Cavaco Silva quis ser 2.0 e fez do Facebook a sua plataforma de ligação directa ao povo. Fez bem. Mas quem o rodeia sabe que uma página aberta numa rede social é um pau de dois bicos: por um lado, é um sinal de liberdade, de abertura e de respeito para com os eleitores; por outro, se a controla, condiciona e “edita” a seu gosto, corre o risco de ser arrasada pelas próprias redes sociais e, logo a seguir, pela comunicação social tradicional.
Inteligente, a equipa que gere a página do Presidente não apaga nem limita as criticas (a não ser, presumo, as que excedem o bom senso e a razoabilidade à base de insulto e palavrão...).
Resultado: a página de Cavaco Silva no FB é um manifesto diário contra o governo PSD/CDS, é mais oposição do que a própria oposição, e constitui um barómetro fortíssimo do estado das coisas.
O estado é o que sabemos: miserável e farto desta gente que governa. Irónico é não ser preciso sair à rua para o perceber: basta passar pelo Facebook de Cavaco Silva. Um poderoso boomerang em acção...
Uma amiga que conheci nos primeiros anos de Liceu, com quem partilhei vidas de toda a espécie - pessoais, profissionais, emocionais -, com quem me zanguei seriamente, e mais recentemente me conciliei, mesmo sem nos reconciliarmos, foi quem primeiro me falou de Clarice Lispector. Já a escritora tinha morrido, em 1977. Li vários livros de Lispector (“A Bela e a Fera” e “Perto do Coração Selvagem” foram os que ficaram gravados...), soube da sua vida curta e da morte prematura. Há dias tropecei num diálogo com um jornalista: “Por que escreve?”, pergunta o profissional de O Globo. E ela: “Vou responder-lhe com outra pergunta: por que você bebe água?". O jornalista não se intimida: “Por que bebo água? Porque tenho sede". Clarice, brutal: “Quer dizer que você bebe água para não morrer. Pois eu também: escrevo para me manter viva."
Assim foi até Dezembro de 1977.
Ontem esbarrei novamente (como acontece, de resto, com frequência), num texto de Clarice Lispector. Neste caso, sobre o sábado. Eis o que partilho com quem passa por aqui. Não sem antes deixar uma notável citação da escritora: “Eu escrevo sem esperança de que o que eu escrevo altere qualquer coisa. Não altera em nada... Porque no fundo a gente não está querendo alterar as coisas. A gente está querendo desabrochar de um modo ou de outro..."
É isso? Não sei se é isso. Mas sábado, para ela, é isto, e eu quero que aqui fique:
“Acho que sábado é a rosa da semana; sábado de tarde a casa é feita de cortinas ao vento, e alguém despeja um balde de água no terraço; sábado ao vento é a rosa da semana; sábado de manhã, a abelha no quintal, e o vento: uma picada, o rosto inchado, sangue e mel, aguilhão em mim perdido: outras abelhas farejarão e no outro sábado de manhã vou ver se o quintal vai estar cheio de abelhas.
No sábado é que as formigas subiam pela pedra.
Foi num sábado que vi um homem sentado na sombra da calçada comendo de uma cuia de carne-seca e pirão; nós já tínhamos tomado banho.
De tarde a campainha inaugurava ao vento a matinê de cinema: ao vento sábado era a rosa de nossa semana.
Se chovia só eu sabia que era sábado; uma rosa molhada, não é?
No Rio de Janeiro, quando se pensa que a semana vai morrer, com grande esforço metálico a semana se abre em rosa: o carro freia de súbito e, antes do vento espantado poder recomeçar, vejo que é sábado de tarde.
Tem sido sábado, mas já não me perguntam mais.
Mas já peguei as minhas coisas e fui para domingo de manhã.
(Escreve um tipo que não foi à manifestação, nem manifestou formas de luta visíveis ou alternativas.)
Só um empedernido profissional, um faccioso sem pai nem mãe ou uma figura absolutamente insensível ao que o rodeia, pode ignorar o sinal vermelho de sábado passado. Ao Governo. À política. Aos políticos. Ao estado das coisas. Até aqui, de acordo com quem reconheceu a relevância do movimento, sem ressalvas, e nas tintas para a discussão infantil sobre o número de participantes. Foram muitos, mais que muitos, e isso chega para parar e pensar. Para respeitar. Para reconhecer que, a ter sentido a democracia, há qualquer coisa que está fora da norma na representatividade de quem governa.
Mas, por outro lado, não consigo deixar de verificar que foi muito barulho para nada. Ou melhor dito, sob a forma de pergunta: quais foram mesmo as alternativas apresentadas? Que caminho novo saiu do “2M”? Qual é a alternativa? O país indignado está envolvido, convocado, empenhado em que espécie de mudança? Quem a transforma em dados e factos e medidas? Que ideias?
Sem respostas a estas perguntas, fico tranquilamente no passeio, fora da estrada. E acreditando tanto nas politicas até agora seguidas como nas alternativas mal amanhadas pelas oposições, mantenho-me no beco. Sem saída.
Jornalista um dia, jornalista toda a vida – e sem quebrar este principio, que perfilho e com o qual me identifico, confesso: cada vez me interessa menos a actualidade.
Sei do que se passa porque a isso me obrigo (e obriga o trabalho, claro), sigo blogues e programas de debate, não ando fora de nada (agora, até pelo mundo do futebol vou mergulhando, aqui...). Mas a sistemática repetição dos mesmos argumentos em situações opostas (isto é: partido de oposição diz sempre o que dizia partido de governo quando estava na oposição, e vice-versa, em monocórdica e minimal repetição), e verificar que esta regra é aceite por todos, eleitores incluídos, num teatro público de marionetas que roça o ridículo e o absurdo, empurra-me para o bocejo. Ou a sesta.
Ou, quando não tenho sono, a cozinha. Acreditem que ontem à noite, depois de três horas a ver televisão onde pessoas que diziam “adoro verde” agora dizem “adoro amarelo”, enquanto os seus opositores, que no passado amavam o amarelo, agora optam pelo verde, e onde nada ultrapassa a mediocridade da ambição pessoal, da fuga para a frente, do chuto para canto, ou do dizer mal pela frustração de não conseguir fazer bem, fiquei cheio de fome e ocorreu-me a ideia: pão torrado sobre o qual “sucumbe” pasta de sardinha...
Fiz assim, enquanto o pão torrava:
Abri uma lata de sardinhas em lombos, sem espinhas, em azeite (Ramirez, se bem me lembro), a que juntei meio sumo de limão espremido na hora, pimenta preta moída, uma pontinha de sal marinho, maionese (compro uns pacotes frescos excelentes, mas qualquer maionese pré-fabricada serve para este efeito), e salsa por mim picada na hora. Com um garfo, numa tigela, é só ir misturando à mão, provando e rectificando os elementos a gosto.
Por mim, ficou no ponto cinco estrela quando barrei aquela pasta em fatias de pão de Mafra torrado (já tinha uns dias...), plantei meia dúzia de alcaparras e tomate cortado miudinho. Foi a ceia que me tirou deste mundo para outro.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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