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(Ora bem, adenda... Algumas horas depois deste meu post ter sido colocado, lá veio, tardiamente, o comentário no Blasfémias, coitado, lento, atrás de outros comentários posteriores, e depois da propria plataforma o ter dado como apagado. Afinal a História sempre se reescreve. É preciso é jeito...)
Na quinta-feira passada, publiquei neste blog um post, sob o titulo História Breve de um Engano, em que reproduzia citações usadas pelo historiador Manuel Loff num artigo do Público, para dizer que a História de Portugal de Rui Ramos me parecia, a ver por aquelas frases, pouco séria no que ao período do Estado Novo diz respeito. Afirmava, claramente, que não lera a dita História, mas que as frases retiradas do livro eram por demais evidentes do que estava em causa.
Caiu-me o Carmo e a Trindade em cima e eu, na minha humilde atitude, respondi – vou usar a resposta que dei no Facebook ao colunista Pedro Lomba – assim: “nada como "realmente": vou ler, concluir por mim, e se for caso disso, emendarei a mão, como sempre fiz/faço quando me engano”.
Dois dias depois, no blog Blasfémias, o jornalista José Manuel Fernandes publica um post intitulado “Um é apenas intelectualmente desonesto; os outros nem sei classificar”, que pode ser lido na íntegra aqui, onde arrasa o artigo de Manuel Loff – curiosamente publicado no jornal de que JMF foi director e é ainda colunista semanal – e às tantas escreve: “se já era mau termos um Loff, é muito pior termos galinhas a cacarejar o que Loff diz sem sequer se darem ao trabalho de pensar. Pessoas que, espante-se, sentenciam o livro de Ramos ao mesmo tempo que admitem não o ter lido. Refiro-me a alguém que se intitula como jornalista, Pedro Rolo Duarte, que pretende fazer graça com este livro apesar de começar o seu texto a dizer que não o leu. E refiro-me também a um dos “politólogos” mais requestado pelas televisões, André Freire, que utilizou o Facebook para também confessar a sua ignorância sobre o livro e, logo a seguir, apoiar as teses de Loff. Nem sei que pensar. Talvez estes dois opinadores tenham achado que era melhor opinarem já em vez de serem desmentidos se lessem o livro. Talvez tenham tido medo de serem intelectualmente desonestos se lessem o livro e, depois, o acusar de ser o que não é. Assim preferiram ser apenas desonestos e botarem faladura sobre o que não conhecem. É o país que temos, que mais se pode dizer”.
Achei que devia responder/esclarecer o jornalista na Caixa de Comentários do blog. Assim fiz.
Porém, José Manuel Fernandes achou preferível usar os métodos que tantas vezes critica nos outros (talvez mesmo em Manuel Loff...), e não permitiu que o meu comentário figurasse entre os quase vinte que lá estão. Mandou-o direitinho para o lixo. É espantosa a atitude, para quem tem a boca tão cheia de liberdades de expressão.
No Blasfémias não está, portanto, o meu comentário. Ficará então aqui, com um remate que roubo descaradamente a José Manuel Fernandes: “É o país que temos, que mais se pode dizer”.
E o comentário censurado – ou talvez apenas evitado, não aprovado, rejeitado, menos querido, adociquem-se as palavras à vontade do dono... dizia assim:
"Caro José Manuel Fernandes: limitei-me a usar citações objectivas e factuais que Manuel Loff retirou do livro coordenado por Rui Ramos. Já respondi a outro comentador, Pedro Lomba, no mesmo sentido: vou conferir no livro se aquelas frases foram ou não escritas na citada História de Portugal. É verdade que dei mais crédito ao texto de Loff, que não conheço nem sei quem é, por vir nas páginas do Público, jornal de que Vc foi director e que me habituei a respeitar e tomar por sério mesmo quando se trata de publicar textos de opinião. Se porventura houver engano ou embuste, não deixarei de dar a mão à palmatória, como sempre o fiz e farei. Errar é humano. Quanto à denominação “alguém que se intitula jornalista” sobre a minha pessoa, além de lhe ficar mal tal consideração – já partilhámos até debates públicos… – informo-o de que possuo a carteira profissional com o nº 3071 e, ao longo dos ultimos 30 anos, fui, entre outros, jornalista e editor-adjunto de O Independente, director-adjunto do jornal Sete, editor-geral da revista Visão, editor-geral da revista K, director do suplemento DNA, subdirector do Diário de Noticias, editor da revista “Nós” do jornal “i”. Só para falar em imprensa. Acha que me intitulo jornalista e não devia? Pode explicar-me porquê?"
