Está no Delito de Opinião, é assinado por Teresa Ribeiro. Publico-o na íntegra porque é, em si, um monumento de escrita: quando se juntam sensibilidade, autoria, factos e argumentos, numa construção em formato carta absolutamente comovedora, é difícil resistir a tanto talento. Leiam comigo, por favor:
"Se pudesses assistir mais uma vez às imagens dos incêndios que nos consomem no Verão, novamente te veria a sofrer, preso à televisão, a disparar frases incendiárias contra os que sempre responsabilizaste por estas catástrofes sazonais. Não era de pirómanos que falavas, mas de quem decidiu por razões políticas fazer tábua rasa de toda a organização que existia para o desenvolvimento e protecção do património florestal.
Eras insuspeito, quando defendias convictamente a preservação do antigo sistema instituído por Salazar, pois nunca apoiaste o regime. "O Botas, justiça lhe seja feita, dava muita importância à floresta", admitias.
Nunca foste tão feliz como quando andaste em Trás-os-Montes a orientar equipas de combate aos incêndios, constituídas pelos homens a quem davas formação. Homens que viviam na floresta e a conheciam como a palma da mão. Quando um incêndio deflagrava eram eles, os guardas florestais, que das suas torres de vigia davam o alarme.
Limpa de detritos e com acessos preparados para essas eventualidades, a floresta quando ardia não escapava como agora ao controlo dos homens porque era composta, na sua maioria, por uma multiplicidade de espécies de níveis de combustão diferentes, o que retardava o avanço das labaredas, explicavas-me tu, uma e outra vez, quando vias o país a arder pela televisão. Lideradas por técnicos com formação em silvicultura, que sabiam calcular a velocidade de propagação do fogo, as equipas de combate aos incêndios abriam valas e queimavam o terreno em zonas estratégicas para melhor o circunscrever, recordavas, revivendo algumas batalhas que ganhaste assim .
Aprendi contigo desde pequena que os incêndios na floresta se combatem sobretudo com um profundo conhecimento da sua flora e uma boa rede de comunicações e postos de vigia, a tal que por razões políticas - e que fúteis são sempre as razões políticas - um dia se desmantelou.
Sabias que o aumento do número de extensões ardidas começou a crescer exponencialmente a partir de 1975, o ano em que todo aquele sistema por que te bateste até ao fim foi destruído? Se calhar sabias. Combativo como eras deves ter esfregado essas estatísticas na cara de muita gente, mas sem sucesso.
Há dias disseram-me que Portugal é o único país da Europa que não tem guardas-florestais. Também sabias disto, pai?"
Dado que, como bem sabemos, os compradores da Playboy querem ler os artigos de fundo e a entrevista, e ligam pouco às produções fotográficas, cá fica o aviso: saiu hoje mais uma edição da revista, e desta vez entrevisto Vicente Moura, Presidente do Comité Olimpico Nacional...
(Também há Liliana Campos, mas isso ninguém quer saber...)
Já Vicente Moura, tem o seu momento-chave quando me diz:
Digo-lhe com franqueza: gostava ainda de vir a ser presidente de um grande clube...
E sigo:
- O Sporting?
E também não escondo que gostava de ser presidente de uma autarquia...
- É de Lisboa?
Nasci em Belém, mas vivo em Miraflores...
- Muito bem: Presidente da Câmara de Oeiras, Presidente do Sporting Clube de Portugal?
Anabela Mota Ribeiro entrevista Albano Homem de Melo, “o homem dos hambúrgueres H3”, na revista do Público. Basta ler para perceber que o homem é tudo menos o dos hambúrgueres. Dito de outro modo: é tudo mais. Publicitário, inteligente, culto, criativo. Um talento.
Eu não sabia que ele era homem de uma só relação amorosa, longa, com 3 filhos e todos os elogios do mundo. Leiam comigo:
“Tenho a certeza de que é para sempre. Perguntávamos aos meus avós porque é que eles eram tão felizes, respondiam: ‘Combinámos ser felizes’. A Sofia e eu também temos essa combinação. Acho que nenhum de nós vai falhar”.
