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Já não sei se foi aqui, se foi no Facebook, se foi na rádio: em algum lugar em deixei rasgado elogio ao renovado Mercado da Ribeira sob a “batuta” Time Out, e sob o magnifico trabalho dos irmãos Aires Mateus. Não retiro uma linha ao que disse e escrevi, tanto mais que o sucesso popular do espaço sublinha essa fórmula feliz que ali foi encontrada, semelhante à do Mercado de Campo de Ourique - mas, na minha opinião, mais espaçosamente conseguida.
Dito isto, o reverso da medalha: na ânsia de fazer negócio e surfar a onda, nem todos souberam fazê-lo como deve ser. E deixo dois exemplos testados:
Em resumo: tudo em forma no conceito e na ideia da nova Ribeira, mas muito pouco cuidado, rigor e orgulho em alguns dos espaços que contribuem para o bolo.
Remate: um café na esplanada Aloma e um pedido razoável, pelo menos à noite - um whisky. Resposta do empregado: “temos álcool, posso trazer-lhe uma imperial”. A acompanhar um café?
A noticia vem nos jornais de hoje, nomeadamente aqui no Público.
Repito então um post de há dias:
"Quase todos os dias penso nisto: há uma enorme discrepância entre a crise - traduzida tanto em números públicos como na forma como a sinto na pele, com rendimentos que encolheram aos níveis dos anos 80 e praticamente me deixam falido - e as multidões que vejo encherem os supermercados e centros comerciais, ou o parque automóvel que me cerca (pelo menos em Lisboa…).
Nada bate certo nesta crise. Nem o numero de smartphones vendidos, nem os concertos esgotados, nem os estádios de futebol cheios, nem os restaurantes da moda sem lugares vagos, nem o Algarve em alta na Páscoa - e depois, a realidade dos cortes nos salários, nas pensões, os impostos, as taxas, enfim, o que sabemos.
Repito: quase todos os dias penso nisto. E depois leio noticias como esta e começo a perceber: anda meio mundo a enganar outro meio. Fico deprimido mas bem mais tranquilo: não estou enganado, sou apenas um dos poucos otários que vive mesmo do seu trabalho. Quando há trabalho, claro".
Passadas as ondas de choque de eleições que deixaram à mostra as fissuras na (chamada…) União Europeia, que mostraram o triste papel que têm feito os politicos portugueses quanto à nossa relação com essa mesma Europa, e que exibiram sem dó nem piedade o encolher de ombros de uma enorme maioria que diz “nas tintas” e se abstém, é-me sinceramente indiferente uma moção de censura ou a afirmação da legitimidade para governar. Dá igual.
Preferia que esta gente (que manda nos partidos que mandam nisto…) pusesse a mão na consciência e, por um segundo, se interrogasse: “oh meu deus, o que fizemos nós?”.
E se fosse esta gente guiada pela seriedade e dever de serviço publico, que a seguir tivesse a capacidade de reconhecer o erro e começar tudo do principio. É imperioso admitir que estamos perante um falhanço brutal. De politicas, de prioridades, de empenhamento, de verdade. Um falhanço maior do que nós - porque ele envolve toda a Europa, ainda que a Europa seja o melhor que conseguimos nestas ultimas décadas. E é neste paradoxo que está a razão e a solução do problema.
Deixarmos morrer o melhor que conseguimos por não resistirmos ao pior de nós é tão desanimador e triste que apetece mesmo enfiar a cabeça na areia.
Normalmente, é nestes momentos que se vê a fibra dos Homens. Vamos ver quem se chega à frente e começa a refundar o que claramente estamos a enterrar. Vamos ver se é por isso que António Costa acaba de dar um passo em frente. Ou se é apenas mais do mesmo. Vamos ver.
Se estiver, é assim:
Eu votei para eleições europeias, porra!
Votei em branco. Não porque existe um Passos Coelho, um Seguro, ou uma troika - mas porque não me sinto representado na Europa (nem defendido!) por estes partidos, e porque entendo que este modelo de União Europeia merecia ser repensado, revisto e quem sabe refundado. Foi por isso que votei em branco.
