Nasceu um novo blog
Há blogues que temos de tratar com especial carinho. É o caso deste, onde também colaboro...
Chama-se, vá lá saber-se porquê, Catedral da Luz....
Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]
Há blogues que temos de tratar com especial carinho. É o caso deste, onde também colaboro...
Chama-se, vá lá saber-se porquê, Catedral da Luz....
Uma das coisas boas de mudar de casa é limpar e deixar para trás o que foi só espuma ou menos que isso. Uma das coisas “más”, e ao mesmo tempo saborosa e doce, é a incontornável tendência para nos determos no que persistimos em ter junto de nós e pertence ao passado. Fotografias, por exemplo.
Olhando para esta, que junta o meu filho António Maria, então com 5 anos, e o Gô, com mais dez, filho de direito e ainda mais de vida dos meus grandes amigos Anabela e Gonçalo, é que, passados 11 anos, o carinho do mais velho pelo miúdo e a admiração do miúdo pelo mais velho também ajudaram ao que sucede neste começo de 2012: o Gô escolheu a Austrália para experimentar viver, e o meu filho escolheu a Austrália para estudar e aprender a experimentar viver. Há uma distância de uma década entre eles, com tudo o que isso implica – mas também há uma proximidade de ideias e ideais que acaba por inspirar uns e outros.
O Gô está em Portugal no momento em que o António Maria foi para a Austrália. Até essa ironia do destino torna mais deliciosa esta fotografia. Há 11 anos, nenhum de nós, pais e amigos, imaginávamos as voltas que a vida iria dar. Ou as linhas que se iriam cruzar, nem que fosse nos fusos horários deste mundo.
Ainda o mês não terminou e a “short list” dos melhores discos de 2012 recebe o seu primeiro candidato: “Mais uma página”, o segundo álbum de originais de Maria Gadu. Além da participação do fadista português Marco Rodrigues num genial tema que mistura valsa, fado e MPB, o disco recebe o talento de Jesse Harris, Danny Black, Ana Carolina e Lenine. Mas quem brilha mesmo é a miúda arrapazada de 25 anos, que juntou, entre os temas dela e as parcerias e versões, 14 canções (mais uma escondida...) de onde é difícil destacar uma. Todas merecem, cada uma com os seus argumentos próprios.
Como um catálogo de talento, Maria Gadu passeia pela pop, pela MPB, pelo rock, pelo fado, como se toda a sua vida fosse assim, com aquelas canções ao colo. Confirma ao segundo disco tudo o que prometia na estreia. Não passou pelo estado intermédio, saltou degraus e está claramente na primeira linha. Não oiço outra coisa há dias...
E gostava de lhe escrever como fez Caetano Veloso: “Será que te conheço desde a infância/ será que na infância eu parti/ para um mundo imaginado por você/ ou por você um mundo veio/ e a infância assim se foi”.
Há dez anos não havia Facebook nem twitter, e o mundo dos blogues estava na pré-história. Não é fácil, por isso, em tão pouco tempo, interiorizar e perceber com rigor o poder que estas plataformas ganharam – da mesma forma, também é difícil distinguir o trigo do joio e aferir, em cada momento, onde está um movimento consistente e onde está uma brincadeira (felizmente incensurável).
Dito isto, acho que é melhor respeitar, estar atento, e ter em conta os movimentos sociais e políticos que andam na rede – eles são espelho e ao mesmo tempo sombra do que acontece no “mundo real”. Eles são mais do que isso, porque pertencem já ao real, mesmo quando não deixam o virtual.
Nestes últimos dias, da petição a exigir a demissão de Cavaco Silva até ao flash-mob para “auxiliar o Presidente”, houve de tudo.
Dado que, por razões profissionais, vasculho diariamente centenas de blogues, páginas de Facebook e de twitter, não deixei de sorrir com a ironia do destino: boa parte daqueles que, há um ou dois anos, menosprezavam e diminuíam as redes sociais que então se manifestavam contra Sócrates, e viam em todas as petições, em todos os movimentos populares, a mão invisível do Bloco, do PC, da direita, eu sei lá – pois bem, são esses os mesmos que agora enaltecem as petições, as reclamações, os protestos e as greves. Já se esqueceram de tudo o que disseram – e agora, virado o bico ao prego, vamos lá dar o braço ao “povo que lavas na rede”... Tal como os políticos, enchem a boca do que antes cuspiam, contam com a memória curta dos leitores, ou contra-atacam num ricochete ruidoso chamando ténias aos que viram neles as ténias originais...
