Ía escrever sobre o tema, mas quando leio quem já escreveu - e bem, e certeiro - o que eu queria dizer, melhor é citar:
“A Madeira tem, passeando pelos prados, um conjunto de pessoas que, numa luta mais do que pertinente, brame contra o imperialismo do continente. Querem ser independentes. Até aqui nada de errado. Muitas colónias desejam ou desejaram a independência. Algumas, cheias de sucesso, transformaram-se em ‘ex-colónias’, o que evidencia que no fundo algum fundamento têm as pretensões separatistas. Claro que no reino madeirense, tudo parece mais estranho. Há questões identitárias que levam povos a querer viver pelos seus próprios meios. Se nuns casos é a cultura, noutros é a língua, a defesa de uma diferente forma de governo, a vontade de diferentes relações internacionais. Enfim, há uma série de motivos que levou e continua a levar a que povos acabem por criar a única fronteira que lhes falta – a política. No caso madeirense o que parece vocacionar o ‘movimento’ é o mero capricho. Ilha que era nada e cujo nascimento e desenvolvimento sempre se deu dentro da cultura do ‘continente’, sem língua própria, religião própria, rituais culturais próprios, nada de fundamental diferencia a Madeira do resto do país. Ainda assim, os madeirenses a quem passear pelos prados não chega obrigam-nos a aturar o capricho autónomo e a pensar que poderá, realmente, haver pretensões separatistas sérias, quando tudo não passa de mera ocupação de tempo excessivo. Entretanto, enquanto ainda pertencem ao país que parecem querer abandonar, vão gozando com os esforços que se pretendem nacionais para contenção de défice e despesa, enquanto beneficiam de regimes fiscais privilegiados. Tenham paciência”.
A isto junto este outro post de Daniel Santos no 2711:
“Não se percebe porque é que alguém que passa a vida a acenar com independência da Madeira, diga-se que já vai tardando, vem agora dizer que será o continente a ajudar o arquipélago?
Se estamos apertados, todo o país faz sacrifícios. Alberto João Jardim gasta em grande. Se não tem dinheiro, deixe de investir milhões num jornal gratuito e propagandista. Se não tem dinheiro, devolva o salário que acumula com as pensões.
Defendo a independência da Madeira, evidentemente depois de as contas feitas e ver quem deve a quem”.
Eu só subscrevo. Ambos. E façam lá o referendo para ver se faz sentido ser parte de Portugal (ou ser apenas a parte boa do bom que pode ser fazer parte de Portugal).
(Não me apeteceu acertar no dia. Deixei passar mais alguns. Vai hoje.)
Se quiser ser rigoroso, é mesmo assim: 4 de Setembro de 1981.
Nesse dia, uma sexta-feira, acordei mais cedo do que o costume. Arranjei-me depressa, e saí para a rua ansioso e expectante. Lembro-me muito bem do que senti quando abri o jornal e vi o meu nome no fim de um artigo que ninguém me encomendara...
Tinha 17 anos, andava no Liceu de Camões, e sabia perfeitamente o que queria fazer. Achei que era o momento de começar. Às escondidas dos meus pais, enviei os primeiros artigos que escrevi para o suplemento “Correio dos Jovens”, que animava semanalmente as páginas centrais do “Correio da Manhã”. Assinei apenas Pedro Duarte, porque não queria que o apelido “Rolo Duarte” influenciasse uma escolha. Queria afirmar-me apenas pelo meu trabalho, bom ou mau que fosse.
Naquela sexta-feira, na capa do suplemento, uma chamada: “Apelo Juvenil: Vamos evitar Guerra Mundial”. Era o meu artigo. Era o princípio de um caminho. Na semana seguinte, outro texto, agora sobre a explosão da Nova Música Popular Portuguesa que se adivinhava em grupos como os Trovante. Depois outro sobre rock português. E à terceira dose, um telefonema inesperado de Victor Silva Lopes, coordenador do suplemento: “Gostava que escrevesse todas as semanas, só que não tenho dinheiro para lhe pagar...”.
E eu ralado...