Mas passei a noite de ontem a ver o meu voto (e o dos outros meninos todos) usado como arma de arremesso sobre a governação nacional, e ouvi gritar uma vitória do PS (???) numa Europa onde a extrema-direita deu passos consistentes para chegar ao poder (25% em França, 23% na Dinamarca, 22% no Reino-Unido, 20% na Áustria...). Qual vitória, senhores?
Quando vejo recém-eleitos eurodeputados a extrapolar dos resultados conclusões sobre a governação do pedaço, ignorando a real Europa que efectivamente foi a votos, concluo sem mais demoras: esta gente não tem pinga de respeito pelos eleitores, pela Europa, e esquece num segundo aquilo para que acaba de ser eleita. É, portanto, gente pouco apta e ainda menos séria. No fundo, mais do mesmo: gozar com o pagode. Lamentável e triste. Ainda bem que votei em branco. Não havia mesmo alternativa.
Hoje vou votar assim:
E está votado.
Dobrada à Moda do Porto
Um dia, num restaurante, fora do espaço e do tempo,
Serviram-me o amor como dobrada fria.
Disse delicadamente ao missionário da cozinha
Que a preferia quente,
Que a dobrada (e era à moda do Porto) nunca se come fria.
Impacientaram-se comigo.
Nunca se pode ter razão, nem num restaurante.
Não comi, não pedi outra coisa, paguei a conta,
E vim passear para toda a rua.
Quem sabe o que isto quer dizer?
Eu não sei, e foi comigo ...
(Sei muito bem que na infância de toda a gente houve um jardim,
Particular ou público, ou do vizinho.
Sei muito bem que brincarmos era o dono dele.
E que a tristeza é de hoje).
Sei isso muitas vezes,
Mas, se eu pedi amor, porque é que me trouxeram
Dobrada à moda do Porto fria?
Não é prato que se possa comer frio,
Mas trouxeram-mo frio.
Não me queixei, mas estava frio,
Nunca se pode comer frio, mas veio frio.
Álvaro de Campos, Fernando Pessoa
Recebi muitas mensagens, conselhos, recados, palpites. Poupo-vos a lamechice a que cheguei de lágrima ao canto do olho.
Mas se tivesse de eleger um recado, escolhia este, da Margarida Mendes Silva, que é ouvinte do Hotel Babilónia e, tanto quanto sei, não conheço pessoalmente, é a maravilhosa Margarida que nos recebe no Festival das Artes na Quinta das Lágrimas (meu deus, eu e a memória e os nomes...). Foi buscar Agustina Bessa-Luis:
"Aos quinze anos tem-se um futuro, aos vinte e cinco um problema, aos quarenta uma experiência; mas antes de meio século não se tem verdadeiramente uma história.”
Vamos lá então começar a escrevê-la.
Nunca me esqueci de uma cena ternurenta que vi, algures nos anos 90, num filme com a Julia Roberts Michelle Pfeiffer - cujo titulo, para variar, me não lembro.. - em que o casal protagonista, pai de dois filhos, tinha o excelente hábito de perguntar todos os dias, ao jantar, a todos os presentes na mesa, o melhor e pior do dia que terminava.
Adoptei esse principio em casa, mas o caos da vida emocional nunca me deixou ser consistente no projecto. Felizmente, tenho amigas e amigos que seguiram o preceito, que é excelente para aferir vitórias e derrotas, falhas e acertos, nesta vida curta em que nunca sabemos rigorosamente como viver e “dar certo” - e tenho a convicção de que dali se tiram boas lições, ensinamentos, pistas.