José Manuel Fernandes não publicou nem respondeu. Achou que este comentário não merecia figurar ao pé de elevados pensamentos que lá estão como “A bem dizer é isso mesmo: Cocó, Ranheta e agora chegou o Facada”.
Gente fina é outra coisa.
(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman)
Tenho um amigo que passa a vida a contar a história que prova que sou hipocondríaco: certo dia viu-me entrar numa Farmácia e perguntar “o que é que há de novo?”, como se os medicamentos fossem amaciadores de cabelo. O episódio é verdadeiro e o meu amigo é bem-intencionado, achando que há relação entre a hipocondria e a pergunta. Mas não há: o que ele conta não foi mais do que uma palhaçada minha, aproveitando a fama para usufruir do proveito. Uma brincadeira que me ficou para a vida...
Não, eu não costumo perguntar o que há de novo nas farmácias, a não ser quando compro “Ultra Levure”, “Kompensan” ou “Brufen”, porque tenho a natural tentação de querer saber se porventura há avanços farmacológicos nos domínios dos medicamentos que tomo, quando deles preciso, desde que nasci. Se tudo evolui, por que raio ainda existe o “Ultra Levure”?
Mas, dito isto, confesso: sou hipocondríaco. Tenho os sintomas das doenças que terceiros me descrevem, sinto-me mal quando estou próximo de quem está mal, e há dias fiquei de cama depois de visitar um amigo no hospital. Ele, o meu amigo, não sabe de nada, mas a verdade é que comecei a sentir-me doente quando estacionei o carro no parque do Hospital, piorei no piso zero, e já transpirava quando entrei no seu quarto, no quinto andar. Aguentei a visita estoicamente, sem sinais exteriores da minha pobreza, mas nesse dia, à noite, a coisa correu pessimamente: abandonei um jantar a meio, indisposto, e só melhorei com um calmante e muita água das pedras.
Sucede que sou um estudioso amador da mente humana e gosto de dominar os temas. Não foi difícil perceber que o problema daquela visita ao Hospital tinha sido a descontracção com que parti para a visita. Isto é: se já sabia da minha condição e tenho tendência a reagir de forma reflexa, a solução para o problema seria ter equacionado a visita antes dela ocorrer. Foi o que fiz uns dias depois: voltei a visitar o amigo no hospital e senti-me bem, porque controlei previamente os danos que podiam chegar.
(Segue-se um parágrafo não aconselhado a menores de 18 anos)
Até porque a minha hipocondria é esquisita: tenho medo de ir ao médico e saber “a verdade” e prefiro a terrível praga do autodiagnóstico (estupidamente potenciada pela internet!), que constrói quadros demoníacos sobre gripes e transforma um espirro num ataque de epilepsia. Se puder, escolho a minha medicação. A dois anos dos cinquenta, este quadro de miséria começa a constituir, efectivamente, uma preocupação. Gostava de ser diferente – mas receio que já vá tarde.
Pensava na solução para o problema, depois de uns dias novamente entregue a uma constipação que travesti de pneumonia, quando vi a luz. Foi na imprensa, por estranho que vos possa parecer. E foi só isto: li numa revista credível que a palavrinha mágica que juntou Scarlett Johansson e Woody Allen foi... hipocondríacos. Os dois: "A razão que faz com que eu e o Woody sejamos amigos é porque já lhe diagnostiquei uma data de doenças. Já lhe dei medicamentos que depois ele pediu ao médico para lhe receitar", disse a actriz. Eu li.
Há melhor para um hipocondríaco do que o remoto cenário, porém possível, da minha paranóia me aproximar de uma Scarlett Johansson? Até mesmo de um Woody Allen? Por hoje é tudo. Sinto-me um homem novo e podem dizer o que quiserem. Vou andar na rua atento a quem se cruza comigo. Hipocondríaco, mas vão ver: muitíssimo bem acompanhado. Ainda vão ouvir falar de mim.
Quem tem filhos a viver longe de Portugal pode perceber o que vou contar.
