que o consumidor quer, e corre atrás da audiência.
Sejamos claros, de uma vez por todas: ou aceitamos que o mercado é soberano e é quem mais ordena, e nos deixamos de lamúrias sobre a forma como os media cobrem a actualidade; ou voltamos ao debate sobre a comunicação social e o seu papel na sociedade, e então vem ERC e vem Governo e vem tudo, nacionalizações incluídas, para se perceber onde se enviesam os papeis de cada um.
Confesso: como jornalista independente dos meios em confronto, preferia a perfeição. Mas ela não existe. Por isso, num mundo global onde todos têm acesso nem que seja ao blog da sua rua, sou contrário à existência de uma ERC ou de qualquer outra forma de regulação do mercado que exceda a competência dos tribunais (excluindo a da concorrência, por motivos óbvios). Defendo que cada meio de comunicação social deve ser absolutamente soberano na forma como cobre a realidade, e que não deve estar obrigado a mais do que o seu próprio código de conduta – e, claro, aos códigos deontológicos dos seus profissionais. Os espectadores saberão julgar, a cada momento, o seu fornecedor de informação. E a História tem provado que o fazem.
Esse é o juízo mais soberano, rigoroso e imparcial. Respeita a lógica do mercado global e é democrático no julgamento. Mesmo quando nos pode desagradar, como eventualmente sucede no caso Angélico – mas isso “são outros quinhentos”, porque isso tem a ver com educação e cultura. Matéria do Governo e das famílias.
“Este ano Julho terá 5 sextas-feiras, 5 sábados e 5 domingos. Isto acontece uma vez a cada 823 anos. Estes anos são conhecidos como 'money bags'. Copie e cole no seu mural e o dinheiro aparecerá em 4 dias, baseado no Feng shui chinês. Quem ler e não publicar não recebe, diz a lenda”.
Ora, considerando que o Facebook tem menos de dez anos de existência, e o Feng shui, diz-se, tem mais de quatro mil, das duas uma: ou “lenda” é palavra ligeiramente exagerada para uma invenção de ontem ou a palavra “mural” é apenas simbólica. Pode ser parede de casa de banho publica, muro lá da rua, porta de elevador...
Às vezes o Facebook faz lembrar o PCP: tem mais passado do que existência, é lenda antes mesmo de ser facto...
Gosto dos aplicativos para o I-Phone que nos permitem manipular as fotografias banais que tiramos. São mentiras consentidas e sorridentes: toda a gente sabe que esta não é uma imagem envelhecida pelo tempo e carcomida nas extremidades, nem uma fotografia tirada com uma Lomo. Pode até parecer uma fotografia perdida numa edição do Século Ilustrado que apanhou sol nas águas furtadas do avô – mas é, afinal, tirada ontem, às seis da tarde, com um telefone nas águas mansas de uma maré feliz na Aberta Nova, a praia que “adoptei” há poucos anos.
O mais divertido é que ninguém duvida de que esta fotografia não mostra o que eu vi – mas o que eu quis que se visse do que eu vi. E a sua falsidade é, no fim de contas, a sua graça.
Dito por um jornalista, parece estranho. Mas é assim que o mundo está: estranho. Talvez por isso, brincar às mentiras, nas fotografias inocentes dos dias que nos apetece partilhar, seja uma verdade imaculada. Não há nada escondido, está tudo à vista.
Descobri-o, como quase tudo o que interessa sobre comida, através do meu blog favorito destas artes, o Ardeu a Padaria, e calhou que tropecei nele na FNAC ontem mesmo.
Já cá está. E é delicioso imaginar na boca o que se lê em livro – seja o encontro entre o bacon e o chocolate ou sobre a carne da vaca e as trufas, a avelã e a banana, a cenoura e a laranja, e por aí fora. São centenas de combinações improváveis, ou óbvias, que Niki Segnit juntou para delicia dos cozinheiros amadores, que podem, antes de se dedicarem a estragar alimentos, consultar este “The Flavour Thesaurus” e perceber, com um mínimo de razoabilidade, se faz sentido juntar o cebolinho à hortelã ou se vamos estragar duas famílias...
Organizado justamente como um dicionário, o livro é de uma economia brutal: só acrescenta história quando há, só dá exemplo quando vale a pena, só tem receita se é mesmo imprescindível. No resto, é prático e directo ao assunto: recorre a Sinatra e Ava Gardner para explicar que ovos e caviar combinam, mas não se alarga na relação entre ostras e cebola, fica-se pelo “mignonette” que as acompanha em França.
Não imaginava, por exemplo, a noz moscada a combinar com a couve-flor. Mas Luís XIV gostava assim...
Melhor do que um romance. Era o livro que eu queria para este Verão. E não é que o tenho?
Um: A directora do Centro de Estudos Judiciários, Ana Luísa Geraldes, apresentou a demissão à nova ministra da Justiça, Paula Teixeira da Cruz, que aceitou o pedido de imediato. Ler aqui.
