… E foi assim o tempo desta Janela que hoje se fecha. Em 2006, quando começou, era só de blogues que se falava, o Facebook ainda não era aberto a todos, o twitter estava por nascer. Seis anos e meio depois, a rede é tão caótica quanto democrática, tão rica quanto perigosamente à beira do abismo.
Se ontem fiz uma primeira aproximação a um suave balanço destes quase 2000 dias de crónicas, de revisões e olhares sobre o mundo dos blogues e das redes sociais, hoje sublinho cinco nomes que, do meu ponto de vista, marcaram esta rubrica, ou pelo menos a sua filosofia, nestes tempos em que a Antena 1 tão felizmente a albergou.
Não são sequer os meus eleitos - são pessoas que, pelo trabalho desenvolvido na blogoesfera, pela forma como perceberam primeiro o que seria depois, pela originalidade na abordagem, ou apenas pelo caminho entretanto percorrido, orgulham uma galeria de eleitos da rede.
Começo pelo óbvio: Ricardo Araújo Pereira, cujo Gato Fedorento nasceu na blogoesfera, e que me acordou para este fenómeno, pelas piores razões: ao arrasar, num blog, um texto meu publicado num jornal, mostrou pela primeira vez a força de uma plataforma virtual face a uma coluna de papel impresso. Na mesma lógica, Pacheco Pereira – o homem que elevou o debate politico nos blogues a uma esfera pública. Até ao seu Abrupto, o debate fazia-se em rede e na rede, e raramente saltava para os jornais. Pacheco estabeleceu o link, alimentou-o, chegou a ser vitima dele. Mas trouxe os blogues para o debate politico generalista.
E depois há os nascidos na rede: Maradona, o homem da Causa Foi Modificada, o blogger que apaga os posts passados porque acha que eles têm prazo de validade, o escritor cujo humor e originalidade já mereciam outros rumos, o adepto que escreve sobre futebol como tanta falta faz à imprensa desportiva. Tudo num blog, há dez anos assim. Na mesma linha, João Pedro Diniz, o autor do Ardeu a Padaria, fechado em Março passado, mas um exemplo de como se pode juntar erudição, humor, cultura, e gastronomia, ou mesmo, e só, receitas de culinária que dão gosto ler. Original, inovador, à frente no seu tempo.
Por fim, um outro exemplo de quem nasce na rede e se fixa no mundo – Nuno Camarneiro, cujo blog Acordar Um Dia foi o ensaio para voos mais largos e para o Prémio Leya de Literatura deste ano. De um blog para o mundo – estes cinco nomes que escolhi souberam fazer nos seus lugares o que eu, modestamente, tentei fazer aqui todos os dias: levar da rede para todo o lado vento fresco e ar puro. Ou, na verdade, o talento de novos autores, de gente que pensa pela sua cabeça, de gente sem medo das palavras.
Hoje fecha-se de vez a Janela Indiscreta, primeiro e único espaço diário da rádio nacional dedicado ao mundo dos blogues e das redes sociais. Esse mundo continua para lá da Janela, para lá de mim próprio. Foram quase 2000 crónicas, sempre sob o olhar atento e vigilante do produtor António Santos, foram seis anos e meio a ver o mundo passar por esta Janela.
Mas já sabemos como é: tudo o que começa tem um fim. Como se diz das janelas, quando uma se fecha, logo outra se abre. Assim será certamente.
Lendo a Wikipédia: em 2006, o Facebook era, pelo menos até Setembro, reservado a estudantes norte-americanos do ensino secundário e universitários. A meio do ano, adicionou à sua rede universidades na Europa e colégios em Israel. E em Setembro, foi aberto ao mundo, iniciando a caminhada que o tornaria no que é hoje. Perguntará o ouvinte: por que raio trago o Facebook e o ano de 2006 a esta Janela?
Bom, por uma razão que por fim partilho: a Janela vai fechar de vez amanhã, 31 de Julho, seis anos e meio depois de se ter aberto ao mundo dos blogues. E era a esse tempo que recuava, na primeira de duas crónicas de balanço e despedida. Quando esta Janela abriu, os blogues constituíam o centro de galáctica ardente da internet, no que dizia respeito à interactividade e relação social entre a comunidade. Nasciam e morriam blogues todos os dias, havia polémicas acesas sobre todos os temas da actualidade, e era nessa plataforma que se vivia mais intensamente a democracia livremente caótica e anárquica da rede. Foi aliás em 2006 que nasceu formalmente o twitter, hoje também um dos carros-chefes da comunicação planetária.