Na semana seguinte, nascia “Música à Brava”, uma coluna sobre música no “Correio dos Jovens”. Foi assim que tudo começou. Depois veio o “Sete”, a rádio (obrigado Henrique Mendes, onde quer que esteja, obrigado Rui Pego, até hoje...), a televisão (obrigado Carlos Pinto Coelho, onde quer que esteja...), a aventura de fundar “O Independente” (“Mas o Miguel...”, é assim que eu começo as frases quando me lembro de tudo o que ainda hoje me ensina...), a aventura de fazer a “K” e a seguir o Cáceres Monteiro a desviar-me para ajudar a fazer nascer a “Visão”, e depois os dez anos de DNA (Obrigado Mário Bettencourt Resendes, onde quer que esteja, obrigado Edson...), o ano final na direcção do DN com o Miguel Coutinho e o Raul Vaz, a primeira revista do “i”. Pelo caminho, dezenas de programas de rádio e televisão, experiências na Net, projectos que nasceram e morreram sem nunca verem a luz do dia. E coisas pequeninas que mexeram comigo, e coisas grandes que nem por isso me assustaram.
Assim, de repente: gostei de publicar na revista “Pousadas”, que a Maria Elisa inventou para as “Pousadas de Portugal”; gostei de escrever todos os dias sobre Telejornais no DN durante um ano; amo tudo o que faço na Antena 1; acho que nunca fui tão feliz a conversar com pessoas como no Correio da Manhã Rádio. São só exemplos.
Ficam lá.
Gostava de fazer documentários impossíveis. Gostava de fazer uma revista que eu sei qual é. Tenho ideias para novos programas de rádio, para mais projectos de televisão. Gostava de muito mais tempo do que o tempo que tenho. Um restaurante. Um negócio que eu cá sei. Ideias de marketing, de comunicação. Coisas que ainda sei que posso fazer. E o pior é que talvez faça.
Tive muita sorte, tenho 30 anos de tanto prazer guardado cá dentro (e algures perdido em hemerotecas e videotecas e arquivos sem interesse...), que se amanhã a crise continuar e eu tiver de voltar ao começo, isso não me incomoda nada.
Venha outra vida. Com outro sonho. Com a mesma vontade. Os jogos de computador ensinaram-nos que é possível ter várias vidas, como os gatos. O mundo tem-se encarregado de confirmar isso mesmo todos os dias.
Ou como li na assinatura de um mail de uma boa amiga: “se a vida te dá limões, faz limonada”.
"Há dias em que não se pode não dizer nada mas não se acha nada que se possa dizer. Como no dia em que morre o pai de um amigo. Ou hoje. Não há nada que se possa dizer que sirva de alguma coisa ou que não tenha já sido dito."
Miguel Esteves Cardoso, no Público de ontem, 11 de Setembro de 2011
Foi ainda nos finais do século passado, isto é, dos anos 90. Ele era um estagiário que trabalhava para juntar dinheiro com um objectivo claramente definido: ir a Londres comprar umas botas Doc Martens com sola grossa, preta, consistente, e atacadores invioláveis. Não escondia que trabalhava para cumprir esse sonho, que a encomenda por correio era pouco estimulante, e que nada suplantava o prazer de entrar na loja recentemente aberta em Covent Garden pela marca que fez do amarelo uma cor plausível.
O gordinho, careca, muito moreno, que trabalhava a recibo verde para ir a Londres comprar umas botas Doc Martens, era às vezes inconveniente. Um dia disse à chefe dele que não tinha cara de elevador para andar a subir e descer escadas permanentemente para levar cheques ao banco e cartas aos correios. Um dia, quase o despedi.
Até que teve o dinheiro todo para ir comprar as botas e palmilhar a cidade de Londres. Lá foi. A sua felicidade dependia daquele par de botas.
