As palavras gastam-se. Muitas vezes cansam-nos. Na maioria dos casos, cansam-se delas próprias e gastam-se por manifesto abuso injustificado. Não é por nada, ou talvez seja, mas cheira-me que a palavra “gourmet” chegou a esse estado danado de cansaço e falência generalizada.
Tudo é gourmet, como noutros tempos tudo foi light, ou económico, ou familiar. E quando tudo é gourmet é como quando a esmola é grande: o pobre desconfia.
Desconfiado, decidi experimentar o ultimo “gourmet” do fast-food: “O Prego Gourmet”, ali no Campo Pequeno. Estava a dar os primeiros passos e desculpava-se alguma atrapalhação no serviço. O que não se desculpa é a tal palavrinha “gourmet” aplicada a um pão sem classe – aliás, sem nada, sem história, nem quente para disfarçar, nem carcaça clássica nem pão rústico nem coisa nenhuma – no meio do qual se meteu um bife grelhado pequeno e fino, a que chamam “lombo” (só se for lombo da avó da vaca, porque era rijo como os bifes que não são do lombo...), excessivamente passado (apesar de ter pedido médio), e um molho que imita mal os piores molhos da vizinhança cervejeira. Para rematar, dá cá 6,95 euros, o que no “Ritual Português Aperfeiçoado” que a casa promete daria, só para quem é do meu tempo, um conto e quatrocentos...
Chamam-lhe então “prego clássico” e dizem que é gourmet. É como escrevia no começo: há palavras que, de usadas e abusadas, de mal gastas por quem não as honra, abrem falência e levam tudo atrás. Querem um bom motivo para ter um pé atrás sempre que abre um novo restaurante, quiosque ou, como também se usa agora, “conceito”? É chamarem-lhe “gourmet”. Já está.
... aqui: "Com o meu filho Miguel foi uma parte de mim. Possivelmente a melhor. Mas o que ele me deixou de amor será o suporte dos dias que ainda irei viver até o voltar a encontrar."
Gostava de escrever sobre o Miguel Portas, com quem tive passado distante e menos distante. Mas a notícia da sua morte deixou-me prostrado, como que vencido pelos factos. Por ser tão inesperada (as ultimas noticias que tive dele, há já largos meses, davam boa conta da sua saúde), foi como se andasse a pairar por aí e me chamassem à terra - oh rapazinho, isto não é tudo estrada, ouviste? – e me pusessem em ordem.
Foi o que senti, assim, num ápice. Pensei na mãe Helena, na sua vivacidade infinita, e de como a sua gargalhada generosa e franca terá sido subitamente calada por este momento terrível. Pensei no irmão Paulo, na irmã Catarina. Lembrei-me inevitavelmente da morte do meu irmão e do que se pode sentir neste encontro entre os que ficam e os que partem. Sem comparações, que as não há.
Recuei umas décadas e encontrei o Miguel, na sala de convívio da sede da UEC, na Rua Sousa Martins, a ensinar-me a ler “O Capital”, de Karl Marx, numa espécie de curso de formação de quadros dos estudantes comunistas. Tinha 14 anos, ele teria 20, era um dos ídolos dos adolescentes que, como eu, por instantes acreditaram naqueles amanhãs a cantar. Naquele tempo, só o facto de poder conviver com ele enchia-me de orgulho... Depois, avancei uns anos largos e estávamos os dois no Snob, eu a entrevistá-lo para a “K” (e como a coisa correu mal, cada a um a puxar a brasa à sua sardinha politica, e no fim a rever as provas, linha a linha, ele sempre firme e enérgico, eu a tentar acompanhar...). Por fim, avencei mais uns anos e lembrei a conversa serena no final de noite da RTP-2, no Falatório. Por momentos, o Miguel voltou aqui à sala. Mas nem por isso fiquei menos enfraquecido por mais esta partida da vida, e por essa via menos capaz de escrever o que queria e saberia. Um dia destes, talvez.
Há dias estava a ver um documentário antigo (olhem lá no canto o logo da RTP-2... anos 90...), e descobri uma deficiência humana que muitas vezes sinto que me “ataca”: prosopagnósia.
É a incapacidade de reconhecer rostos que afinal deveria conhecer.
