Por causa de uma conversa longa e divertida, descobri que é possível adaptar a linguagem dos grandes chefs de cozinha à vida comum. Mesmo embirrando pessoalmente com as ementas dos restaurantes que se alongam em folhados que dormem em camas de reduções de migas com salteado de braseado de escama da vaca concebida em noite de Lua Cheia e estrelada, nem por isso deixo de admirar quem vai tão longe. Por isso, e com palavras, a saber: Podemos fazer um Brás de má-lingua sobre cama de silêncio frito em boato; ou um sorriso assado em forno de lenha com crosta de gargalhada franca; Um bife de verbos com molho de redução de advérbios; ou uma massada de conversa mole (que obviamente ninguém vai comer...); ou uma açorda de palavras doces... Também podemos avançar sobre um tártaro de sentimentos (parece-me um prato juvenil, mas forte), um creme de palavrões com um pingo de sentimento azedo (é como a nata, fica sempre bem...), e um pudim de beijos-se-o-abade-de-priscos-beijasse a rematar. Ou melhor dito: em puxando pela imaginação, não há jargão profissional que não se possa converter noutro qualquer léxico de uso pessoal. Gosto disso. Gosto especialmente de saber que ainda não há acordo ortográfico ou de outra qualquer espécie que me impeça de brincar com as palavras. Continuarei por isso sem acordar no acordo e sem deixar de brincar.
Esta noticia, lida na edição online do Diário Económico, é dedicada ao Dr Catroga e a todos os gestores portugueses amigos do prof. Cavaco:
"António Horta Osório, CEO do banco britânico Lloyds, declinou receber o prémio de gestão relativo a 2011, considerando-o inapropriado por causa da crise financeira e das dificuldades que muitos britânicos enfrentam. O Llodys é controlado em 40% pelo Estado britânico.
"Enquanto CEO considero que o prémio de gestão deve reflectir a performance do grupo, mas também as difíceis circunstâncias financeiras que muitas pessoas enfrentam", disse Horta Osório, citado na imprensa britânica. O gestor afirmou também ter consciência de que a sua ausência "teve impacto dentro e fora do banco, afectando os accionistas". Sir Win Bischoff, chairman of Lloyds, aceitou o pedido do banqueiro"
(Nota: estamos a falar de um prémio de 3 milhões de euros. Coisa pouca)
"O teu tempo é limitado, por isso não o desperdices a viver a vida de outra pessoa. Não te deixes armadilhar pelos dogmas - que é a mesma coisa que viver pelos resultados do que outras pessoas pensaram. Não deixes que o ruído das opiniões dos outros saia da tua própria voz interior. E, mais importante ainda, tem a coragem de seguir o teu coração e a tua intuição. Estes já sabem, de alguma froma, aquilo em que tu verdadeiramente te vais tornar. Tudo o resto é secundário". Steve Jobs
Sempre estranhei as pessoas que ganhavam rios de dinheiro. Para quê ganhar muito quando se pode ganhar pouco? Para quê ter contas milionárias que só dão trabalho a gerir? Ontem, através do Correio da Manhã, esse mistério foi por fim desfeito, graças às esclarecedoras palavras de Eduardo Catroga, interrogado sobre o salário de 45 mil euros mensais que vai ganhar na EDP. Diz o sábio Catroga: "50% do que eu ganho vai para impostos. Quanto mais ganhar, maior é a receita do Estado com o pagamento dos meus impostos, e isso tem um efeito redistributivo para as políticas sociais." Lá está: filantropia pura! Generosidade! Sentido de ética social! Eduardo Catroga queria um salário modesto, por ele podia ser um salário mínimo – mas, em tempo de crise, ele quer contribuir para as melhores politicas sociais. Vai daí, aceita os incomodativos 639 mil euros anuais, a que soma pensão de 9600 euros. Dá um bocado de trabalho a gerir e gastar, mas vá: é por uma boa causa... Eduardo Catroga foi ministro das Finanças de Cavaco Silva, só para o caso de não se lembrarem.
Caso tenham restado duvidas... O que me deixa triste é sentir Portugal triste e deprimido, não é um adolescente querer desbravar o mundo. O que me deixa triste é notar que os Relvas deste mundo, que sorriem ao sugerir a emigração como alternativa a Portugal, não tenham vergonha na cara nem sintam o peso na consciência por serem, juntamente com os Sócrates desta vida, os responsáveis por existir esta vaga de gente que não quer ficar aqui. O que me deixa triste é pensar que não tenho argumentos para defender o indefensável – e por isso não sei como defender o meu país, porque na verdade o país é aquilo que faz dele quem nele vive e o governa. O que me deixa triste, por fim, é sentir que esse ambiente de que falava ontem alastra, como vírus sem controle, transversalmente, por todo o lado, em todas as direcções. O resto, oh meu deus, o resto é cá comigo. Pessoal e intransmissível.