Voltou uns dias depois, desolado e triste. Tinha ido, tinha comprado as botas dos seus sonhos, e tinha voltado para Lisboa. Mas, em Heathrow, no dia do regresso, a segurança tinha decidido apertar as malhas no controlo dos passageiros. E ele, com a careca a transpirar e a roupa de trazer por casa, tinha dado nas vistas com o brilho das botas novas, acabadas de estrear. O raio-x não conseguia ver para lá da sola, e os polícias desconfiaram. Obrigaram-no a tirar as botas, ele explicou que as tinha comprado um dia antes, eles que sim, tem factura? Tenho sim senhor. Óptimo, é que vamos abrir a sola com uma faca e se não houver problema o senhor vai recuperar o seu dinheiro mediante a apresentação da factura.
De lágrima ao canto do olho, ele viu as suas botas de sonho serem “escaladas”, como um vulgar peixe antes da grelha, viu o desalento dos guardas porque não havia bombas à vista, e depois foi a um balcão recôndito do aeroporto mostrar a factura, entregar as botas rebentadas, receber o dinheiro. E abrir a mala de mão para voltar a calçar os ténis velhos com que tinha saído de Lisboa.
Quando nos contou a sua triste história, ficámos chocados e revoltados e a pensar na falta de jeito e sentido e respeito de todo aquele episódio.
Uns anos depois, houve o 11 de Setembro. Lembrei-me logo da história das botas Doc Martens.
E percebi a diferença entre a profunda incomodidade que nos invade quando confrontados com o ambiente de desconfiança de um aeroporto, a indignação que sentimos quando vemos os nossos direitos ameaçados e mesmo violados, e o vale tudo que resulta do desespero do medo e da ameaça.
Infelizmente, hoje, acho que mais valem umas botas “escaladas”. E não era nada o que eu queria achar.
Foi o que mudou nestes 10 anos para um cidadão comum que gosta de andar por aí: a diferença entre os direitos que temos e aqueles de que abdicamos por causa de uns tipos que não sabem o que é o direito. Ou os direitos. No fundo, não sabem o que é a vida. Ou viver, que é o verbo activo da palavra que lhes diz pouco.
(Excertos de coisas escritas há 10 anos, por alturas de Setembro)
Não sei porquê, mas é sempre da paz que me lembro quando me falam de guerra. Talvez a procure sem dar por nada, talvez ande aqui com o texto, para a frente e para trás, para cima e para baixo, à procura de restos dessa paz que eu já vi de perto mas só escassamente vivi por dentro. Eu avisei no princípio: nunca estive perto nem longe da guerra. Mas agora, pensando bem, pergunto-me: e alguma vez estive na paz? Tinha avisado, sou igual a si: a minha guerra é a minha vida. Estou em guerra? Julgo que sim, sem saber onde fica o teatro das operações e que papel me está reservado. À noite sinto a trégua, pela manhã acordo do sonho e suspiro: vamos lá a isto outra vez. À procura do cessar-fogo imediato. Onde é que ele está? Onde é que eu estou?
Pergunto-lhe então, para que deixe a paz podre dos dias iguais e pense: e você, alguma vez esteve na paz?
(Excertos de coisas escritas há 10 anos, por alturas de Setembro)
Quando acordámos havia luz – e a luz que havia deixava ver escombros, miséria, bocados de sonhos desfeitos, e um mundo estranhamente silencioso. Porque é também de silêncio que falo quando vos digo que deixei de ter medo do escuro e passei a ter medo da luz.
No escuro, o silêncio ouve-se melhor. No escuro, todos os sonhos são possíveis e a paz, mesmo a paz podre e aparente, parece alcançável, chega a abeirar-se de nós. À luz, nada disso: o silêncio é uma ilusão instantânea, a crueza dos poros da pele denuncia e delata a nossa condição, e os olhos nunca mentem.
Cresci com o mar à beira dos olhos. Nunca vivi sem ele. Faz-me falta como ar e só quem me conhece bem sabe quão lhe estou ligado.
Talvez por isso, tenho especial orgulho na ligação do meu filho ao mar. E me impressionem as manobras que faz, e de como altera o seu ritmo de vida se acaso há a mais vaga hipótese de ter mar por perto.
Deve ser isto aquilo a que chamam “carga genética”. Já o meu pai era assim: no mar, “nem que chova, não estamos cá para outra coisa”.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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