Eu nunca quis sair do Facebook. Mas o Facebook quis sair de mim. E saiu. Não sei como se processa a coisa, mas alguém que decidiu perder tempo a moer-me o juízo conseguiu bloquear/desactivar a minha conta. Para voltar a poder ser o Pedro Rolo Duarte que a gestão do Facebook duvida que eu seja, pedem-me cópia do Bilhete de Identidade.
No mail que me enviam, explicam tudo como deve ser e prometem “eliminar permanentemente a tua identificação depois de resolvermos o teu problema”.
Gosto da promessa.
Já gosto menos da facilidade com que duvidam, num mail enviado para mim, que eu seja eu. Mas no fim do processo – não sei quando será, de momento o Facebook dá “não autorizado” -, não deixo de sorrir com a ironia: tal como o Estado faz com os velhotes, também o Facebook exige aos seus aderentes a “prova de vida”. Cada um à sua maneira, têm os mesmos pressupostos: duvidar, duvidar sempre. E por princípio não acreditar. Digamos que não merece um “like”, mas talvez seja a única forma de garantir direitos num mundo tão torto e proteger os cidadãos dos outros cidadãos. A isto chegámos.
A melhor revista de cozinha/culinária/gastronomia do mundo deixou de ser vista à venda em Portugal há já uns meses. Porém, continua viva no mercado norte-americano.
(Sim, eu sei, a versão digital, bla-bla-bla - mas a mim quem me tira o papel tira-me tudo. E tira-me do sério, até...)
Dão-se alvíssaras a quem a encontrar, viva e direitinha (porque quem a assina já sabe que os Correios a amarrotam no momento de a enfiar nas minimas caixas de correio que os nossos apartamentos em geral têm).
Saveur, volta, estás perdoada. E és muito desejada cá em casa...
(Crónica originalmente publicada na revist Lux Woman)
Era uma longa fila de gente que não posso caracterizar uniformemente. Havia políticos, artistas, anónimos cidadãos, amigos. Havia gente de todas as áreas, de todos os géneros. É sempre assim na tensão de um velório ou de um enterro, risos e lágrimas misturam-se nervosamente num ar contaminado de tristeza. Mas neste caso parecia que o universo de possibilidades se desmultiplicava, pela diversidade de pessoas presentes - logo, a diversidade de histórias por contar e cruzar.
Era a longa fila para nos despedirmos de Miguel Portas.
Já passou algum tempo, eu sei, mas regresso a esse momento porque foi ali, naquele breve e triste instante, que fiquei a pensar neste paradoxo da vida: é por ela terminar que aferimos, por fim, a relevância dos que nos rodeiam. Não por cinismo ou negligência, não por distância ou aparência – mas porque a morte é, entre tantas coisas que tanta gente já disse que é, um ajuste de contas com a vida.
Na fila de tanta gente, eu sabia rigorosamente porque estava ali: sou amigo pessoal de mãe Helena, a gargalhada mais rica de Lisboa; colega da Catarina, e admirador incondicional do seu talento; o Paulo foi um dos meus directores de eleição, e admiro-lhe a forma como vive a vida dedicadamente; e o Miguel, bom, o Miguel ensinou-me muitas coisas nos tempos do comunismo, e fomo-nos encontrando ao logo dos anos como colegas, entrevistado e entrevistador.
Foi nesta mistura infeliz de sentimentos que, por instantes, me senti feliz numa fila de infelicidade. Raras são as famílias que conseguem o pleno da criatividade, do talento, da sabedoria. Esta soma de Portas e Sacaduras Cabral é seguramente uma delas. E não falando ainda do arquitecto Nuno Portas, de que só conheço o talento da obra pública.
Estava na fila para o abraço sentido àquela família desfeita por uma morte precoce e injusta. E foi quando me lembrei do “não dá”.