Dois: Os 18 governadores civis do país, representantes do Governo nas capitais de distrito, demitiram-se. É a resposta à medida avançada por Passos Coelho, que disse que o novo Governo não vai nomear governadores civis. Ler aqui
Três:Pedro Passos Coelho cumpriu a promessa de que as viagens do Governo dentro da Europa vão ser feitas em classe Económica. Ler aqui.
São pequenos sinais. Mas alguma coisa está a mexer em Portugal e há muito tempo que tal não se via por estas paragens pantanosas.
Um primeiro sinal de seriedade do novo Parlamento: não houve ditos por não ditos nem houve receio de quebrar a tradição. Fernando Nobre foi chumbado duas vezes seguidas, devolveu-se dignidade à casa maior da democracia.
O ex-candidato aprendeu mais uma lição de humildade – quantas vezes não deve estar arrependido de ter dito que só se candidatava para ser Presidente da AR -, Pedro Passos Coelho aprendeu a respeitar a decisão dos deputados, e não antecipar-lhe as escolhas, o CDS manteve a sua palavra e o PS não cedeu ao argumento patético da “tradição”. Um momento de rara elevação no Parlamento.
E uma certeza: a “tradição” é boa quando serve o regime, quando o honra, quando lhe garante seriedade – quando o afronta ou contradiz, é melhor acabar com ela. Foi o caso.
(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman)
A mãe de uma amiga minha costuma dizer, sempre que se fala de relações amorosas – em geral, do fim de mais uma relação… -, que a diferença entre o tempo dela e o tempo actual “é como com os frigoríficos: antigamente, quando o frigorifico avariava, mandava-se arranjar. Agora, deita-se fora o avariado e compra-se um frigorífico novo…”. A mãe da minha amiga tem razão, mas a verdade é que as gerações mais novas não nasceram ensinadas nem cultivaram estilos diferentes por iniciativa própria: foram educadas pelos pais, sejam eles mais velhos, como os da minha amiga, ou mais novos, como eu próprio.
Falo por mim, e falo de coisas muito diferentes: pertenço a uma geração que cresceu a ouvir falar da “conquista do direito ao divórcio”, da “conquista do prazer”, e de mais uma mão cheia de frases-feitas do Maio de 1968. Vi-me envolvido no tempo da comunicação global, instantânea, automática. Ainda me lembro do elogio médico da margarina por oposição ao azeite, e das campanhas de publicidade na TV apelando ao consumo de ovos. Até a cruzada contra o tabagismo só começou já eu fumava mais de um maço por dia. Nem preciso de recordar que a SIDA “nasceu” no pleno da minha vida adulta.
O que é que eu quero dizer com tudo isto? Quero dizer que estas últimas décadas são tão paradoxais, tão contraditórias, tão estupidamente conflituosas entre si, e acima de tudo tão cheias de surpresas, que está pela hora da morte a capacidade de acreditar em muito mais do que no dia de hoje. Seguramente por isso, a tentação de trocar de frigorífico, sempre que ele avaria, é enorme. Nunca sabemos se amanhã não se descobre que o velho electrodoméstico provocava doenças letais…
E se me faltava mais qualquer coisinha para compor o quadro, eis que ele me chega sob a forma de uma reportagem na revista brasileira “Veja”. Tendo como ponto de partida uma série de equações matemáticas que serviram para perceber a possibilidade de vida noutros planetas, a revista fez um conjunto de operações aritméticas e concluiu que as possibilidades de se encontrar uma relação amorosa consistente via Internet é 42% superior à de encontrar a nossa cara-metade num bar ou numa festa…
Repare-se: o mesmo meio – a internet – que foi diabolizado como pasto para toda a espécie de pecados, mentiras e perigos no que às relações amorosas diz respeito, residência oficial de violadores e predadores sexuais, campo de férias de criminosos e solitários, é afinal a Meca do amor, o “lugar onde”. Sem gastar dinheiro em jantares ou copos, sem perder tempo em conversas ou olhares melosos no bar da esquina, o internauta percorre perfis em redes sociais e afere com 42% de “maior” rigor os pontos comuns com a potencial conquista. Feito o “casting”, trata-se agora, e apenas, de fazer cruzes na “check-list” e partir para o “encontro”. Real, de preferência. Leio e pasmo – não por achar que não faça sentido, mas porque a reportagem anula, mata sem dói nem piedade, e nem sequer recorda, anos e anos de maldição sobre a relação entre amor e internet, paixão e internet, namoro e internet. Agora, a nova ordem é outra: quer ser feliz no amor? Quer encontrar o parceiro da sua vida? Quer uma relação segura? Vá à net, aventure-se pelas redes sociais, pelos sites de busca do “par ideal”, e deixe-se mergulhar na felicidade…
E coma sardinhas, enquanto os dietistas não mudam de ideias e as colocam na lista dos prazeres proibidos. Abuse do azeite. Parece que o café também faz bem. Beba vinho tinto. E se o frigorifico avaria, já sabe: mande vir um novo.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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