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Pedro Rolo Duarte

29
Mar15

Julgar

Não consigo aceitar, entender ou sequer encontrar uma lógica para o que terá levado o copiloto da Germanwings, Andreas Libitz, a cometer o crime que presumivelmente cometeu. Não se pode falar em suicídio quando, além do suicida, se matam deliberadamente 150 pessoas.
Mas, por outro lado, também não me sinto capaz de julgar um homem cuja cabeça já não podemos sequer avaliar. Não consigo imaginar o desequilíbrio, a disfuncionalidade, o grau de loucura que o levou a um acto desta natureza. Está para lá da minha capacidade de entendimento - logo, por consequência, de julgamento.
No encontro entre estas impossibilidades, e pensando nos mortos e nos seus familiares, só consigo admitir que é necessário ter perdido definitivamente a bússola da vida para se chegar a este extremo. E dar graças pelo facto da maioria de nós ter, durante a maior parte do tempo, e sempre que essencial, a bússola da vida no lugar certo.
Infelizmente, o mundo é feito e comandado por pessoas. Felizmente, o mundo é feito e comandado por pessoas. Nunca sairemos desta equação.
Só podemos tentar que a aritmética das vidas tenha todos os dias um resultado mais próximo do resto zero.

25
Mar15

A proporção da felicidade

(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman. A edição de Abril saiu hoje e é especial: 14 anos de vida!)

A ideia de felicidade, como a ideia de bem estar, está sempre em cima da mesa: todos desejamos esse patamar, lutamos e vivemos uma vida inteira procurando chegar a um lugar onde nos sintamos, por fim, em paz. Isto é, felizes.
Reparo, porém, que essa ideia varia de pessoa para pessoa, em função da sua condição, dos seus valores, da sua cultura. Por mais que nos possa fazer confusão a forma aparentemente caótica e pouco higiénica como se vive em países com outras culturas, como a India, é óbvio que boa parte daquela população é feliz na sua condição, e não se vê como nós a vemos. Nem aspira ao que aspiramos.
E esta diferença, que sabemos estabelecer entre povos, nem sempre sabemos aplicar ao nosso próprio mundo.
Quando estalou a crise no grupo Espirito Santo (como sempre que há um facto que abala o mundo financeiro), houve em sequência um vasto sector da opinião publica que comentou de forma simples: “os que eram ricos ficaram apenas um pouco menos ricos”. É comum ouvirmos a frase “não tenhas pena deles, que ainda lhes sobra muito”. Até quando a Troika andou por cá e o Governo apertou o cinto dos portugueses quase até à asfixia, havia quem dissesse “eles aumentam impostos porque ganham tanto que não lhes toca o aperto”. Admito que tudo isto seja verdade. Mas, na proporção das ambições e exigências de cada um, podemos admitir que a infelicidade que atinge o milionário que perde um milhão não é muito diferente da que atinge o trabalhador a quem tiram 10% do seu vencimento mil eurista. Não questiono que o trabalhador sinta mais na pele ou seja mais prejudicado na sua qualidade de vida - mas não deixo por isso de reconhecer que ambos, na proporção da sua ideia de felicidade, sofrem com este facto.
E se é polémica esta ideia num país que vive, deprimido, uma crise que parece nunca mais acabar, gostava de a estender ao resto da vida. Porque também no amor - e era aí que queria chegar… -, a proporção da felicidade mede-se mais pelo que já vivemos e sentimos do que pelo que encontramos de seguida. Quem pode viver um amor suave e mediano depois de um grande e profundo amor? Quem pode ver paixão num entusiasmo puramente fisico depois de sentir o arrebatamento de uma paixão que tudo devora e leva à frente?
O principal drama de quem já amou, é voltar a amar. O pior de quem já teve é ter deixado de ter e sentir essa diferença, esse declive, esse desconforto. Talvez por isso, as conversas sobre as relações amorosas - e mesmo os livros, as teorias, os conceitos dados como adquiridos - morrem na praia das expectativas de quem obviamente não viveu o mesmo amor do vizinho do lado. As ideias feitas, os livros de auto-ajuda, os conselhos amorosos a granel, as modas, procuram tornar igual o que é sempre diverso, e fazem do sentimento único um sentido unico. Nunca é.
Não é fácil aceitar e respeitar essa diferença - mas se cada um de nós conseguir relativizar o mundo que o rodeia e, nessa medida, entender a proporção da felicidade em todas as suas dimensões, do bem estar ao amor, dos desejos aos sonhos, das ambições à cultura, vamos ser todos um pouco mais felizes. Porque a desgraça que nos bate à porta tem o peso que lhe damos, sim, mas também tem a relatividade de tudo o que já vivemos e do que sonhamos viver. Na proporção da vida de cada um, desgraça e sorte podem ter o mesmo peso, e ambas navegar nas águas da infelicidade. Quem sabe o que faz feliz o vizinho do lado? E por que raio a galinha da vizinha aparenta ser melhor do que a minha?
Não é. A galinha da vizinha é apenas a galinha dela. Na sua proporção. Que não é a nossa. Ser feliz é, digo eu, encontrar a proporção certa para cada um de nós. E viver com ela.