Mal comparado, lá está, faz lembrar as sondagens: quando são a nosso favor, representam a voz do povo e são instrumento de trabalho. Quando são contra nós, é certo e sabido: “valem o que valem, o que conta são os votos nas urnas...”. Há coisas que não mudam. E é isso que me desanima e me faz repetir o que li ontem no mural da Inês David Bastos: Portugal cansa-me.
Esta noite tive um pesadelo: conduzia pela Avenida da Liberdade um carro novo, acabado de comprar, mas cujo cheiro, ou cor, ou algo que eu não controlava, atraía animais selvagens de toda a espécie: leões, tigres, cobras, aranhas gigantes.
Acordei transtornado. E lembrei-me imediatamente de um anuncio que anda a passar nas televisões, de um modelo novo da Mitsubishi, em que um carro é perseguido por estátuas de pedra que inesperadamente ganham vida.
O filme é medonho, assustador, certamente motivado pela mais absurda insensibilidade ou – temo que seja o item certo – pela falta de imaginação para inventar mais uma campanha sobre carros de cidade que são todo-o-terreno. De qualquer forma, o “reclame”, como diria o meu pai, provocou-me um pesadelo. Os estudiosos dirão que foi “impactante” e mexeu comigo, logo, um sucesso, distinguiu-se da “multidão” de anúncios de automóveis. De acordo. Mas também me deu uma certeza muito pouco comercial: não quero jamais ter ou frequentar um carro daqueles. Mitsubishi? Modelo XPTO, que nem consegui fixar? Não, obrigado. Vou bem a pé. Apanho um táxi. Tenho o carro já ali à frente.
Gosto de carros que não atraiam “cenas”. Esquisitas. Gosto de carros que atraiam “cenas” normais. Ou não atraiam nada, que ainda é o mehor.
Há fenómenos estranhos, mas verdadeiros: ainda que tenha nascido Benfiquista, sou na verdade um verdadeiro dragão. Isto porque foi dar-se o caso de nascer em 1964, que é ano de dragões na astrologia chinesa...
Se eu acreditasse no que se escreve sobre as pessoas nascidas sob o signo, sentava-me à sombra de uma árvore e esperava a felicidade automática: “São considerados superiores a todos os signos animais restantes. Exóticos, intencionais, elegantes e com uma inclinação para o oculto”; “O poderoso e magnífico dragão do folclore mítico nunca cessa de encantar ou agitar a imaginação. Diz-se que algumas das suas qualidades são mágicas”; “A pessoa do dragão é magnânime, cheia de vitalidade e de força. A vida para ele, é uma chama de cores”.
Vou passar ao lado do facto de se dizer que o dragão é “egoísta, excêntrico, dogmático, terrivelmente exigente e pouco razoável”, e passo ao remate glorioso: “aristocrático e muito directo, o nativo do dragão estabelece os seus ideais cedo na vida e exige os mesmos padrões elevados da outra pessoa que viva com ele”.
Nada disto é verdade, mas tudo isto é divertido – especialmente porque desde ontem vivemos num Ano do Dragão...
Parece que vai ser um excelente ano para casar, procriar, e começar negócios, “porque o dragão benevolente traz a boa fortuna e a felicidade”. Ora, para mim isto chega e sobra. Vou então dedicar-me a estas artes e oficios, ver o que consigo e que sorte me calha...
Mesmo com Sol. Gosto de acordar, preparar o meu chá, e pôr a tocar músicas assim, como esta, para hoje:
(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman)
Há dias, num jantar, um casal de sobrinhos de amigos, cursos superiores no bolso e empregos mais ou menos tranquilos, contava animadamente o projecto que o animava: interromper o percurso profissional de sucesso e passar um ano a dar uma volta ao mundo. Tinham feito contas, pretendiam uma viagem “low cost”, orçamentaram a operação de forma a não ultrapassarem o dinheiro que, em três anos, pouparam para cumprir esta vontade. E não o fizeram vivendo em casa dos pais, nada disso – pouparam alugando casa (ou mesmo quarto), não comprando carro, fazendo férias baratas em campismo, não investindo em gadjets da moda, poupando nas noitadas no Bairro Alto.
