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Pedro Rolo Duarte

13
Set12

Tempo perdido

O jornalista abre a entrevista com a pergunta óbvia e essencial: pensa recuar ou repensar as medidas de austeridade em face de uma generalizada contestação que vai da esquerda à direita e entra pelo PSD dentro?

Pedro Passos Coelho só se esquece do clássico “ainda bem que me faz essa pergunta”, mas avança para o insuportável “antes de lhe responder, devo aproveitar esta oportunidade para...”

Percebi nesse momento que acabou a diferença, a vantagem, o potencial: Pedro Passos Coelho já se tornou mais um “deles”. E percebi também que a entrevista ía ser tempo perdido.

Um pouco como Portugal nesta fase do campeonato: tempo perdido.

11
Set12

Uma carta de Eugénio Lisboa

Mão amiga fez-me chegar esta carta aberta dirigida ao Primeiro Ministro, dizendo: “O Eugénio Lisboa tem mais de oitenta anos; merece a admiração de quem alguma vez o leu ou ouviu. É impossível não se sentir emoção ao ler-se este texto. E é uma vergonha para todos os que tenham menos 20, 30, 40, 50 ou 60 anos do que ele se um texto destes continuar a fazer todo o sentido durante muito mais tempo”.

Não posso estar mais de acordo.

São 8000 caracteres que merecem ser lidos. E pensados. Cá ficam:

 

Exmo. Senhor Primeiro Ministro

Hesitei muito em dirigir-lhe estas palavras, que mais não dão do que uma pálida ideia da onda de indignação que varre o país, de norte a sul, e de leste a oeste. Além do mais, não é meu costume nem vocação escrever coisas de cariz político, mais me inclinando para o pelouro cultural. Mas há momentos em que, mesmo que não vamos nós ao encontro da política, vem ela, irresistivelmente, ao nosso encontro. E, então, não há que fugir-lhe.

Para ser inteiramente franco, escrevo-lhe, não tanto por acreditar que vá ter em V. Exa. qualquer efeito – todo o vosso comportamento, neste primeiro ano de governo, traindo, inescrupulosamente, todas as promessas feitas em campanha eleitoral, não convida à esperança numa reviravolta! – mas, antes, para ficar de bem com a minha consciência. Tenho 82 anos e pouco me restará de vida, o que significa que, a mim, já pouco mal poderá infligir V. Exa. e o algum que me inflija será sempre de curta duração. É aquilo a que costumo chamar “as vantagens do túmulo” ou, se preferir, a coragem que dá a proximidade do túmulo. Tanto o que me dê como o que me tire será sempre de curta duração. Não será, pois, de mim que falo, mesmo quando use, na frase, o “odioso eu”, a que aludia Pascal.

Mas tenho, como disse, 82 anos e, portanto, uma alongada e bem vivida experiência da velhice – da minha e da dos meus amigos e familiares. A velhice é um pouco – ou é muito – a experiência de uma contínua e ininterrupta perda de poderes. “Desistir é a derradeira tragédia”, disse um escritor pouco conhecido. Desistir é aquilo que vão fazendo, sem cessar, os que envelhecem. Desistir, palavra horrível. Estamos no verão, no momento em que escrevo isto, e acorrem-me as palavras tremendas de um grande poeta inglês do século XX (Eliot): “Um velho, num mês de secura”... A velhice, encarquilhando-se, no meio da desolação e da secura. É para isto que servem os poetas: para encontrarem, em poucas palavras, a medalha eficaz e definitiva para uma situação, uma visão, uma emoção ou uma ideia.