24
Mar15

Sinais do tempo que passa

IMG_7651.jpg

Apanhei no sempre excelente “The Observer” desta semana a pré-publicação e um artigo sobre o livro que o fotojornalista Will Steacy publica por estes dias na sequência de um projecto de longo alcance: durante cinco anos, Steacy fotografou, sem qualquer espécie de restrição, a redacção e a gráfica do jornal The Philadelphia Inquirer - 150 anos de vida, um velho colosso do jornalismo norte-americano, com mais de 20 prémios Pulitzer ganhos, que neste curto período de tempo (os últimos cinco anos) foi ferido pela crise do jornais diários em papel, deixou o seu gigantesco edifício-sede, apelidado de “Tower of Truth”, para se instalar num modesto terceiro andar de um edificio banal, e sobrevive com as limitações que fazem do jornalismo dos dias que correm uma espécie de oficina de artesanato de luxo…
O declínio do jornal, que o fotógrafo documentou, constitui o exemplo de um tempo em que o papel diário impresso se perde na vastidão do império virtual da rede. Stacy defende o que todos defendemos: de nada serve o jornalismo se as palavras que o servem não puderem servir a todos. De nada serve um jornal sem pessoas que o leiam.
Parece que a “Tower of Truth” vai ser um casino. o The Philadelphia Inquirer continua em jogo, mas a perder todos os dias.

(A fotografia que roubei ao Observer e “instagramei" junta em sequência o mesmo ponto de vista da redacção da esquerda para a direita, e de cima para baixo, em 2009, 2010, 2012, e… hoje)

19
Mar15

Já venho

nuvens.jpg

Fazer como Saramago: "ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, ver na Primavera o que se vira no Verão, ver de dia o que se viu de noite, com Sol onde primeiramente a chuva caía, ver a seara verde, o fruto maduro, a pedra que mudou de lugar, a sombra que aqui não estava".

Sair daqui e ver.

 

(foto descaradamente roubada à A.)

14
Mar15

Desabafo rápido

É muito irritante esta coisa de qualquer pessoa nos poder envolver num grupo de Facebook sem que quase se dê por isso. Uma pessoa cria um grupo de apoio ao grelo-de-nabo, envolve os seus amigos, e já está... Acabo de descobrir que estava - já não estou, óbvio - num grupo que defendia a libertação imediata de José Sócrates. Ora, não apenas não defendo, como também não estaria envolvido num grupo que defendesse a prisão do "animal feroz". Acho absurda e ridicula a criação de grupos de "apoio" ou "desapoio" ao ex-primeiro-ministro.
Defendo justiça. Acredito que está detido preventivamente porque reúne, do ponto de vista legal, as condições que determinam essa medida de coacção. E também acredito que será julgado de forma séria, honesta e sob o rigoroso escrutinio da lei.
Dito isto, o essencial: não alinho em grupos. Já estou como o velho Pinheiro de Azevedo nos idos de 75: "é que não gosto que me sequestrem, irrita-me!"...

09
Mar15

Dias que passam

Não querendo colar-me ao meu “café da manhã” da imprensa - que são as crónicas do Miguel (Esteves Cardoso) no Público -, quer-me parecer que o mais relevante do fim de semana foi mesmo a meteorologia: regressou o Sol, o céu limpo, o calor. Ele, o Miguel, escreveu:
O céu tem estado. O mar está cada vez mais. Até o céu de noite, de tão aceso por todas as estrelas, com a lua cada vez maior e mais amarela, também tem sido. Azul. Azúis. Graças ao sol que, sem nunca se ter ido embora, conseguiu dar a impressão de ter voltado não só depois de longa ausência como para sempre”. Depois falou, cheio de razão, sobre cães e a merda que os donos deixam nas praias, sem dó nem piedade…
Seguindo.
Pena a água do mar estar gelada a um ponto insuportável mesmo para quem, como eu, gosta de dizer, quando vai à praia: “não estou cá para outra coisa: mergulhar”…
… Não mergulhei. Primeiro objectivo: falhado.
Mas, ao fechar os olhos e estender o corpo ao Sol, ao lado da A., e sentir o prazer do momento e a falta que me faz a praia todos os dias do ano, não deixei de pensar na caótica e tantas vezes absurda forma como ordenamos os pensamentos de cada dia, privilegiando o lixo sobre o luxo, o mau sobre o bom, o irrelevante sobre o que releva.
Luxo, bom e relevante, é este sol e este clima num dia do começo de Março. Lixo, mau e irrelevante é a forma como se começa a desenhar a campanha eleitoral, em cima da espuma, fugindo ao essencial.
Se eu fosse Pedro Passos Coelho, já me tinha demitido - mas talvez por isso, nunca me passou pela cabeça “fazer carreira” na politica, sou capaz de perceber e aceitar os inaceitáveis erros que tem cometido, e nem consigo dar-lhes a importância que tantos julgam ter. Ao contrário, falando em assuntos mal explicados, aí sim, as malas de notas por explicar que abalam, mesmo que não cheguem a condenar, José Sócrates (exemplar, de passagem, o dossier da última edição da Sábado, talvez o melhor e mais esclarecedor trabalho sobre a matéria até hoje publicado), incomodam-me e deixam-me “abazurdido”: aquele homem foi primeiro-ministro de Portugal tempo demais para tamanha dose de sarilhos. Quantas pessoas sérias e competentes terão perdido tanto, ou mesmo tudo, por cada tanto que ele terá ganho, se se provar que assim foi?
Entre um caso, o de Sócrates, e o outro, de Passos Coelho, vai a distancia do tempo que faz ao tempo que nos falta. Queremos mais Verão ainda antes da Primavera, e vamos lamentar tanto calor quando nos faltar um pouco de fresco.
É sempre assim. Ou como dizia Pessoa, aliás Caeiro: “Um dia de chuva é tão belo como um dia de sol./ Ambos existem, cada um como é”. Pois. O problema é mesmo esse: não aceitamos as evidências, mesmo quando existem. Os dias não são todos iguais.

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Blog da semana

Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

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Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira

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