Janela de oportunidade
Tanto se fala nela, na janela. Deixo uma, para hoje:
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Tanto se fala nela, na janela. Deixo uma, para hoje:
Leio no Expresso online: «Pedro Passos Coelho e Paulo Portas estiveram reunidos com os deputados do PSD e do CDS, na Assembleia da República, e apresentaram-se com discursos perfeitamente sintonizados, de acordo com fontes que assistiram à reunião, à porta fechada. Nem um nem outro se referiu directamente às divergências dos últimos dias por causa da taxa sobre as pensões de reforma anunciada pelo primeiro-ministro - mas ambos sublinharam que têm estado a "consensualizar" medidas que sejam "socialmente menos penalizadoras"».
Estes senhores andam a gozar com o pagode. À sexta. Ao domingo. E à quarta-feira. Quando era miúdo, havia jornais assim, saíam três vezes por semana, e chamavam-se trissemanários. Agora há políticos.
Vantagem dos jornais desse tempo: não gozavam com o pagode. Era tudo mais a sério.
Liberdade é escrever uma canção e poder brincar com o que aparentemente não tem sentido:
Miro o teu mio
Rio no teu rio
Vadio do teu rito
Sorrir no teu mito
Ainda que todas as palavras digam qualquer coisa, e todos os conjuntos de palavras façam um qualquer sentido:
Sem querer fui ter
Ao que era o ser
Tu a ler, eu a ver
Meu amor, beber
Mesmo que pareça tudo estranho, e demore tempo a entranhar-se:
Quem de nós se pôs
Com que pó, arroz
Como o nó deu dor
Como a cor deu pó
Brincar com palavras e imaginar músicas pode ser uma revelação. Uma surpresa. Um novo patamar na relação com as palavras:
Por fim vou rir
Por fim vou pôr
Por fim vou ser
Vem, verbo ir
Vou contigo, amor
No moinho, a mó
Vai dar pão, viver.
Experiências, brincadeiras, finais de noite sem fim. Um dia destes, quem sabe...
Não há mais completa verdade do que a carimbada de lugar-comum: é preciso mexer alguma coisa para que tudo fique na mesma.
Passava ontem pela Rua Marquês de Sá da Bandeira, ali junto à Gulbenkian, e depois de ver escrito numa parede “Queremos tudo!”, e sorrir com esse pedido singelo de um anónimo pintor de paredes, tropecei neste bocado de chão – ou melhor, neste bocado de excepção ao empedrado do passeio.
Não escondo a minha ignorância, nem a minha curiosidade. Quando cheguei a casa fui googlar o nome de Herman de Coninck, para perceber o mistério daquela placa gravada no chão. O mistério, claro, é o da morte de um poeta numa rua de Lisboa. A caminho de um encontr de poetas. No blog Poesia & Lda, João Luís Barreto Guimarães escreve sobre ele: “um dos mais importantes flamengos do pós-guerra, foi mais um desses poetas europeus – como Egito Gonçalves, – que tanto incomodaram os puristas por possuir uma notável capacidade de apreender de um quotidiano aparentemente estéril e banal, instantes sagazmente luminosos, através do uso de uma linguagem com notável capacidade discursiva, onde o humor não é o menor dos seus recursos. Foi um poeta do seu tempo: a fruição do leitor na leitura dos seus poemas resulta, suponho, da identificação com imagens suas contemporâneas que, com aparente objectividade, se dão a ler no poema”.
E deixou-nos um poema de Herman de Coninck, o poeta no chão de uma rua de Lisboa que mudou o curso do meu dia de ontem. E me deixou a pensar no “Conto de Fadas”: “Era uma vez um homem / Que era sempre justo”.
Rapariga
Tu própria, que podes ter a noção e ao mesmo tempo
o atrevimento de simplesmente expor
de vez em quando uma opinião
ou um seio: quando começa isso,
e no fundo quando acaba? As mulheres
são feitas de raparigas, aos quarenta
ainda deitam a língua de fora como aos quinze,
ficam cada vez mais jovens,
não sabem não seduzir. Como a poesia:
um gato que prudentemente caminha sobre as teclas
de um piano e olha para trás:
ouviste? viste-me?
Ah, o ar jovem das raparigas de quarenta,
como umas vezes querem, e outras não,
mas afinal sempre, se repararmos bem.
Onde estão os bons velhos tempos? Estão aqui, esses tempos.
Herman de Coninck
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