A velhice, Senhor Primeiro Ministro, é, com as dores que arrasta – as físicas, as emotivas e as morais – um período bem difícil de atravessar. Já alguém a definiu como o departamento dos doentes externos do Purgatório. E uma grande contista da Nova Zelândia, que dava pelo nome de Katherine Mansfield, com a afinada sensibilidade e sabedoria da vida, de que V. Exa. e o seu governo parecem ter défice, observou, num dos contos singulares do seu belíssimo livro intitulado The Garden Party: “O velho Sr. Neave achava-se demasiado velho para a primavera.” Ser velho é também isto: acharmos que a primavera já não é para nós, que não temos direito a ela, que estamos a mais, dentro dela... Já foi nossa, já, de certo modo, nos definiu. Hoje, não. Hoje, sentimos que já não interessamos, que, até, incomodamos. Todo o discurso político de V. Exas., os do governo, todas as vossas decisões apontam na mesma direcção: mandar-nos para o cimo da montanha, embrulhados em metade de uma velha manta, à espera de que o urso lendário (ou o frio) venha tomar conta de nós. Cortam-nos tudo, o conforto, o direito de nos sentirmos, não digo amados (seria muito), mas, de algum modo, utilizáveis: sempre temos umas pitadas de sabedoria caseira a propiciar aos mais estouvados e impulsivos da nova casta que nos assola. Mas não. Pessoas, como eu, estiveram, até depois dos 65 anos, sem gastar um tostão ao Estado, com a sua saúde ou com a falta dela. Sempre, no entanto, descontando uma fatia pesada do seu salário, para uma ADSE, que talvez nos fosse útil, num período de necessidade, que se foi desejando longínquo. Chegado, já sobre o tarde, o momento de alguma necessidade, tudo nos é retirado, sem uma atenção, pequena que fosse, ao contrato anteriormente firmado. É quando mais necessitamos, para lutar contra a doença, contra a dor e contra o isolamento gradativamente crescente, que nos constituímos em alvo favorito do tiroteio fiscal: subsídios (que não passavam de uma forma de disfarçar a incompetência salarial), comparticipações nos custos da saúde, actualizações salariais – tudo pela borda fora. Incluindo, também, esse papel embaraçoso que é a Constituição, particularmente odiada por estes novos fundibulários. O que é preciso é salvar os ricos, os bancos, que andaram a brincar à Dona Branca com o nosso dinheiro e as empresas de tubarões, que enriquecem sem arriscar um cabelo, em simbiose sinistra com um Estado que dá o que não é dele e paga o que diz não ter, para que eles enriqueçam mais, passando a fruir o que também não é deles, porque até é nosso.

Já alguém, aludindo à mesma falta de sensibilidade de que V. Exa. dá provas, em relação à velhice e aos seus poderes decrescentes e mal apoiados, sugeriu, com humor ferino, que se atirassem os velhos e os reformados para asilos desguarnecidos , situados, de preferência, em andares altos de prédios muito altos: de um 14º andar, explicava, a desolação que se contempla até passa por paisagem. V. Exa. e os do seu governo exibem uma sensibilidade muito, mas mesmo muito, neste gosto. V. Exas. transformam a velhice num crime punível pela medida grande. As políticas radicais de V. Exa, e do seu robôtico Ministro das Finanças  - sim, porque a Troika informou que as políticas são vossas e não deles... – têm levado a isto: a uma total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página.

Falei da velhice porque é o pelouro que, de momento, tenho mais à mão. Mas o sofrimento devastador, que o fundamentalismo ideológico de V. Exa. está desencadear pelo país fora, afecta muito mais do que a fatia dos velhos e reformados. Jovens sem emprego e sem futuro à vista, homens e mulheres de todas as idades e de todos os caminhos da vida – tudo é queimado no altar ideológico onde arde a chama de um dogma cego à fria realidade dos factos e dos resultados. Dizia Joan Ruddock não acreditar que radicalismo e bom senso fossem incompatíveis. V. Exa. e o seu governo provam que o são: não há forma de conviverem pacificamente. Nisto, estou muito de acordo com a sensatez do antigo ministro conservador inglês, Francis Pym, que teve a ousadia de avisar a Primeira Ministra Margaret Thatcher (uma expoente do extremismo neoliberal), nestes  termos: “Extremismo e conservantismo são termos contraditórios”. Pym pagou, é claro, a factura: se a memória me não engana, foi o primeiro membro do primeiro governo de Thatcher a ser despedido, sem apelo nem agravo. A “conservadora” Margaret Thatcher – como o “conservador” Passos Coelho – quis misturar água com azeite, isto é, conservantismo e extremismo. Claro que não dá.