Nuns casos, as pessoas tornam-se estranhas aos meus olhos, tal a modificação interior que a vida lhes impôs: fisicamente são as mesmas, mas são tão outras que as não reconheço mais. Noutros casos, é mesmo a memória a atraiçoar as boas intenções: lembro-me que as conheço, não sei de onde nem quem são.
Em rigor, prosopagnósia não é bem qualquer destas perturbações. Não interessa. Gostava de dar um nome a esta estranha mania de trocar os nomes, não reconhecer pessoas, não me lembrar de onde conheço aqueles com quem me cruzo diariamente. E também de me lembrar bem e não reconhecer mais.
Gostei de prosopagnósia.
Pode não ser o que me afecta, mas dá-me jeito assim. Fica.
(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman. A edição deste mês saiu ontem e está excelente...)
Se me fosse dada a oportunidade de conviver com a Troika por 15 minutos – também não lhes pedia mais, algo me diz que sairia caro... -, queria apenas que os três “fiscais” me respondessem à seguinte pergunta: o que pensam da atitude nacional a que chamo, entre amigos, o “pode-ser”?
A troika ficaria dois dias perplexa com a minha pergunta, porque só mesmo um português pode compreender a ideia. O “pode-ser”. Mas talvez um qualquer assessor lhe explicasse o que significa este modo de estar nacional que, para mim, define a nação, mesmo no mais dramático momento de crise.
E é isto: “pode ser Vidago?”; “pode ser em pão da casa?”; “pode ser croissant?”; “pode ser em preto?”; “pode ser ali?”. Não tem fim a lista de “pode ser” com que qualquer um de nós se confronta permanentemente. A atitude, a que podemos chamar “conceito”, para lhe dar estatuto, traduz um princípio segundo o qual a circunstância de desejarmos qualquer coisita já é, em si, um atrevimento. Se para mais a desejamos em condições específicas – com gelo, fresca, ao ar livre, sem limão, eu sei lá... -, torna tudo mais difícil. Se insistirmos, é pior. E se mudamos de poiso porque não nos satisfazem, oh meu deus, está tudo tramado!
Sucede que este estranhíssimo fenómeno recolocou Portugal na sua eterna fantasia: a de um povo de viajantes. E quem viaja aprende a distinguir, e reconhecer, e aferir do valor da procura e da oferta. Nova Iorque é um sonho, mas basta uma saltada a Paris ou Londres para perceber que o “pode-ser” não faz sentido. O serviço, em qualquer cidade civilizada, não pode ser - tem de ser. Tem de ser com gelo, com limão, com o copo certo, com açúcar, com um copo de água, com delicadeza, com jeito, com educação.
Apesar dos voos low-cost e da Europa, parece que não aprendemos nada e persistimos em não ter o que deve ser para podermos alimentar o “pode ser”.
Mudei de casa recentemente e, com a mudança, descobri novos poisos para o meu café da manhã ou as compras de bairro. Num desses cafés percebi que o dono, ou responsável, se irritava quando eu entrava no estabelecimento, pedia um pão determinado e, à resposta “pode ser bolinha caseira?”, eu respondia “não, não pode, bom dia, vou ali ao seu colega da esquina...”.
Aquele homem entendia a fidelidade a qualquer preço - achava que eu manteria o meu novo hábito mesmo que trocasse pão saloio por croissant ou carcaça por pão de leite, e ficava genuinamente incomodado porque eu não aceitava a alternativa “pode ser queijo?”.
Com a idade perdemos a vergonha. Há umas dezenas de anos, eu teria ficado intimidado com o olhar do empregado do café e talvez dissesse “então pode ser pão de leite...”: hoje, com a maior tranquilidade do mundo, respondo um displicente “esqueça lá isso, se não tem o que eu quero, vou à procura de quem tenha...”. E a vida continua.
Aplico a mesma receita nos restaurantes com as irritantes alternativas Pedras versus Vidago, ou Pepsi versus Coca-cola, ou Luso versus Vimeiro. Posso até mudar de bebida, mas não engulo o “pode ser?” do costume.