Não é segredo para ninguém: fiz na sexta-feira 50 anos e decidi juntar muita gente numa festa. Convidei os meus melhores amigos e amigas (felizmente, tenho um numero generoso, certamente maior do que mereço); pessoas que passaram pela minha vida, de quem gostei, fiquei a gostar, ou me liguei para a vida; e pessoas que, por circunstancias profissionais ou pessoais, encontrei, gostei, e fiquei sempre próximo, mesmo que não íntimo. Tenho uma amiga que costuma dizer, a brincar, “eu não sou oferecida, sou garantida” - pois bem, assim me sinto em relação a algumas pessoas com quem, mesmo sem estar ligado diariamente, me sinto “garantido”. Nesta lista de aniversário redondo, seguramente me esqueci de algumas pessoas, e vou martirizar-me por isso quando me confrontar com esses falhanços…
Adiante.
A confusão, no bar do meu amigo Hernâni, foi geral (ainda bem..), e acabei por passar a noite - qual noivo solitário, sem noiva que me revezasse - a cumprimentar, abraçar, beijar, despedir, de todos os que me deram o privilégio da sua presença. Dancei 10 minutos e bebi metade do que beberia numa noite normal.
Mas no fim, quando cheguei a casa e fui baixar a adrenalina na varanda de onde vejo nascer o sol (quando as noites para aí caminham, raras, e esta foi uma delas…), apeteceu-me voltar, como no filme, ao melhor e ao pior deste dia de fortes emoções.
E o pior foi stressar excessivamente, porque desejei que todos se sentissem bem - e era tão óbvio que isso iria acontecer que foram cabelos brancos gratuitos e desnecessários… (Obrigado João Gobern, cuja musica, para variar, arrasou, fez delirar e deixou em transe quem decidiu dançar…). Ou seja: correu bem (obrigado, outra vez, compadre, obrigado Hernâni!).
O melhor foi conseguir juntar um grupo tão alargado, diverso, realmente próximo, de pessoas de quem gosto e que de mim gostam. Sem cobranças, apenas “porque sim”. É tão bom abraçar ou beijar uma pessoa de quem gostamos mesmo…
Tive os meus amigos e amigas mais próximos, o “nucleo duro”, mas também tive os amigos que “eu-sei-que-estão-lá-quando-é-preciso-e-nunca-falham”, ainda que pareçam mais distantes; e os amigos mais antigos, do tempo do liceu, ou da politica juvenil, ou da TV; e os amigos que só nós sabemos, porque a vida nem sempre permite que sejamos 24 sobre 24 horas, mas nós sabemos que mesmo assim somos…; e os conhecidos que, por afinidade e projectos comuns, sinto como amigos, mesmo sabendo que são bons velhos conhecidos para quem, lá está, sou “garantido”. E até tive os amigos que não puderam estar e sei porquê. Eu sempre fui assim: entre amigos, nada se cobra.
Resultado: gostei de entrar nos 50 anos e ter à minha volta as pessoas de quem gosto a dançar (de novo, graças ao rigor e bom gosto do meu parceiro, sócio, compadre, amigo, João), a rir, a beber, a conversar. Viver é isso e estou mesmo muito grato a todos os que puderam vir, e aos que quiseram vir, mesmo não podendo.
Troquei presentes por doações à Coração com Coroa, fundada pela minha amiga eterna Catarina, e deixou-me feliz saber que houve quem alinhasse na ideia.
Entrei bem nos 50 e vocês comigo. Há melhor? Não. Não há.
Obrigado do fundo do coração. A todos.
O pior que pode acontecer é tomar-lhe o gosto e fazer festas todos os anos, depois de tantos anos sem festa alguma. Se assim for, fica escrito: a culpa é vossa.
(Crónica publicada na edição deste mês da Lux Woman. Excepcionalmente, antecipo-a para fazer coincidir a data...)
Sim, é verdade: faço neste mês de Maio 50 anos. Meio século. Meia vida - ou mais que meia vida, se pensar nos anos que lhe roubei entre vícios, como o tabaco, e prazeres, como o álcool e os fritos. Admitamos então: mais que meia vida.