Alguém observava que os americanos ficavam muito admirados quando se sabiam odiados. É possível que, no governo e no partido a que V. Exa. preside, a maior parte dos seus constituintes não se aperceba bem (ou, apercebendo-se, não compreenda), de que lavra, no país, um grande incêndio de ressentimento e ódio. Darei a V. Exa. – e com isto termino – uma pista para um bom entendimento do que se está a passar. Atribuíram-se ao Papa Gregório VII estas palavras: ”Eu amei a justiça e odiei a iniquidade: por isso, morro no exílio.” Uma grande parte da população portuguesa, hoje, sente-se exilada no seu próprio país, pelo delito de pedir mais justiça e mais equidade. Tanto uma como outra se fazem, cada dia, mais invisíveis. Há nisto, é claro, um perigo.

De V. Exa., atentamente,

Eugénio Lisboa

08
Set12

Sobre a comunicação do Primeiro-Ministro

Faço parte dos que acham que foi longe demais, e que perdeu de vez o sentido de equilíbrio entre o que é governar em crise e o que é ter sentido social de Estado.

Tem a sorte de governar um país onde vivem indivíduos brandos e conformados, que o “pior” que podem fazer é, nas próximas eleições, votar “nos outros”, mudando alguma coisa para que tudo fique na mesma. Porque “os outros”, que estão agora indignados, se lá estivessem fariam o mesmo. E este, se estivesse na oposição, diria, revoltado, o que “os outros” dizem, ou os chumbos que prometem.

Neste quadro de miséria, o que me espanta é o aumento ser sobre um desconto a que, com ironia e cinismo, se chama Segurança Social. É a insegura “segurança social” que vai pagar a crise que a mata e enterra todos os dias um pouco mais? Pior seria difícil.

Se não fosse para chorar, seria uma espécie de anedota: a insegura “segurança social” tornou-se o corrimão de um país que definha sem rumo.

07
Set12

Nem a grito matam a criação dos génios...

Na música popular, génio é todo o compositor cujas canções, por mais voltas que lhes dêem e por mais que as tentem matar na tentativa de as recriar, nunca deixam de ser grandes canções.

Caetano Veloso faz parte desse pequeno grupo de notáveis. E o “Tribute to Caetano Veloso”, que a editora Universal Music produziu, por ocasião dos 70 anos de vida do génio, juntando nomes do Brasil, de toda o continente americano, e da Europa, é um excelente exemplo desse principio: mesmo aqueles que tentaram assassinar canções de Caetano (e tenho pena de o dizer, mas Ana Moura foi um desses nomes...), não conseguiram mais do que versões menos boas de grandes temas.

Faz parte dos meus discos de “rentrée”, ao lado do novo duplo ao vivo de Chico Buarque e da descoberta do talento de Miranda Kassin.

01
Set12

Plágios & ruídos

Comecei a escrever um post sobre o ruído que produzem os pires e as chávenas quando empilhados à bruta por dedicados empregados de café.

Como sou sensível ao ruído, aquele barulho que sucede ao acto de abrir a máquina de lavar loiça é qualquer coisa de avassalador (se misturado com o motor de uma máquina de moer café, é o inferno na terra...): parece que entra pelos ouvidos e perfura directamente até ao cérebro, deixando-me sem pinga de sinapses e dando por perdido o prazer do café acabado de beber.

É claro que, notando a repetição sistemática, em pastelarias e cafés de Norte a Sul de Portugal, desta forma alarve de empilhar a loiça, tenho observado os protagonistas do inusitado concerto. Gostava de perceber se são surdos, insensíveis, obcecados, ou se fazem de propósito, espécie de catarse da vida difícil ao balcão. Confesso que, até hoje, não consegui chegar a uma conclusão: tanto observo convicção no acto, como lhe noto displicência ou simples gesto mecânico. Uma vez ou outra, pressa e stress.

Foi quando aqui cheguei – aqui, quero dizer, quando estava nesta fase do post -, que a frase “Gostava de perceber se são surdos, insensíveis, obcecados, ou se fazem de propósito” disparou campainhas cá dentro. Onde é que eu já li isto? Onde é que eu já li algo parecido com isto?

Fui investigar. E descobri.

Descobri que eu próprio escrevi, há já uns anos, uma crónica de jornal dedicada ao ruído – ruído de obras, de motores, ruído de rua em geral – onde às tantas falava do barulho dos pires e chávenas de café a baterem uns nos outros sob a batuta dos empregados. As palavras não eram aquelas, mas a ideia era a mesma.

Desanimei e não escrevi mais.

Porém, ficou uma dúvida: quando nos copiamos a nós próprios, isso é plágio? Ou será coerência?

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Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

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Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira

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