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Pedro Rolo Duarte

16
Abr14

Os otários que paguem a crise (parte 1)

Quase todos os dias penso nisto: há uma enorme discrepância entre a crise - traduzida tanto em números públicos como na forma como a sinto na pele, com rendimentos que encolheram aos níveis dos anos 80 e praticamente me deixam falido - e as multidões que vejo encherem os supermercados e centros comerciais, ou o parque automóvel que me cerca (pelo menos em Lisboa…).
Nada bate certo nesta crise. Nem o numero de smartphones vendidos, nem os concertos esgotados, nem os estádios de futebol cheios, nem os restaurantes da moda sem lugares vagos, nem o Algarve em alta na Páscoa - e depois, a realidade dos cortes nos salários, nas pensões, os impostos, as taxas, enfim, o que sabemos.
Repito: quase todos os dias penso nisto. E depois leio noticias como esta e começo a perceber: anda meio mundo a enganar outro meio. Fico deprimido mas bem mais tranquilo: não estou enganado, sou apenas um dos poucos otários que vive mesmo do seu trabalho. Quando há trabalho, claro.

(A noticia para que o link aponta, do Expresso, é esta: “Mais de uma dezena de funcionários do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém estão a ser investigados pela Polícia Judiciária por suspeita de envolvimento num esquema fraudulento de emissão de bilhetes, permitindo a entrada de visitantes naqueles dois monumentos à margem da contabilidade oficial”. É oficial: vou começar a contabilizar o numero dos que se safam à margem da lei. Vai explicar muita coisa sobre a putativa crise que vivemos. Que vivem alguns.).

13
Abr14

Uma ideia feliz: o café suspenso

Para ler na íntegra aqui.

E cito (do texto de Samuel Silva):

"O princípio do café suspenso é simples: quando alguém vai tomar um café pode entregar o dinheiro de dois, deixando a bebida paga para que quando uma pessoa necessitada for ao mesmo estabelecimento possa bebê-la de forma gratuita. Esse café fica “suspenso” à espera de quem o peça. Em Guimarães, “não está a ser feito literalmente, mas é o mesmo espírito”, justifica o padre José Silvino, capelão da igreja de S. Pedro do Toural, na maior praça da cidade.

Com dúvidas quanto à forma como operacionalizar a ideia, Silvino optou por uma solução dupla. Se os donos ou funcionários do café conhecerem alguém que “está a pedir um café, mas está a precisar de um galão ou de um pão”, oferece-lhe o pedido. Nos restantes casos – que têm sido a maioria – os estabelecimentos comerciais aderentes têm caixas onde os clientes podem deixar o valor do café suspenso, o arredondamento da conta ou o troco. Esse dinheiro reverte depois para o fundo “Partilhar com esperança” da Diocese de Braga, que é gerido pela Cáritas, que se encarrega de fazer chegar os donativos a famílias com carências identificadas."

10
Abr14

As boas ideias resistem ao tempo (II)

Já em 2009 a revista “Visão” se lembrou de fazer isto - e na altura, eu vim aqui ao blog reclamar os direitos de autor criativo da coisa. Hoje o Público repete a mesma cena - na primeira página, os cortes que a censura faria, se existisse…

 


Cá trago então de novo o bom velho DNA, onde tivemos há exactamente dez anos a ideia original, e a cumprimos ao longo de toda a edição, mas com “requintes”: convidámos os jornalistas (“experientes” em matéria de convívio com a censura) António Ruella-Ramos (saudades…) e Vítor Direito (ver este post...) para “censores”. E eles cumpriram com zelo e paciência a missão.


 

Como acredito mesmo que as boas ideias resistem ao tempo, fico contente por ver que esta resiste dez anos e volta a fazer sentido ser usada…
Não lhe chamo plágio nem falta de imaginação (já não há originais, já não há cópias…), chamo-lhe uma boa forma de recordar bons jornais onde se podia ser feliz e criativo. Deus tem.

 

 

08
Abr14

Um excerto do discurso de Alexandra Lucas Coelho, ontem, na entrega do Prémio APE, que merecidamente ganhou:

“Este prémio é tradicionalmente entregue pelo Presidente da República, cargo agora ocupado por um político, Cavaco Silva, que há 30 anos representa tudo o que associo mais ao salazarismo do que ao 25 de Abril, a começar por essa vil tristeza dos obedientes que dentro de si recalcam um império perdido.
E fogem ao cara-cara, mantêm-se pela calada. Nada estranho, pois, que este presidente se faça representar na entrega de um prémio literário. Este mundo não é do seu reino. Estamos no mesmo país, mas o meu país não é o seu país. No país que tenho na cabeça não se anda com a cabeça entre as orelhas, “e cá vamos indo, se deus quiser”.
Não sou crente, portanto acho que depende de nós mais do que irmos indo, sempre acima das nossas possibilidades para o tecto ficar mais alto em vez de mais baixo. Para claustrofobia já nos basta estarmos vivos, sermos seres para a morte, que somos, que somos.
Partimos então do zero, sabendo que chegaremos a zero, e pelo meio tudo é ganho porque só a perda é certa.
O meu país não é do orgulhosamente só. Não sei o que seja amar a pátria. Sei que amar Portugal é voltar do mundo e descer ao Alentejo, com o prazer de poder estar ali porque se quer. Amar Portugal é estar em Portugal porque se quer. Poder estar em Portugal apesar de o governo nos mandar embora. Contrariar quem nos manda embora como se fosse senhor da casa.
Eu gostava de dizer ao actual Presidente da República, aqui representado hoje, que este país não é seu, nem do governo do seu partido. É do arquitecto Álvaro Siza, do cientista Sobrinho Simões, do ensaísta Eugénio Lisboa, de todas as vozes que me foram chegando, ao longo destes anos no Brasil, dando conta do pesadelo que o governo de Portugal se tornou: Siza dizendo que há a sensação de viver de novo em ditadura, Sobrinho Simões dizendo que este governo rebentou com tudo o que fora construído na investigação, Eugénio Lisboa, aos 82 anos, falando da “total anestesia das antenas sociais ou simplesmente humanas, que caracterizam aqueles grandes políticos e estadistas que a História não confina a míseras notas de pé de página”.
Este país é dos bolseiros da FCT que viram tudo interrompido; dos milhões de desempregados ou trabalhadores precários; dos novos emigrantes que vi chegarem ao Brasil, a mais bem formada geração de sempre, para darem tudo a outro país; dos muitos leitores que me foram escrevendo nestes três anos e meio de Brasil a perguntar que conselhos podia eu dar ao filho, à filha, ao amigo, que pensavam emigrar.
Eu estava no Brasil, para onde ninguém me tinha mandado, quando um membro do seu governo disse aquela coisa escandalosa, pois que os professores emigrassem. Ir para o mundo por nossa vontade é tão essencial como não ir para o mundo porque não temos alternativa.
Este país é de todos esses, os que partem porque querem, os que partem porque aqui se sentem a morrer, e levam um país melhor com eles, forte, bonito, inventivo. Conheci-os, estão lá no Rio de Janeiro, a fazerem mais pela imagem de Portugal, mais pela relação Portugal-Brasil, do que qualquer discurso oco dos políticos que neste momento nos governam. Contra o cliché do português, o português do inho e do ito, o Portugal do apoucamento. Estão lá, revirando a história do avesso, contra todo o mal que ela deixou, desde a colonização, da escravatura.
Este país é do Changuito, que em 2008 fundou uma livraria de poesia em Lisboa, e depois a levou para o Rio de Janeiro sem qualquer ajuda pública, e acartou 7000 livros, uma tonelada, para um 11º andar, que era o que dava para pagar de aluguer, e depois os acartou de volta para casa, por tudo ter ficado demasiado caro. Este país é dele, que nunca se sentaria na mesma sala que o actual presidente da República.
E é de quem faz arte apesar do mercado, de quem luta para que haja cinema, de quem não cruzou os braços quando o governo no poder estava a acabar com o cinema em Portugal. Eu ouvi realizadores e produtores portugueses numa conferência de imprensa no Festival do Rio de Janeiro contarem aos jornalistas presentes como 2012 ia ser o ano sem cinema em Portugal. Eu fui vendo, à distância, autores, escritores, artistas sem dinheiro para pagarem dividas à segurança social, luz, água, renda de casa. E tanta gente esquecida. E ainda assim, de cada vez que eu chegava, Lisboa parecia-me pujante, as pessoas juntavam-se, inventavam, aos altos e baixos.
Não devo nada ao governo português no poder. Mas devo muito aos poetas, aos agricultores, ao Rui Horta que levou o mundo para Montemor-o-Novo, à Bárbara Bulhosa que fez a editora em que todos nós, seus autores, queremos estar, em cumplicidade e entrega, num mercado cada vez mais hostil, com margens canibais.
Os actuais governantes podem achar que o trabalho deles não é ouvir isto, mas o trabalho deles não é outro se não ouvir isto. Foi para ouvir isto, o que as pessoas têm a dizer, que foram eleitos, embora não por mim. Cargo público não é prémio, é compromisso”.

