Old media, new media
O texto mais lúcido e interessante que li nos últimos tempos sobre a crise dos media no mundo ocidental foi publicado na edição de fim-de-semana do Financial Times, pela mão do pintor e pensador David Hockney.
Mantendo a sua clássica ligação ao conceito “bigger”, desta vez ele pretende que vejamos “The Bigger Picture” (titulo da sua mais recente exposição), aquela em que o espectador não tem apenas um infinito, mas múltiplos infinitos para observar e analisar. É um novo tempo no mundo mediático, marcado pelo fim daquilo a que chama “old media”: televisão, cinema e jornais, tal como os entendemos e consumimos. “The old media needed stars. In the new media your friends are the stars”, escreve Hockney, parecendo banal. Surpreende logo a seguir: “Without the old media, how wil you get famous on YouTube?”. Ele está um passo à frente em relação ao presente...
Entre outras provocações, David Hockney deixa esta: “The age of the mass media is also the age of mass murder. That is probably no accident. The terrors of the 20th century – Nazi Germany, Soviet Russia and Mao’s China – needed control of the mass media”. Hoje, acredita, isso não é mais possível porque os media estão nas mãos de toda a gente, e são sua propriedade.
O artigo tem o titulo “The mass media has lost its perspective” – link aqui... -, e constitui um desafio para jornalistas, editores e empresários dos media: entender a evolução e o futuro dos meios de comunicação através dos paralelos que estabelece com a pintura, do cubismo à invenção da perspectiva. E encontrar formas mais imaginativas de pensar o futuro...
... Pelo menos, mais criativas do que aquelas que conduzem a artigos como o que, no ultimo Expresso, procura explicar o estado da nossa comunicação social. Lendo este texto, como outras matérias que a imprensa tem publicado sobre o seu estado, a crise económica sustenta e explica sozinha as quebras de vendas, potenciadas depois pela baixa no investimento publicitário - e não há quem aceite que o momento que a comunicação social vive resulta mais do seu autismo conservador na reflexão sobre si própria, e de uma terrível incapacidade criativa de responder ao novo paradigma do consumo de informação, do que de uma fase critica, necessariamente passageira, da economia. Quando a crise passar – sim, um dia ela vai passar... -, as empresas de comunicação social vão acordar e perceber que foram mais vítimas do seu imobilismo do que da falta de investimento publicitário. E que talvez tenham perdido a oportunidade de apanhar o comboio do futuro.
Por força de quererem perceber qual o modelo de negócio que se segue, e de não perder um cêntimo, estão a passar ao lado da sua essência: observar, entender, e mostrar o mundo actual, e a partir deste ponto responder às novas tendências com criatividade e imaginação. Assim foi no passado, assim deveria ser no presente. Mas não: os media produzem hoje a mesmíssima informação do passado, com as básicas adaptações técnicas e informáticas que as novas plataformas pedem. Falta ousadia e faltam ideias – exactamente onde sobram paradoxos, replicações e as agendas de sempre.
Nessa medida, ler a análise de David Hockney (não é demais lembrar que o senhor caminha para os 80 anos...) é inspirador e traz boa energia.
Devia estar no palco da conferência sobre o futuro dos Media que o Expresso e a SIC Noticias promovem por estes dias – e devia estar na mesa de trabalho daqueles que editam os jornais e as revistas que se queixam da crise, enquanto vivem em mais do mesmo, num arco cansado que vai dos “novos paraísos algarvios” às “dietas da moda”, e do “sexo que resiste à crise” aos “refúgios para um fim-de-semana com Mr. Grey”. Quem quer ler o que já leu? Pior: quem quer ler o que nunca quis ler?
Ver “The bigger picture” passa por aí.