Não tem nada a ver com a crise, nem com a Troika – mas calha que o meu filho decidiu ir estudar para fora de Portugal, e os pais acharam que não era má ideia, e lá se entenderam para concretizar o sonho dele. Parte esta sexta-feira, e é para bem longe. Não quero explorar aqui o lado íntimo deste momento familiar, ainda que em unidades mono-parentais. Mas não resisto a partilhar esta constatação: Por causa desta mudança, temos – pai e mãe – tratado de uma série de pró-formas e burocracias que exigem explicar a terceiros que o filho vai para fora. Pode ser uma enfermeira do dermatologista ou o barbeiro da esquina, o notário que reconhece assinaturas ou os amigos que têm um familiar no país para onde ele vai, a médica dentista ou familiares mais ou menos próximos. Além da palavra mais usada ser “coragem”, o que sinto em quase todas as conversas é aquilo a que o dermatologista chamou de “pequena inveja boa”. Uma forma de dizer “se eu pudesse, também ia daqui para fora”. Já me disseram “E que não volte, que isto aqui não vale nada...”, “Devia era ir com ele também”, “Se eu tivesse a idade dele, fazia o mesmo”, “Quanto mais longe disto, melhor”. E algumas frases ainda mais abrasivas... Os portugueses amam Portugal e não perdoam a quem diz mal do seu país. Mas é como nas famílias: eu posso dizer mal dela, ai de quem, de fora dela, diga mal. Sendo assim, ou ainda assim, noto pela primeira vez, em 47 anos de vida, um desalento, um sentido depressivo, um ambiente de tristeza, mais fundo, mais sério, mais desanimado e desanimador. Não me lembro de ter vivido num país tão triste. Calhou-me esta coincidência. Mas parece-me que a crise, a tal crise de que se fala, está chegar ao lugar onde, uma vez instalada, será fatal: ao coração de Portugal, que é o coração dos portugueses.
Ninguém disse quem é o/a responsável pela comunicação da Jerónimo Martins, e se ainda tem emprego.
Ninguém conseguiu ser rigoroso no balanço de deve e haver desta operação, para se perceber até que ponto se está a crucificar justa ou injustamente uma empresa e o seu líder.
Ninguém reconheceu que, neste caso, redes sociais e blogues foram efectivos motores da indignação. Mesmo que seja injustificada.
Ninguém notou que Soares dos Santos não deu a cara, o que é significativo do descontrolo total que paira sobre a comunicação daquela empresa.
Será um case study para as LPM’s e as Cunha Vaz desta vida.
Os tempos mudaram. E de que maneira.
(Nota absolutamente irrelevante e pessoal: não vou deixar de ser cliente do Pingo Doce, que tem a melhor linha branca que conheço, nem alinho na contestação primária. Mas não deixo de achar que este foi um tiro no pé da holding que anda a vender a bandeira de Portugal como argumento comercial puro e duro, e que tem um presidente que palpita sobre as obrigações sociais e éticas de todos nós...)
Reprodução na integra da noticia lida aqui, em Abril de 2011:
«O presidente do grupo Jerónimo Martins, Alexandre Soares dos Santos, afirmou ontem à noite em Braga que a sociedade civil “tem que agir” não indo “apenas” para a rua mas “assumindo responsabilidades” e que não é “destituindo governos que o país vai lá”.
Alexandre Soares dos Santos discursou perante uma plateia de associados da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEG), que se reuniu ontem num jantar debate no Bom Jesus, em Braga. O “homem forte” do grupo que detém o Pingo Doce começou por fazer uma “análise” à situação “preocupante” de Portugal. “O país vai mal”, afirmou e apresentou quatro motivos para a situação de Portugal: “inércia, incompetência, falta de sentido de Estado e passividade da sociedade civil”. Para Alexandre Soares dos Santos, “a sociedade viu nascer uma crise política, social e financeira mas escondeu a cabeça na areia, como a avestruz”. Esta “passividade” é sinal, explicou, de “que se tem vindo a perder a noção de ética e do comportamento social responsável”. Alexandre Soares dos Santos afirmou que o “caminho” passa por “forçar quem de direito a apresentar soluções sérias” e a “valorizar e incentivar o trabalho com salários justos, privilegiando a qualidade de serviços e produtos”. Mas, alertou o presidente da Jerónimo Martins, “é necessário ter uma visão de médio/longo prazo” e que “não é destituindo Governos sucessivamente que o país vai lá”. O momento que Portugal atravessa, defendeu Alexandre Soares dos Santos, “é de uma gravidade extrema” e avisou que é “imperativo que se esteja preparado para fazer sacrifícios”. No entanto, explicou, “também é tempo de exigir que os impostos cobrados sejam bem aplicados e exigir aos governos que cumpram aquilo que prometem”. Sobre os partidos políticos, Alexandre Soares dos Santos, afirmou que estes “não representam o país” mas que a “culpa” é da sociedade civil “que não se faz ouvir”. A crise que as empresas portuguesas atravessam, segundo o responsável da Jerónimo Martins, “resulta de uma situação de capitais próprios fracos e bastou uma quebra nas vendas para que elas quebrassem”. Para exemplificar a “gravidade” da situação social do país, Alexandre Soares dos Santos deu como exemplo o que se passa no grupo que gere. “No Pingo Doce um por cento dos salários dos trabalhadores estão penhorados. Isto é o reflexo de que o momento que passamos não só uma crise económica mas também social”, adiantou. Aos empresários e gestores presentes, Alexandre Soares dos Santos deixou uma mensagem de “esperança”. “Lembrem-se de que amanhã será sempre melhor que hoje. Não podemos é desistir, principalmente nos momentos mais difíceis”, sublinhou.»
Ou como diziam os Gato Fedorento, "eles falam, falam...".
Bastava a Soares dos Santos não andar por aí a encher a boca de "responsabilidade social" e de "ética" e de "sacrificios", e tudo estaria na paz dos deuses. Mas quem quer ir, conforme os dias, a caminho da missa, ou a caminho do banco, sujeita-se à chuva de pedras quando a bota não bate com a perdigota...
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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