E no entanto, um terrível vazio na hora de escrever. Não porque não tenha o que dizer, ou não queira dizer, mas porque inadvertidamente me lembrei de um texto notável de Vasco Pulido Valente, publicado na revista “K”, quando ele próprio fez 50 anos. O texto está em livro (“Retratos e Autoretratos") e eu fui buscá-lo. E reli-o. E lixei-me.
Que mais dizer depois do que ele disse? Um bocado quase ao acaso:
“Não há transição. A infalibilidade e a confiança perdem-se de repente. Ontem corria tudo bem, hoje corre tudo mal. Ontem não se fazia um erro, hoje só se fazem erros. A pessoa é a mesma: o corpo e a cabeça. As circunstancias são as mesmas, os outros são os mesmos. Por mais que se procure nada mudou. Só mudou o efeito que se produz no mundo. Um homem deita-se com o mundo aos pés e acorda com ele às costas”.
A imagem do peso e da passagem dos anos. Nada muda, e no entanto tudo muda. Que mais dizer? Que ideia acrescentar? Vasco Pulido Valente encontra aos 50 anos a sua essência: não quer saber do corpo para nada, só quer saber da cabeça, “numa indiferença fingida” - “afinal, a qualquer momento, ele (o corpo) pode acabar comigo”. Leio e reconheço nele uma parte de mim, é um facto, mas essa é a parte a que resisto e fujo, porque não me agrada nem me ajuda. Viver também é escolher entre os vários que há dentro de nós a quererem tomar conta de tudo.
Nessa luta que vou travando comigo próprio, noto uma diferença essencial, aos 50 anos, entre mim e o Vasco: a sua lucidez e conhecimento fizeram-no pessimista - “O mundo está perigoso”, foi ele quem decretou há uns anos -, enquanto a minha ignorância e prolongada falta de lucidez persistem em manter-me optimista. Eu sei que o corpo tem 50 anos - mas eu sinto-o com bem menos anos, mesmo quando ele me tenta acordar para a realidade. Eu sei que a cabeça tem 50 anos - mas a falta crónica de memória, aliada a uma incontornável curiosidade pela vida, não a deixam ter tantos anos. Alinhando com o que escreve o Vasco, mas “à minha maneira”: já não acordo com o mundo aos pés, mas estou longe de acordar com ele às costas. Ainda não estou suficientemente satisfeito para me dar ao luxo de sentir mais que meia vida, até porque não me lembro de parte dela.
Há momentos em que julgo que está tudo no começo. Depois acordo. Há momentos em que sinto a angustia do tempo. Tento adormecer. Não pensar demasiado no passado nem perder muito tempo com o futuro são balanças que se equilibram e garantem um presente que me parece ser eterno, mesmo que pressinta que corre. Regresso ao Vasco: “conta-se com angustia o tempo para trás e, a certa altura, conta-se com terror o tempo que sobra”.
Sim, o tempo. Passa mais depressa do que a minha capacidade de o absorver, de o viver, de o respirar. Não quero cair na tentação de o contar, seja para trás ou para a frente - e na fúria de evitar essa armadilha, tropeço no próprio tempo e, atabalhoado, acabo enrodilhado nele. Resultado: sinto que passa, mas sinto que corro ao seu lado, que tento não o perder da vista nem do coração.
Infantilmente, acabo por reconhecer que tenho orgulho em chegar aos 50 anos. Em ter conseguido chegar. Muitos ficaram pelo caminho, desistiram, conformaram-se, amoleceram. Deixaram de viver ou deixaram-se viver. Podem ter 45 ou 55 ou 60, que é igual, podem estar por cá ou ter partido - em todo o caso, arrumaram as botas.
Eu não arrumei as minhas. Talvez seja por isso, mais do que por causa do texto genial do Vasco Pulido Valente, que tenha agora dificuldade em escrever sobre esta mais que meia vida.
No fundo, só tenho duas certezas neste preciso momento: não, a vida não começa aos 50 anos. Mas também não acaba.
E uma linha na agenda dos dias: tenho tanto para fazer.
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