Passaram seis anos e meio, a Janela teve de escancarar-se para lá da blogoesfera e atingir Twitter, Facebook, e por fim o cruzamento de todas as redes, que hoje é o mínimo dos mínimos quando se pretende estar de corpo inteiro neste universo.
Mudou tudo, e a Janela foi mudando com o que mudou. Estou a falar-vos de cerca de 2000 crónicas, e de um universo alargado de milhares de blogues e muitos mais milhares de páginas de Facebook e contas de Twitter.
A Antena 1 foi a primeira rádio - e a única até hoje - a manter um espaço diário e ininterrupto dedicado a esta área. Com o fim desta Janela, não há no universo radiofónico nenhum espaço que reúna estas características, que trate blogues e redes sociais com estatuto de verdadeiros motores de arranque da opinião pública.
Se em 2006 já se sentia que estava na blogoesfera boa parte do futuro da opinião que conta e se publica, hoje a dimensão é esmagadora quando lhes juntamos Twitter e Facebook: manifestações, protestos, petições, movimentos virais, forças de bloqueio ou de desbloqueio, tudo passa por esta rede de todas as redes.
Não vou obviamente maçar-vos com o balanço exaustivo ou com a lágrima ao canto do olho de uma janela que se fecha, deixo-vos apenas estes sinais que traduzem evolução, revolução, mas também, sem falsas modéstias, orgulho pelo trabalho realizado com dedicação e seriedade ao longo destes anos.
Amanhã abrirei a Janela pela ultima vez - pelo menos neste tempo e nestes termos, pois o futuro é coisa que se desconhece em rigor -, e deixarei aqui cinco nomes que, no meu entender, marcaram estas 2000 crónicas de rádio. Todos e cada um por razões diferentes. Cá estarei então para o ultimo take deste filme que Hitckcock não sonharia estar um dia ligado em rede.
A crónica de ontem, domingo, do Miguel, levou-me aos tempos do arroz de cabidela e da caldeirada da Dona Ana, dos ovos que o meu filho ia com a Sílvia buscar às traseiras do restaurante, e faziam as delicias dos nossos cozinhados no Monte da Boavista, e às tardes prolongadas até de madrugada em que construíamos, reconstruíamos e voltávamos a construir projectos de jornais e revistas. Por incrível que pareça, alguns deles nasceram mesmo.
Não me lembro de um tempo em que o trabalho me tenha dado tamanha felicidade, alegria. E gargalhada.
(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman. A deste mês saiu agora mesmo...)
- Tudo bem?, perguntei.
- Tudo bem?!, respondeu ela. Achas mesmo que está tudo bem? O c***** do meu ex-marido, por acaso teu amigo, bla bla bla, fiquei desempregada e bla bla bla, a tua amiguinha X é a maior f*** da p*** que existe, tudo bem? Olha, digo-te mais...
No meio da rua, num dos raros dias de sol da Primavera apenas anunciada, senti-me subitamente um saco de boxe golpeado de um lado e do outro, sem intervalos, sem ok’s nem ko’s. Apenas um desgraçado saco de boxe. Quando o desabafo destemperado chegou ao fim, estava arrasado. Cansado. Doente. A minha interlocutora sorriu e deixou um “temos de tomar um café um dia destes...”. E seguiu o seu caminho. Eu fiquei a tentar recuperar os sentidos, mergulhado em má energia, em agressividade gratuita, e a interrogar-me sobre por que raio teria sido eu a vítima de uma onda de indignação que não me dizia respeito.
É uma reflexão que se vai arrastando atrás de mim: a das pessoas que nos rodeiam, familiares ou amigos, ou mesmo amores, e se distinguem, ao longo dos anos, entre as que dão e recebem, as que apenas dão, as que nos sugam sem dó nem piedade, as que nos usam (e na desilusão, perdemos...). De todas, as piores talvez sejam estas, as que fazem de nós o saco de boxe das suas existências e depois, limpas de toda a revolta e indignação que lhes vai na alma, seguem o seu caminho (não, como cantava o Rui Veloso, “com a merda na algibeira”, mas deixando, sem pena nem remorso, a dita dentro de nós).