Dito de forma simples: ao sonharem passar um ano a dar a volta ao Mundo, perceberam que o custo do sonho implicava alguns sacrifícios aparentemente difíceis de suportar aos 24, 25 anos. Tiveram de fazer uma escolha – e fizeram-na.
Quando me contaram o seu projecto estavam a um mês de partir. Este Natal, as famílias de ambos já não contaram com eles à mesa da consoada. Estarão algures na China ou no Brasil ou na Rússia, num percurso que vai constituir uma lição única de vida. Quando voltarem, daqui a um ano, talvez a crise tenha abrandado e recuperem as suas carreiras de sucesso. No limite, voltarão ao lugar de sempre, ou andarão aos papéis até encontrar trabalho. Nada que não pudesse ocorrer se acaso tivessem optado por ficar por cá.
O que me impressionou na tranquilidade com que este jovem casal me apresentou o seu projecto não foi a ideia em si – foi o termo de comparação com a minha geração, que não é assim tão distante, mas que cresceu e foi educada num sentido absolutamente díspar – ou em rigor, disparatado...
Cresci com um modelo de vida que não contemplava paragens de um ano para viajar, nem Erasmus para experimentar, nem o mundo literalmente na palma de mão. Era suposto, há 25 anos, tirar um curso, encontrar trabalho, casar, ter filhos, e depois sonhar com viagens, casas no campo, reformas douradas.
E estava tudo tão errado. O mundo é só um e a vida é só uma – mas ninguém foi capaz de nos explicar isso, e nós não tivemos a capacidade de perceber que a vida não tinha de começar aqui ou ali, a vida é dinâmica e cada um de nós pode construi-la como quer, trabalhando 24 horas por dia para depois poder passar seis meses num barco, adiando a maternidade para poder viver o prazer da descoberta profissional, ou planificando uns anos de vida dura para depois subir os Himalaias...
... A vida, na verdade, é um enorme caminho aberto que podemos mesmo concretizar como queremos. E a crise que atravessamos neste momento é a maior prova deste facto. De que serviu a poupança, ou o sacrifício para o crédito, ou aquele recuo profissional face ao risco? Serviu de nada. Tudo está em aberto – com a desvantagem de não termos no horizonte a sonhada volta ao mundo sem pensar nas consequências.
Tenho votos para 2012? Tenho: que sejamos todos mais livres de viver a vida como ela é – aberta, à nossa frente. Como um livro em branco.
A pergunta era aparentemente simples:
O que mais te inspira?
Num primeiro momento, intuitivo, respondi que eram "as pessoas e as suas diversidades... E o amor, claro".
Mas depois fiquei a pensar, acrescentei o cheiro da terra depois da primeira chuva, e um olhar. E uma lareira. E à medida que o dia passava e entrava pela noite dentro, lembrei-me da gargalhada do meu filho, do génio de David Sylvian, do mar da praia da Aberta Nova. E de um café. E de um Jameson seco num copo baixo. E de todas as palavras que gostei de ler e sei reler. Da música que faz o Rodrigo Leão, do piano de Sakamoto. Das fotografias de Koudelka. De mim a cozinhar. Dos bocados de palco que ainda há com Elis Regina. De Frank McCourt e da sua vida. Pessoa, Vergílio Ferreira. De Satie. De ostras, evidentemente. E de aeroportos. Chocolate. Água a correr pelo corpo. E camas feitas de lavado.
Acho que a lista não ía terminar tão depressa.
Terei mentido quando disse, na rapidez da resposta, “as pessoas e as suas diversidades... E o amor, claro”? Claro que não. É só disso que se trata em cada uma das linhas da lista que se seguiu. Afinal, não há nada que me inspire e eu respire que não passe por pessoas, as suas diversidades, e o amor. Claro.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.