A troika não sabe que este é um defeito totalmente português: de quem vende e acha que o cliente leva qualquer coisa, mesmo que não seja o que quer - e de quem compra, que se sente levado a dizer “sim, seja”, mesmo que não queira o que “seja”. Mas este defeito tem feito mal a Portugal – porque contribui para a nossa indiferença, apatia, negligência. E tem feito tão mal que, sem querer, é uma das causas mais profundas da crise em que vivemos. Porque na verdade tem sido assim: “não temos políticos mesmo bons, pode ser assim-assim?”. E nós temos dito sempre que sim.
A esquerda festiva continua em grande forma: agora, ao mérito da campanha “Zero Desperdício” – uma ideia feliz de um cidadão comum, António Costa Pereira, que não se conformou com o facto de haver comida excedente que vai para o lixo todos os dias em cantinas e restaurantes, enquanto a fome cresce em Portugal -, decidiu responder pegando numa frase menos feliz do hino do Movimento e fazer disso um contra-ataque sob o desígnio da pretensa “caridadezinha”.
O verso não é bem-nascido, concordo. Podiam mudar, não lhes ficava mal. Mas uma frase menos feliz no meio de uma canção de força não retira ao Movimento o mérito, o louvor e o apoio activo que merecem. A Campanha é solidária? É. É útil e bem imaginada? Claro que sim. Faz sentido? Faz TODO o sentido.
Tem um pequeno problema: não nasceu nas convenções do Bloco, nos Congressos do PCP nem nas reuniões cheias de independentes do PS. Nem sequer nasceu no PSD ou no CDS. Isso torna tudo mais irritante para quem vive no maniqueísmo absurdo do que é “bom” ou “mau” consoante o lugar onde se senta nos hemiciclos desta vida.
É que este movimento, inteligente e válido, nasceu na Internet em textos como este: “Queremos acabar com o desperdício. Nos tempos que correm, o que há a mais num lado está a faltar noutro. O que nós fazemos é equilibrar os dois lados: ter a certeza que aquela refeição do dia não vai para o lixo e que chega de facto à mesa de alguém”.
É difícil perceber a validade, a oportunidade e a relevância desta ideia?
A esquerda-que-não-ri, e que se queixa de tudo sem alternativas para nada, está a radicalizar o que só merecia carinho. Mas as coisas são como são: com esta gente sempre de dentes de fora, fica difícil distinguir a estrada da beira da beira da estrada. Tristes trastes.
O meu filho António Maria, 16 anos*, tem uma mãe sportinguista e um pai benfiquista. Fez a sua escolha. A certa. A avó sente-se reponsável - e por mim, pode ser. Foi ela, afinal, quem o inscreveu no clube à passagem do primeiro ano de vida...
Actualmente, o António Maria estuda na Austrália, perto de Brisbane, na Gold Coast, e quando fez a mala para a longa viagem teve de ser comedido na bagagem, não cabia tudo. Mas é claro que couberam o cachecol, a bandeira e a camisola do Benfica. Às vezes vejo-o online no Skype nos momentos em que o clube joga - e lá, do outro lado do mundo, é de madrugada...
Por tudo isto, lembrei-me de lhe pedir um post para o blog Catedral da Luz, onde escrevo bem menos do que gostaria, mas de que me sinto "sócio"...
Ora bem, foi este o post que ele me mandou, que está lá no blog, e até me comovi ao ler...
“Quando eu era pequeno o meu pai dizia-me que nas visitas ao estrangeiro um português ao admitir a sua nacionalidade é sempre bombardeado com as palavras “Benfica” e “Eusébio”. Como jovem inocente que era, acreditei e cresci a pensar na enormidade do glorioso, e como sempre seria admirado quando visitasse outros países.
Há dois anos, fui de visita à China. Em Pequim, quando disse ser de Portugal, falaram-me em Cristiano Ronaldo. Que falta de tacto. Mas são chineses, pensei. Não deviam bem perceber o que estavam a dizer. No fundo, não faziam bem parte do estrangeiro a que o meu pai se referia. Era um outro mundo.
Então, este ano quando ficou decidido que iria estudar para a Austrália, o entusiasmo voltou a crescer. Iria obviamente ser acolhido como um herói. Vesti o meu fato de treino do Benfica para a viagem, e aguardei pacientemente que multidões se juntassem a mim gritando “Eusébio” e “Benfica”. Estranhamente, nada aconteceu. Mas eram aeroportos e aviões, e raciocinei que toda a gente estaria a tentar seguir as regras da boa educação e tentar não incomodar os demais viajantes.