Perdemos demasiado tempo com quem nos é tão pouco. E o verbo não está errado: os amigos são, do verbo ser. Não estão, do verbo estar. Os amigos dão e recebem, livremente, mas não cobram nem devem. Não é nosso amigo quem nos usa como saco de boxe, deixando-nos no colo a carga negativa de uma vida, e depois vira costas leve e ligeiramente. É nosso amigo quem usa e abusa de nós num desabafo, não numa descarga; numa conversa, não num discurso; numa partilha, não num imposto. Estou a escrever lugares-comuns, sei-o bem, mas tenho notado, em conversas, que vivemos tempos radicais – amar e odiar, querer tudo ou nada, extremar o discurso nas relações (em todas as relações) como se caminhássemos, em guerra, para o juízo final. Acredito que a crise, a preocupação que vive em cada um de nós, empole reacções e sentimentos – mas não alinho nessa maré viva que tudo confunde e baralha. E leva quando a maré baixa.
Já vi amigos desavindos por causa de um emprego, ou de uma divergência política - e isso fez-me regressar a 1975, quando vi os meus pais perderem amigos pela mais estúpida das razões: desacordo ideológico quanto ao rumo de Portugal. A minha mãe recorda com frequência algumas dessas amizades perdidas – ou pelo menos congeladas – na sequência da revolução de 1974. Quando conta esses episódios, não consigo deixar de pensar no ridículo que pode constituir o corte de relações entre amigos de sempre porque uns optaram pela esquerda, e outros pela direita. Visto à distância, é tão absurdo que se torna incompreensível.
Na verdade, vejo nos dias que correm sintomas de uma estranha repetição dos factos. Das asneiras. E noto que esses sintomas decorrem dessa estranha mania que faz de muitos de nós sacos de boxes das frustrações, infelicidades, depressões alheias. Na confusão, perde-se a dimensão do que está em causa. Somos amigos, ou irmãos, ou mesmo namorados – mas não somos sacos de boxe nem fardos de palha para alimentar animais.
Vivemos momentos estranhos. Tão estranhos que releio esta crónica e vejo nela ideias e princípios que, de tão óbvios, julgava arredados de uma página de revista. E no entanto...
Simone de Beauvoir terá escrito, a propósito da ocupação nazi da França durante a Segunda Guerra Mundial, algo como: "Não podemos deixar que os nossos carrascos nos criem maus costumes".
A presidente da Assembleia da Republica achou oportuno e feliz usar a mesma frase sobre os manifestantes que protestaram ontem nas Galerias do Parlamento, aplicando-lhes então o nome de “carrascos”. Nazis, se tomarmos à letra.
A Assunção Esteves nem por um momento lhe ocorreu retirar o que disse ou pedir desculpa pelo infeliz e lamentável paralelo. Revelou mais sobre si própria do que a primeira boa impressão que causou. Uma vez mais, fomos enganados.
O que é que falta ainda para Portugal se tornar definitivamente um local a evitar?
1. A política é seguramente a arte de negociar. Mas não é certamente a arte de forçar negociações impossíveis, acordos improváveis, alianças à partida condenadas. Aqueles que procuram o impossível, vão encontrá-lo.
2. Quando confiamos menos em quem nos governa do que naqueles que não quisemos que nos governassem, não há mais nada a fazer. Mas pode ser pior: quando temos um Presidente da Republica que não apenas não percebe isto como acha razoável viver na ficção de uma confiança a prazo até meados do ano que vem, entrámos no domínio do humor negro.
3. O elefante cor-de-rosa passeia-se tranquilamente pela sala de estar. Como ninguém o quer ver, vai continuar o jogo do gato e do rato. Animais pequenos parecem atrair mais a atenção. Quem nasceu para lagartixa, nunca será jacaré.
Em resumo, o costume: cada um por si, a ver se saímos vivos deste desastre. Quem o provocou já está a salvo. Sigamos os muitos chernes que navegam em água seguras. Certo?
1. A ambição cega. E a cega ambição não tem limites quando se trata de poder.
2. A política é seguramente a arte de negociar. Mas não é certamente a arte de levar uma bofetada e a seguir dar a outra face para levar outra. A isso chama-se ensaio de porrada.
3. Quando confiamos menos em quem nos governa do que naqueles que não quisemos que nos governassem, não há mais nada a fazer. Infelizmente, não temos um Presidente da Republica que perceba isto.
4.Como também não temos políticos acima dos seus próprios sonhos e ambições, quase sempre pequeninas e rasteiras, é sensato não ser optimista.
Em resumo, é o costume: cada um por si, a ver se saímos vivos deste desastre. Quem o provocou já está a salvo. Sigamos os muitos chernes que navegam em água seguras. Certo?
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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