Talvez a expressão que mais me encanita quando se fala da crise grega seja esta: “os mercados estão nervosos”. A ideia de umas figuras nervosas - só podem ser pessoas, as máquinas não se enervam, nem as calculadoras, nem as caixas multibanco… -, todas ao mesmo tempo e à mesma hora, é por um lado assustadora, mas por outro dá vontade de rir. Quem são os mercados? A que café vão? Têm nome próprio? Foram eleitos por nós? Se são eles que efectivamente mandam nisto tudo, porque não são ministros e presidentes e primeiros-ministros? Não seria altura de nos deixarmos de tretas sobre esta coisa da democracia e entregarmos de vez o ouro ao bandido - isto é, o poder aos tais mercados? Onde é que andam o Victan, o Bromalex, o Xanax, entre tantos bons produtos inventados para estas ocasiões, agora que são tão necessários para os acalmar? Sinceramente, cada vez percebo menos. Cresci a ouvir falar de democracia e solidariedade, voto de quatro em quatro anos, tenho de aturar aqueles em que não votei em nome de um regime de liberdade e respeito, mas depois acontece qualquer coisinha menos óbvia e é o nervoso dos mercados que manda nisto tudo. O Passos não fica nervoso, nem o Cavaco, nem o Costa - são os mercados. E lixam tudo e todos com a nervoseira. Dá para trazer os mercados para esta coisa da democracia e sabermos quem são e como se vota - ou não… - neles?
(Crónica originalmente publicada na revista Lux Woman. A deste mês saiu hoje e está linda...)
Terá sido de propósito? Não sei. Mas é verdade: na mesma semana, uma noticia de jornal revelava um estudo segundo o qual os adeptos do Benfica eram potencialmente mais infiéis do que os dos outros clubes, enquanto uma revista lançava no Facebook um inquérito para tentar apurar qual o melhor bairro de Lisboa no que à sexualidade diz respeito. Praticada ou para praticar. Juro. O inquérito da revista era mais brincalhão e falava da “casa dos bicos”, dos queques de Alvalade, do sexo nos Anjos, e até gozava com os inquéritos deste género, perguntando sobre o volume de respostas falsas que cada um dá (nomeadamente quando se pergunta sobre performance e sucesso sexual…). Já o estudo que vinha no jornal não era, ao contrário do que supus numa primeira leitura, sobre infidelidade ao clube, mas sobre infidelidade conjugal. Tínhamos então o Benfica no topo da tabela, seguido do Porto e do Belenenses. Os apaixonados da capital do móvel, Paços de Ferreira, eram os mais fieis às suas e seus companheiros… Na minha qualidade de Benfiquista, não gostei, até porque tenho da fidelidade uma ideia que está para lá da sua identificação sumária. Acho, sempre achei, que ser fiel é uma das formas de respeitar quem está connosco e de nos respeitarmos a nós próprios - logo, é uma das muitas maneiras de sermos verdadeiros, sinceros, sérios. Não menosprezo nem diabolizo o desejo que em dado momento possamos ter por outra pessoa, que não aquela com quem estamos, mas persisto em argumentar que isso se “resolve” da forma mais simples e prática: deixando a mulher/homem com quem se está. Parece simplista mas não é. No dia em que uma terceira pessoa consegue entrar no nosso mundo emocional, algo está errado no quadro conjugal e é melhor desmontar a tenda, mesmo que mais tarde se volte a tentar montar. Nada mais a acrescentar. Quanto ao inquérito dos bairros, percebi logo que Alvalade ía perder a corrida - e isso irrita-me, dado que é o meu bairro de sempre. Para mais, sendo lisboeta, sou um pouco “sem terra”, ao menos que possa ser um pouco bairrista… É claro que depois parei para pensar um segundo e reconheci o ridículo da questão: quero eu, homem de Alvalade, que este bairro seja conhecido pela sua potência, apetência, ou mesmo voragem sexual? Oh meu deus, o mundo está perdido! Mas não está. Felizmente, não está. Em ambos os casos, estamos a brincar com o que foi tabu tempo demais - a sexualidade, o sexo -, e em nenhum deles vulgarizámos o tema. Perguntei-me sobre se isto eram sinais de maturidade ou de banalização - e parece-me óbvio que, mesmo que em ambiente de brincadeira, é de maturidade que se trata. Capacidade de brincar com o sexo sem cair no estereótipo das diferenças entre homem e mulher, sem sexismos idiotas, sem preconceitos ultrapassados. Ser capaz de brincar com os assuntos ligados ao sexo, não ser taxativo sobre o assunto, parece-me o melhor caminho, ainda que frequentemente tenha a tentação de pensar que banalizamos tudo (o que vale é que logo a seguir acho que amadurecemos…). Tenho com este tema a mesma relação que tenho com o próprio sexo: quando termina, está apenas a preparar o recomeço. Eu brinco e vejo o humor como lubrificante de todos os temas, todos os tabus. Mas respeito quem pensa de modo diferente e prefira manter alguns assuntos na prateleira dos intocáveis. Na duvida, talvez o melhor dos dois mundos: reduzir o Benfica ao futebol, o bairro onde vivemos ao nosso código postal, e deixar o sexo onde ele deve estar: algures entre a cabeça, o coração, e o resto do corpo.
O melhor parágrafo que li esta semana. No Público, palavras de James Salter ditas a Isabel Lucas. Sábias palavras: "a nossa vida acaba por ser só memória. Está sempre a ir embora a todo o tempo, a mudar". Tão verdade.