Quando cheguei à Austrália, tive finalmente que me confrontar com a realidade. Os australianos não sabem o que é Portugal nem onde se localiza. Pior: não sabem o que é o Benfica. Se acham que é suficientemente mau, então vejam o seguinte: os poucos que reconheceram o nome do país, falaram-me de novo em Cristiano Ronaldo.
E assim entrei em depressão. Longos dias de choro, agarrado ao cachecol do glorioso. Mas houve um momento em que tudo mudou: o Benfica acabara de enxotar o Zenit para fora da Liga dos Campeões. Tal feito põe qualquer benfiquista em êxtase, e eu não fui excepção. À vitória, aliei uma grande vontade de mostrar aos australianos o que é afinal isto do glorioso Benfica.
Iniciei a angariação e doutrinação de novos fiéis. Há tantos séculos atrás instruímos os Índios na América, ensinámos-lhes latim e os princípios da igreja. Esta, seria apenas uma versão actualizada. Vesti-me a rigor, levei o cachecol e a bandeira e fui para a rua pregar. Tentei explicar-lhes que também seguimos Jesus, que temos a nossa própria catedral onde veneramos os deuses, e que também temos cânticos religiosos. Esforcei-me por ensinar-lhes o Benfiquês e a mística do clube. As primeiras palavras, obviamente as mais essenciais: Eusébio, Rui Costa, Nuno Gomes, Aimar, e por aí fora...
Não perceberam. Especialmente, não perceberam por que é que - se éramos assim tão bons - não tínhamos Messi ou Ronaldo, e por que é que não ganhávamos ao Chelsea. Numa coisa tenho que concordar com eles. O Benfica pode ser o maior, mas de momento não é o melhor; longe vão os tempos do Eusébio. O meu pai disse-me que esses tempos voltarão. Espero que sim. Porque de momento, o melhor é o Barcelona.
Com tudo isto, concluí que o benfiquismo é algo que nasce connosco, que nos torna únicos. “É ter na alma uma chama imensa”, e é quando libertamos um pouco dessa chama que silenciamos facilmente Old Trafford, o Petrovskiy Stadium, e na semana passada Stamford Bridge. É essa chama que me faz, semana após semana de Austrália, estar acordado às três, quatro, cinco da manhã, para ver o glorioso jogar através do pequeno écran do computador. Monto o estendal de bandeiras e cachecóis e ponho a camisola vermelha que nos identifica. E esses são os pequenos momentos de festa para nós, os benfiquistas. Nos quatro cantos do mundo, quando o glorioso joga, é um momento divino. Milhões a concentrar-nos em torno das televisões que transmitem a oração: “Ser benfiquista, é ter na alma a chama imensa, que nos conquista...”
António Maria de Penha Coutinho Rolo Duarte".
* Na foto, na catedral, no dia do Benfica-Sporting de 2005. Há sete anos, portanto...
Se me dissessem que nos dias de vida que me restam só poderia consumir uma bebida, não hesitava: água. Se fossem duas, também não hesitava: água e café.
Se fossem três, começava a discussão interior: água, café e... Jameson? Cerveja? Vinho tinto? E o que eu gosto de uma coca-cola gelada com limão? Uma sangria? Sumo de maçã do Frutalmeidas? Caipirinha?
Em princípio, esse problema não se vai colocar. Mas servem os parágrafos anteriores para lembrar que hoje, 14 de Abril, é o Dia Mundial do Café, razão pela qual vou até à FNAC-Alfragide, pelas 16:00, moderar uma tertúlia sobre o café. Melhor dito: sobre o café e a saúde. Mitos, verdades e mentiras.
As estrelas da tarde vão ser a Dr.ª Maria José Barbosa, Presidente da AICC – Associação Industrial e Comercial do Café, o Prof. Dr. Gorjão Clara, Chefe de Serviço de Medicina Interna e Consultor de Cardiologia do Hospital Pulido Valente, e o Prof. Dr. Vasco Videira Dias, Neurologista e Investigador.
Quem quiser vir beber um café connosco, é muito bem-vindo. Pingado. Escaldado. Em chávena fria. Sem início. Sem cafeína. Curto. Carioca. Italiana. Morno. Ou apenas sem história: um café. Como deve sempre ser. Em boa companhia.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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