O “não dá” nasceu no dia em que, de férias, há muitos anos, eu e o meu amigo Miguel percebemos que havia uma expressão que queria dizer rigorosamente coisa nenhuma, e que podíamos aplicar numa infinitude de situações, com sucesso garantido. Um convite para jantar, um beijo pedido, uma proposta de trabalho, o fim de um namoro, um prefácio para um livro, uma conferência numa escola, um chato a vender lenços na rua.
A expressão é essa: “não dá”.
Pode ser apenas “não dá”.
Ou “não dá!”
Ou “Nãooo dáaaa!”
Pode ser gritada. Sussurrada. Pedida. Exclamada. Oferecida.
“Meu amor, não dá!”
“Porra, não dá!”
“Tas parvo ou quê, não dá!”
“Nem penses nisso, não dá!”
Aos gritos: “não dá!”
Ao ouvido: “não dá!”
De fugida: “não dá!”
Nós treinámos todos os “não dá” possíveis. Tornámo-nos profissionais do “não dá”, e não apenas aplicávamos nos momentos dramáticos das noites de Verão na Zambujeira do Mar, como passávamos noites de gargalhada com esta tão simples e adolescente patetice: “não dá”.
Há coisas tramadas. Nestes dias que têm passado, o “não dá” voltou a encontrar-se comigo. A diferença é que desta vez é a sério. Penso que “não dá” quando olho nos olhos a Helena Sacadura Cabral, grito “não dá” – e é revoltado, é sofrido, sai de dentro sem qualquer espécie de graça ou brincadeira – quando falo ao telefone com o Miguel e sinto que esse bicho que se meteu com a Maria João não vai vencer. Também não dá quando me falam do Fernando Lopes e não dá este fim de linha do Bernardo Sassetti.
A brincadeira tornou-se séria, Miguel. Agora é a sério: não dá. É nisso que penso nesta fila em que já não vale de nada o “não dá” para o Miguel, mas vale seguramente para a Maria João.
Não dá. Tantas vezes funcionou, não foi? Pois foi. Tem de funcionar outra vez. Não dá.
Desta vez é Coimbra que espera por nós, já amanhã, sábado, entre as 10:00 e as 12:00, ao vivo e em directo, a partir da Quinta das Lágrimas.
O pretexto é o excelente Festival das Artes, que anima a cidade até 29 de Julho com uma programação de excelência. Desde que existe, o Hotel Babilónia não tem falhado um ano. Não vai faltar outra vez.
Tenho descoberto nos últimos tempos mais uma característica peculiar (e muito estranhamente ridícula) do nosso mundo social e político: uma greve só é legítima, aceitável, respeitável e defensável quando diz respeito à nossa classe profissional, à nossa tendência política, ou ao jeitinho que nos dá. Fora isso, é oportunista, interesseira, contra os interesses nacionais, ou apenas pouco razoável.
Eu, que até aprendi o materialismo dialéctico logo em 1976, li o “Capital” em 78, e raras vezes concordei com Friedman, sou chamado de neo-liberal (e aqui “chamado” é mais ou menos como “lamentavelmente apelidado”, e aceito porque vem do padrinho do meu filho...).
Mas acho que todas as classes profissionais têm direito à greve, defendo o Serviço Nacional de Saúde (tal como foi criado pelo PS, mas actualizado, por forma a que pague qualquer coisa quem qualquer coisa pode pagar, e pague mais que isso quem mais que isso possa pagar, e nada mais...), e não consigo ver onde está o “crime” de lesa-pátria da paralisação dos médicos.
As greves constituem a forma legal dos trabalhadores fazerem valer as suas posições e reivindicações - já que não podem dar títulos académicos a ministros, terrenos a empresas e negócios a empresários. A lei até aconchega a vida dos cidadãos, garantindo serviços mínimos. Por que raio não se respeita de forma mais linear e básica uma manifestação de classe?
Há coisas, nisto da democracia, que não percebo por que motivo se ignoram. O respeito, sim, o respeito é a mais básica de todas.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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