05
Abr14

Lisboa de pernas para o ar

Ontem, em Lisboa, não se falava de outra coisa: o caos generalizado no trânsito entupiu literalmente a cidade durante a tarde e parte da noite. O que se passara? Nada de novo ou especial: choveu, é principio de mês, o trânsito esteve condicionado em Belém por causa do Rally de Portugal, e houve um ou dois acidentes em zonas estratégicas.
Já sabemos que quando chove os condutores parecem, em geral, baratas tontas sem saber bem o que fazer ao acelerador e ao travão; já sabemos que os acidentes, mesmo quando se trata de um toque óbvio por trás, demoram horas a resolver e ninguém arreda o seu automóvel do local do crime (nunca percebi porquê).
Mas também sabemos que numa cidade com a fisionomia de Lisboa o trânsito é um sistema de vasos comunicantes que lembra a história do bater de asas em Nova York que provoca um terramoto em Pequim… Não é preciso ser especialista na matéria para perceber que as mudanças no trânsito que, nos últimos anos, se fizeram no Marquês de Pombal, na Avenida, na Baixa, no Terreiro do Paço, criaram uma bomba-relógio em toda a cidade. Explode sempre que há um ligeiro contratempo. Dá cabo da paciência de toda a gente, e retira qualidade de vida a quem decidiu viver aqui.
Tenho apoiado formalmente as candidaturas de António Costa - mas confesso a minha desilusão quanto às matérias que se relacionam com o trânsito. Não me lembro de uma cidade civilizada tão caótica quanto Lisboa. Vejo todos os dias a capital tornar-se mais confusa, menos lógica, afunilada e aparvalhada com mudanças que, no mínimo, são ridículas e sem lógica ou sentido. A “rotunda” do Marquês do Pombal e o sentidos do trânsito na Avenida da Liberdade são o ex-libris de uma política desleixada, negligente e sem qualquer espécie de planificação ou estratégia. Como lisboeta, lamento e pergunto-me a quem interessa este caos, esta confusão? Às vezes penso se não haverá infiltrados da oposição junto de António Costa…
Não quero acreditar que o Presidente da Camara tenha decidido, em consciência, dar tiros nos seus próprios pés. Ou que pura e simplesmente se tenha esquecido da cidade que dirige.
Mas tudo isto me ocorre numa sexta-feira negra em Lisboa. E lá volto a pensar em sair daqui, de vez.

01
Abr14

O meu mundo e o dos outros

(Ponto prévio: parabéns à Fátima Campos Ferreira por dedicar um “Prós e Contras” ao “Amor em tempo de Crise”. Gosto de uma televisão que ousa e arrisca - e foi isso que a Fátima fez ontem. A isso chamo Serviço Público de Televisão.)

 

… Agora o resto: ainda que se tenha falado pouco do amor no tempo da crise, falou-se muito de amor, de sexo, de relações. E eu ouvi, sobre o tema, talvez a maior colecção de lugares-comuns que jamais ouvira num tão curto espaço de tempo, dos escritores aos médicos, dos bloguers aos psicólogos. Aprendi zero - ou melhor, percebi que vivo num mundo diferente e bem melhor do que o mundo destes senhores e senhoras, rapazes e raparigas.
No mundo onde eu vivo o amor vive-se, o sexo é a dois, a paixão não tem prazo, as relações não têm regras, o “mapa do corpo” é descoberto a dois, a fantasia faz parte da relação, há espaço para os fetiches, as descobertas, as manias de cada um. Essa é a minha história, e dado que não a faço sozinho, é também a das pessoas que conheci.
No mundo onde eu vivo, e fora do qual não mergulho, o sexo não é bom nem mau - é como o tango, dança-se a dois, e às vezes sou o melhor do mundo, e outras vezes sou o pior.
No mundo onde eu vivo não se dramatiza a eternidade nem as relações que falham, como não se idolatram os casamentos que duram sem que vivam, ou que vivam mesmo depois de morrerem.
No mundo onde eu vivo, os papeis masculinos e femininos não estão assim tão taxativamente escritos como oiço dizer neste programa.
No mundo onde eu vivo, não nos levamos tão a sério ao ponto de definir o que procura quem lê um blog pessoal. Eu não faço a mais pálida ideia do que procura quem me lê - nem ouso ter a soberba e a pretensão de me achar a ultima coca-cola do deserto e descrever num programa de televisão de que “raça” são os meus leitores. Tristeza.
Por fim: no mundo onde eu vivo, não há livros de instruções sobre o amor. E o que eu vi foi uma série de pessoas a debitar partes de um livro de instruções, algures entre um coleccionável de auto-ajuda e um idiota romance cor-de-rosa. Lugares-comuns, sem margem para duvida. Estou quase a concordar com a minha amiga Rita Graña, que há anos me diz: “vence na vida quem ridiculamente se leva a sério, não quem sabiamente se ri de si próprio”.
De uma vez por todas, como a Rita, também eu devo andar no lado errado do passeio.

 

(Já agora: a foto tirei-a numa parede junto à Central Station e foi pintada certamente por alguém que acredita que isto do amor não é tudo legislado e regrado por quem aparece na TV)

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Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

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