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Não exaltar a Selecção Nacional caso o acaso lhe permita fazer boa figura nos próximos dias.
Não vilipendiar a Selecção Nacional caso o que já se viu resulte no que se pode adivinhar.
Não despedir sumariamente Paulo Bento.
Não dizer que o Cristiano Ronaldo joga sozinho.
Não ser treinador de bancada, seleccionador de sofá nem jogador de comando à distância.
Não dizer que “algo vai ter de mudar no futebol português”.
Não deixar de ver futebol. Mesmo que as coisas corram mal.
Está dito.
No Público de ontem, que estava a ler num momento de espera, parei numa resposta de Alain de Botton a meio da excelente entrevista que lhe fez Joana Gorjão Henriques. Fiquei ali, a ler e a reler e a remoer. Jornal em papel, e eu dentro do carro a ler e a reler. Pensei: que sorte, um jornal inteiro por apenas um euro e esta resposta cujo valor não consigo atribuir. Mas é alto.
Gosto mesmo de ler jornais, e foi no Público de ontem que li (obrigado Joana, por ter feito a pergunta que resultou nesta resposta...):
“Pensemos no amor. As relações amorosas são difíceis. Muitas vezes nas relações amorosas damos connosco a pensar: ‘Estarei doido? O que é que se passa connosco? Será que as pessoas discutem como nós?’. A televisão não mostra este tipo de discussões, mas todos sabemos que dizemos coisas sem sentido uns aos outros – mas sentimo-nos sempre muito sós nisto. Quero que um fotógrafo moderno fotografe casais nos momentos reais da vida, quando alguém diz: ‘Vai-te lixar’, e bate com a porta. Isto acontece a pessoas muito porreiras. Quero ter numa legenda: estas duas pessoas acabaram de dizer ‘vai-te lixar” mas são muito porreiras. Isso é uma coisa que a arte nos devia ajudar a agarrar: não somos monstros por nos comportarmos de maneira infantil e em pânico. Devíamos poder ir a um museu e reconhecermo-nos, para nos darmos outra oportunidade de nos vermos a nós mesmos não como monstros. Isto é uma missão para a arte: ajudar-nos, ser uma ferramenta, ter uma função. É como uma colher ou uma bicicleta.”
E foi graças à boa noticia que nos chegou pelo jornal. Porque os jornais, quando têm as melhores pessoas dentro, também trazem boas noticias. Citando, então, como sempre, descaradamente. Como os melhores amigos merecem:
"Desta vez, a Maria João teve sorte. Nunca tinha visto uma médica a chorar. Foi a Maria João que puxou as lágrimas, quando a Dra. Teresa Ferreira lhe disse que não havia mais metástases dentro dela. Ficámos os três a chorar e a olhar para os outros olhos a chorar.
A minha amada já tinha esquecido o futuro. Já não queria saber da casa nova, do tecido para forrar os sofás, do Verão seguinte. Estava convencida que estava cheia de metástases. Doía-lhe o corpo todo. Tinha desanimado. Estava preparada para a morte. Só a morte é mais triste. Tinha-se preparado para ouvir o que já sabia, para não se assustar quando lhe dissessem que o cancro na mama tinha voltado e que se tinha espalhado por toda a parte.
Depois - mas não logo, porque não é de momento para o outro que se desmorre - voltou a ver vida pela frente. Reapareceu um horizonte e um caminho até lá, com passos para dar. "São tão raras as boas notícias", disse a médica, "e é tão bom dá-las, vocês não imaginam". Nós não imaginámos. Começámos a chorar. As lágrimas ajudam muito. As dos outros especialmente. Chorar sozinho não tem o mesmo efeito. A Maria João tem chorado por razões tristes. Desta vez estava a chorar de felicidade.
Como chora cada vez que ouve ou lê palavras doces, a dar força, a partilhar a dor, a juntar-se para que ela saiba que há muita gente a sofrer com ela, tal é a vontade delas que ela não sofra. Ou sofra pouco. Embora isto de se ficar vivo também se estranhe um bocadinho"
O titulo da crónica do Miguel Estves Cardoso era "Desmorrer".
E o bem que me soube poder lê-la. E lê-la.
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