Assim:
Quando vi que o Expresso ia oferecer, em fascículos, a História de Portugal coordenada por Rui Ramos – já editada em livro, que não li e sobre o qual só conheço recensões elogiosas... -, pensei que era um bom presente para enviar para a Austrália, na lógica de manter ligação ao país com um adolescente que, sei eu, não apenas tem um gosto profundo pela leitura, como se interessa por História e mesmo por Política. Tinha tudo a ver. Acho que conheço bem o meu filho, vá.
Já antes tinha mandado um livro (de autor estrangeiro, verdade) de espionagem, mas traduzido em português – um modesto contributo para alimentar o gosto e conhecimento da língua-mãe num lugar onde essa língua é de todo ignorada. Agora comecei a juntar os livrinhos oferecidos pelo jornal para enviar quando completa a colecção. Hoje mesmo fui recuperar o 5º capitulo, que me tinha escapado em férias. A intenção era mandar os primeiros agora, os restantes em Setembro. O dia não deu para tudo e a ida ao correio ficou de fora.
Em boa hora.
As crónicas que Manuel Loff, também historiador, escreveu para o Público, a segunda delas publicada ontem, e lida agora mesmo, travaram a tempo o meu impulso. Não é preciso ser de esquerda, nem de direita, nem de coisa nenhuma, para ter um olhar “menos-que-absurdo” sobre o regime de Salazar. Não me passava pela cabeça que uma História de Portugal caucionada pelo Expresso, e lançada com pompa e circunstancia há algum tempo, assinada por um historiador que a imprensa, em geral, tem referido como um homem sério e rigoroso, branqueasse a ditadura de Salazar ao ponto a que denuncia Manuel Loff.
E é óbvio que:
Não, eu não quero mandar ao meu filho uma História de Portugal onde o regime da Salazar é descrito como “uma espécie de monarquia constitucional, em que o lugar do rei era ocupado por um Presidente da Republica eleito por sufrágio directo e individual”, que “reconhecia uma pluralidade de corpos sociais (...) com esferas de acção próprias e hierarquias e procedimentos específicos”, e onde se ignoram as fraudes eleitorais que contribuíram para a morte de Humberto Delgado e perpetuaram o regime e a ausência de oposição, além da policia politica e das prisões que mancharam de sangue e morte prisões como a do Tarrafal. Um regime que, bem vistas as coisas, nem ditadura foi e da violência fez parcimonioso uso...
Não, eu não quero mandar ao meu filho uma História de Portugal onde nunca se usa a expressão “guerra colonial”, e se escreve que a “a opção (de recusa de sair das colónias) não pareceu inicialmente excêntrica na Europa” porque “a retirada europeia da África só começou em 1960”.
Não, eu não quero mandar ao meu filho uma História de Portugal onde a guerra colonial é reduzida à expressão “guerrilhas” e “foi aceite pelos portugueses”.
Não, eu não quero mandar ao meu filho uma História de Portugal onde se ignoram os sindicatos livres ilegalizados e perseguidos, onde se menosprezam as perseguições e prisões políticas, as torturas, as mortes, os partidos na clandestinidade e a proibição da organização politica e civil em geral, e se reduz o Estado Novo a um brando regime de certa forma equiparado ao que se viveu em toda a Europa no primeiro terço do século XX.
Não, eu não vou mandar ao meu filho esta História de Portugal que Rui Ramos coordenou e o Expresso agora publica.
Não posso deixar de encarar com alguma tristeza que o mesmo jornal que, antes e depois da revolução, soube ver Portugal com inteligência e olhos de ver, seja agora o mesmo que promove este olhar falacioso, para não dizer mentiroso, sobre o século XX português.
Em boa hora Manuel Loff me acordou para o embuste. Que vergonha, meu deus.
Vou ler só para perceber até onde pode ir esta original mas pouco séria forma de reescrever a História.
(António Maria, fica tranquilo: vou encontrar uma História de Portugal séria para te mandar. Não precisa de transformar Salazar e Caetano em demónios e o 25 de Abril em redenção – basta que seja uma História séria, justa, e sensata. Logo que a encontre, envio por correio verde internacional, que é das melhores invenções que os CTT nos proporcionaram...)
(Por uns dias é isto, não menos do que isto)
Meio-dia. Um canto da praia sem ninguém.
O sol no alto, fundo, enorme, aberto.
Tornou o céu de todo o deus deserto.
A luz cai implacável como um castigo.
Não há fantasmas nem almas,
E o mar imenso solitário e antigo,
Parece bater palmas.
Sophia de Mello Breyner
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