Imaginemos que eu teria uma série chamada “Posts que Nos Fazem Mudar de Ideias”. A Ana Santiago seria responsável por uma mudança de ideias com este, que li no Facebook dela: “Um dia vou contar aos meus netos, ou aos netos dos outros vá, que cheguei a trabalhar neste evento. Na altura achava que não era das melhores ideias da CML.... embora fosse sempre um dia divertido, apesar de desgastante. Hoje acho que é um acontecimento bonito da cidade, feito com amor por uma equipa dedicada da CML e com muitos apoios de empresas. O que é certo é que eu não me livro das noivas de Santo António, porque elas passam todos os anos à porta da Startup Lisboa, na Rua da Prata. As pessoas adoram, os turistas acham que somos doidos e é uma festa. E isto chega-me. Parabéns Lisboa!” Li este post. Vi as fotografias. No Telejornal, vi a reportagem e a felicidade deles e delas, os que agora casaram mas também os que já levam dezenas de anos sobre o casamento. Confesso: comovi-me e mudei de ideias. Perdi a arrogância snob e parva de achar aquela uma cena pirosa na cidade. Aquelas pessoas amam-se e exibem o seu amor publicamente, no dia de Santo António, na sua cidade. Piroso sou eu, que me armo em carapau de corrida e gozo o que se calhar apenas invejo. Fiquemos por aqui, que chega de desabafo.
Não há Verão em que não me lembre deste lugar, da Maria da Luz, e das tardes passadas entre caipirinhas e as mais maravilhosas sanduíches de pasta de atum. O meu filho “nasceu” aqui e aprendeu o sabor da melhor fruta nos copos de sumo que devorava diariamente. Em 2001, de uma forma baixa a rasteira, sem aviso prévio, o bar da Luz foi destruído. Com ele, foi um bocado de mim. E foi quando percebi que, mais tarde ou mais cedo, a Zambujeira deixaria de ser o meu poiso de Inverno e de Verão. E deixou mesmo.
Confesso: sou contra a privatização da TAP por razões mais emocionais que racionais. Nessa medida, dou o beneficio da duvida e não consigo ter um raciocínio que valha a pena postar. (É nestes momentos que penso na liberdade de um blog: nada nem ninguém me obriga a tomar posição. Sou ateu no processo TAP).
Gostava de gostar que o meu filho estudasse e ficasse por cá. Não gosto de gostar de o ver sair daqui para fora e ser mais feliz fora de Portugal. Gostava que o país me deixasse ser-lhe mais util e dar-lhe mais do que dou. Gostava que o meu país soubesse dizer “Obrigado” a quem lhe dá o que tem. Não gosto de ver o meu país desprezar quem lhe deu tudo ao longo de toda uma vida. Gostava de ver correspondência entre esta luz, este sol, esta paz, e o sentimento interior de quem aqui vive. Não gosto de ver um país de fachada lavada e interior sujo. Gostava de ver Portugal mais português. Gostava de não encolher os ombros quando se fala de Portugal. Gostava de gostar ainda mais de ser português. Ou pelo menos de ter razões para isso.
Agora, que já passaram alguns dias, consigo escrever sobre aquilo a que assisti, em pouco tempo, no enterro da sua mãe: a vida, a lucidez, o sentido de observação e as lições imediatas que o meu amigo maior Miguel Esteves Cardoso conseguiu tirar, racionalizar, verbalizar e partilhar com os que o rodeavam, por breves instantes que fossem, fizeram com que aquele momento triste e sem jeito se transformasse em vida para lá da morte, em prolongamento e consequência, em sentido mesmo do que por natureza não tem sentido. Conseguimos rir, chorar, comover-nos. Conseguimos sentir leveza no peso, e perceber o peso na aparência da leveza. O Miguel ensina-me na presença e na ausência. Ajuda-me, com a sua atitude, a relativizar as coisas e colocá-las no seu devido lugar, como a dar peso e consistência ao que tantas vezes nos passa ao lado. É tão precioso que não tem valor. E estamos juntos tão menos vezes do que ambos precisávamos. Somos parvos e vamos arrepender-nos. Mas até com isso somos capazes de rir: “à quarta, à uma da tarde, no Saraiva de Nafarros, sempre marcado - quer estejamos ou não. E nenhum de nós tem de avisar o outro”. Só estivemos uma vez, e a combinação semanal tem pelo menos dois anos. Quando o pai dele morreu, alguns anos depois do meu, ele disse-me e escreveu: “quando morre o nosso pai, começamos a morrer um bocadinho”. Tinha razão. Mas ambos sabíamos que quando nasce um filho, renascemos outro tanto. E neste balanço que aqui nos traz, o que fica é exactamente e apenas o que vivemos e ninguém nunca mais nos tira. Nem a morte. Na quarta-feira, ao ouvir o Miguel falar dos últimos dias da sua mãe, sentia-a mais viva na voz dele do que nunca. É o que fica. É o que interessa. E não passa.
(Desde que o Luís Represas pegou numa letra minha, a gravou e cantou, ensaio mil letras de canções. Esta nunca vai ser. Por isso me apetece deixá-la aqui. Chamar-se-ía "Caneta"..)
Tenho uma caneta que não me obedece Pensa livremente o que lhe apetece
Escreve o que jamais pensei Pensa o que não quero pensar Tenho uma caneta que não me obedece Não sei que volta lhe dar
Já escreveu cartas de amor a mulheres que nunca amei Já me reconciliou de vez com quem de vez me zanguei. Há dias escreveu ao Presidente Mandou-o pra outra banda Envergonhado, pedi desculpa A minha caneta irritou-se Escreveu-me nas costas: “És fraco, desanda!”
A minha caneta não me larga Não ata nem desata Gosta de mim quando lhe pego Dá-me patadas quando lhe escrevo E no fim de tudo, quando adormece Pede-me uma tampa para não secar E promete escrever-me sem apagar
Tenho uma caneta que não me obedece Pensa livremente o que lhe apetece
Blog da semana
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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