2. Vou morrer na mesma, um dia qualquer, mas já não vai ser por fumar, mesmo que possa ser por ter fumado.
3. Soube-me bem corresponder a um pedido insistente, sensato, e inteligente, do meu filho – e dado que ele tem menos 31 anos que eu, talvez fosse o mínimo na lógica de quem tem, em teoria, mais maturidade...
4. Soube-me bem vencer um vício. Deve ser mais ou menos como vencer uma maratona, ou coisa assim.
5. Sinto-me livre de algo que, só descobri depois, me limitava os movimentos – fosse num restaurante ou num aeroporto, num cinema sem intervalo ou num jantar em casa de não-fumadores. Tudo isso deixou de ser um problema (ainda que conviva agora com o problema dos espaços com excesso de fumo...).
6. Poupo dez euros por dia, considerando que fumava dois maços e meio por dia (no mínimo...).
7. E gosto muito mais do cheiro da roupa, da pele, da casa, do carro. Da vida em geral.
O cheiro, na vida, é tão importante...
(e aqui entre nós: como o olfacto se apura quando se deixa de fumar, imaginem o cheiro a esturro que anda por aí com esta história do super-espião...)
Vi José Eduardo Moniz na TVI (corajoso, ele é quadro da Ongoing), e acho que tem toda a razão: Miguel Relvas é, neste momento, o elemento perturbador de um Governo que está demasiado acossado e escrutinado para se poder dar ao luxo de brincar ao poder.
Se o próprio Relvas não consegue ver que é o elefante a partir a loiça na loja do chinês, não percebo o que falta a Passos Coelho para lhe assinalar o caminho para a porta da rua.
Mas há um facto que vale a pena sublinhar. Em Portugal sempre foi assim: as saídas de cena ocorrem depois da cena, do intervalo, do segundo acto. E como país com História e passado, é conveniente mantermos a tradição em vigor. Esperemos sentados, portanto.
Os livros “Tertúlia de Mentirosos” e “Nova Tertúlia de Mentirosos" reúnem contos, histórias, lendas, anedotas, bocados de bocados do mundo que Jean-Claude Carrière reuniu e são, com frequência, lições de vida para o que nos acontece. Calhou hoje tropeçar neste conto num dos seus livros.
Fiquei a pensar no episódio Relvas, mas não me apetece revelar o que pensei. Deixo o conto, a interpretação é livre... “O Quarto Escuro A partir de um quarto escuro podemos definir três atitudes humanas. Num quarto escuro um homem procura alguma coisa. É um cientista. Num quarto escuro um homem procura uma coisa que não está lá. É um filósofo. No mesmo quarto escuro um religioso procura uma coisa que não está lá e exclama: Encontrei!”
Dou um doce a quem acertar no próximo entrevistado da Playboy só com base neste excerto:
“- É astrónomo amador?
- Sim, astrónomo amador. Tenho o telescópio na minha aldeia e sempre que posso (infelizmente menos nos últimos tempos) vou para lá apontá-lo e interrogo-me sobre o espaço... para mim a eternidade é o espaço. O tempo e o espaço entrecruzam-se numa linha, algures, não sei quando nem onde, e olhar para longe é olhar para trás, olhar para as estrelas distantes é olhar para a luz que saiu de lá há milhões de anos... Isso atrai-me e fascina-me... Deito-me à noite a olhar o céu, sem referência, e a dada altura sinto-me a cair para o ar, a uma velocidade estonteante
- Tem a noção que não é essa a imagem que passa para o público?
- Oh Pedro, a imagem pública é um personagem...
- É um personagem?
- Sou um personagem, persona, sabe o que é? Todos somos, todos pomos máscaras, várias máscaras... Vou dar-lhe um exemplo... Na minha intimidade, Pedro, sabe qual é a música que eu gosto mais de ouvir hoje?
(Cronica originalmente publicada na revista Lux Woman)
Qualquer que seja o estado do tempo no dia em que estiver a ler esta crónica, já ninguém nos tira um maravilhoso salto do Outono para a Primavera, sem passar pela chuva do Inverno, e a época balnear foi por mim inaugurada sem ter atravessado areia molhada. Nada disso: areia seca desde o começo do Verão passado até aos dias de hoje...
Pois bem. Estamos tão habituados a estações claras, definidas, óbvias, que vacilamos à primeira surpresa. Já não sabemos o que vestir nem o que dizer, a conversa de café torna-se redonda, sem saída, e perdemos as referências essenciais. Até o Carnaval da austeridade deu pela primeira vez razão às autarquias que persistem em despir raparigas em desfiles à chuva e ao frio. Desta vez, nem uma gripe.
O mais paradoxal deste desencontro entre o tempo e as estações vem, como de costume, dos agricultores. Normalmente pedem subsídios porque houve geadas, porque choveu demais, porque a chuva chegou antes do tempo, ou porque não pára de chover. Este ano, é a calamidade: não chove, está tudo seco. Não temos nada, dizem eles. Pedem apoios, vão ter apoios.
A nossa misericórdia vai sempre para a agricultura, ou para a pesca, ou para os incêndios florestais, que tanto perdem quando tudo corre normalmente, como perdem quando tudo descarrila. Se chove, é porque chove – e se não chove, é porque não choveu.
Tenho a tentação de admitir que pensamos, concluímos (e subsidiamos...) demais. Porque nos tornámos quadrados (e escravos...) nesta obsessão de controlar o calendário e as suas medianias, de medir os níveis de “precipitação”, de adivinhar os estragos de cada capricho da natureza. Lá está, “capricho da natureza”. Podia ser nome de chocolate com frutas ou pertencer ao léxico dos comentadores desportivos...
Mas não: o “capricho da natureza” não é mais do que a vida antes de termos a ilusão de a controlar. Os ventos, as chuvas, os desastres naturais, os vendavais e as ventanias, os tremores de terra, os terramotos, os tsunamis. Não sabemos, na verdade, até que ponto a “pegada humana” mudou a natureza e, por conseguinte, as suas manias e pancadas. Mas esse desconhecimento não muda o essencial nem, usando uma “chave” popular de hoje, a pergunta fatal: “qual é a parte de ‘a natureza é que manda’ que nos está a custar aceitar?”.
Defendo a teoria de que o estado do tempo é como o estado de cada um de nós. Caprichoso, com vontade própria, e pouco previsível. Uns anos mais previsível do que outros. Com as suas manias e os seus destemperos. Temos “os nossos dias”, e não abdicamos do direito a um momento “cinzento” de vez em quando. Gostamos de ter a liberdade de ser susceptíveis, não é verdade? Passamos a vida a dizer coisas do género “eu avisei que tinha mau feitio quando tenho sono” ou “já sabem que a fome me deixa louco”. Não mudamos e até usamos com propriedade a clássica expressão “burro velho não aprende línguas”.
Pois bem, deixemos que a natureza seja como nós e mantenha também ela essa reserva de autonomia e liberdade que lhe permite surpreender-nos com um Verão em Janeiro ou uma chuvada em Agosto. Permitamos que tenha “os seus momentos”, os “seus dias”, feitio e personalidade. E, neste ano da graça de 2012, independentemente dos subsídios aos agricultores, saudemos este ameno Inverno que já passou e a Primavera que se antecipou.
Já agora, o Governo que agradeça também: só o sol de Janeiro a Março tapou com melatonina a depressão a que teríamos direito legal por determinação da troika. Alguma coisa teria de ser boa por estes dias, não?
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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