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Pedro Rolo Duarte

29
Jul15

O problema sem solução

A preparar um programa onde se falará dos 50 anos que este ano passam sobre a morte de Winston Churchill, encontro uma citação sua que tem de genial a inteligência sintética e a capacidade de antecipação do drama de regime que hoje vivemos. Disse:
“A desvantagem do capitalismo é a desigual distribuição das riquezas; a vantagem do socialismo é a igual distribuição das misérias”.
Churchill foi visionário num tempo de verdades taxativas. Como bem sabemos, ter razão antes de tempo, em política, é em geral perder a razão no imediato.
50 anos depois da sua morte, basta olhar à volta para perceber o sentido das suas palavras. O acerto de um problema sem solução.

27
Jul15

Nunca me canso das estradas do Alentejo

alentejo.jpg

Nunca terminam nem começam. Vão em frente mesmo quando curvam. Dão espaço. Dão tempo. E são parecidas com a vida: vão-se percorrendo, aqui e ali com uma surpresa inesperada; quase sempre até onde a vista alcança; mas enganadoras, às vezes não deixam ver para lá da curva.
Nunca me canso das estradas do Alentejo, porque me sinto em casa quando as percorro. Como se nunca as tivesse abandonado.
Não é verdade, mas parece.

25
Jul15

Ter e não ter

Digitalização 1.jpeg

Há exactamente 15 anos, depois de todo o processo de construção (de raiz), dormi aqui pela primeira vez. Lembro-me bem da emoção da primeira noite.

Uns anos mais tarde, mais ou menos por esta altura, dormi aqui pela última vez. Lembro-me de misturar desordenadamente alívio e tristeza.

Olho hoje para esta imagem com distância, e sentido relativo: morremos, e as paredes ficam para lá de nós. Leio Schopenhauer em 'A Arte de Ser Feliz' e deixo-me a pensar, enquanto procuro outras paragens...

"Precisamos de tentar chegar ao ponto de ver o que possuímos exactamente com os mesmos olhos com que veríamos tal posse se ela nos fosse arrancada. Quer se trate de uma propriedade, de saúde, de amigos, de amantes, de esposa e de filhos, em geral percebemos o seu valor apenas depois da perda. Se chegarmos a isso, em primeiro lugar a posse irá trazer-nos imediatamente mais felicidade; em segundo lugar, tentaremos de todas as maneiras evitar a perda, não expondo a nossa propriedade a nenhum perigo, não irritando os amigos, não pondo à prova a fidelidade das esposas, cuidando da saúde das crianças etc.
Ao olharmos para tudo o que não possuímos, costumamos pensar: 'Como seria se fosse meu?', e dessa maneira tornamo-nos conscientes da privação. Em vez disso, diante do que possuímos, deveríamos pensar frequentemente: Como seria se eu o perdesse?"

 

24
Jul15

Fim de ciclo

Está a terminar o fim de uma legislatura. Está no ultimo ano o tempo deste Presidente (talvez o pior PR desde 1975, acho eu…). Termina um ciclo que foi duro, penoso, e em que até o regime foi posto em causa. A bem dizer, tudo foi posto em causa, mesmo que nada tenha sido mudado.
Podia ser um bom momento. De renovação, de mudança, de crédito.
Infelizmente, parece que vai ser um momento de aparências e raras evidências. Lembro-me da “Vida Real” de Sérgio Godinho:
“Na vida real as aparências
estão do outro lado do espelho
na vida real não me assemelho
à simulação das aparências”
Acho que é isso. Tudo mudará, para que tudo fique na mesma. Ou talvez nem mude, o que sendo pior, é na verdade igual.

22
Jul15

Gritos mudos *

(Crónica originalmente publicada na Lux Woman. A deste mês saiu hoje e a Cláudia Vieira está linda...)

Foi há quase vinte anos. Queria à força ser independente, dono da minha vida, do meu destino, e saí de casa dos meus pais para viver sozinho numa casa alugada em Almoçageme, perto do mar da Praia Grande, que foi o mar da minha infância e juventude. Não durou muito tempo essa solidão - que nem sabia, em rigor, se desejava. Poucos meses depois apaixonei-me e vim viver para Lisboa, para o apartamento da namorada, que era mais velha e já tinha um filho. Não foi um começo de vida fácil para um miúdo de vinte e poucos anos - mas foi seguramente apaixonado.
O apartamento onde vivíamos, apesar de recente, não tinha muita qualidade. Bastava algum vizinho falar um pouco mais alto e, por entre condutas de ar e respiradouros de casa de banho, ouvíamos quase tudo o que se dizia. Para o melhor e para o pior.
Certo dia - um domingo ao final da tarde - estava sozinho em casa, e oiço o começo de uma discussão entre marido e mulher. Não demorei a perceber que se passava no apartamento mesmo ao lado do nosso. O que começou numa discussão tensa rapidamente se transformou numa gritaria - e daí a uma soma de ruídos estranhos, violentos, que tanto podiam ser agressão como apenas objectos a serem atirados pelos ares. Nunca mais esqueci os gritos da mulher: “Tens o diabo no corpo, tens o diabo no corpo!”. Confesso que, num primeiro momento, fiquei confuso sobre o que devia fazer. Depois, como se fez silêncio e não ouvi mais nada, nada fiz. No dia seguinte, falei com um advogado meu amigo, que pouco acrescentou à minha confusão e duvida: chamar a policia? Violação da privacidade? Ter problemas com a vizinhança? Que sabia eu daquele casal? O conselho não andou longe do “não te metas onde não és chamado”. Uns meses mais tarde, deixei de viver ali e nunca mais soube daquele casal - ele, um homem de farto bigode, que passava tardes na tasca em frente a casa a beber imperiais; ela, uma mulher sem história das tantas com quem nos cruzamos nos dias que passam.
Sempre que se fala de violência doméstica, que se denunciam maus-tratos, que os jornais relatam as mortes consecutivas, os casos “assinalados” que afinal não foram “assinalados” para nada, recuo a esse tempo em que a lei não estaria do meu lado se eu denunciasse o que tinha ouvido, em que o tema não era de debate publico, em que mesmo uma pessoa mais ou menos informada não sabia como lidar com um caso concreto - e pergunto-me como é possível termos evoluído tão pouco ao ponto de 40 mulheres portugueses terem sido mortas em situações de violência domestica em 2014, e esse numero não ter tendência a diminuir - pelo contrário - neste ano de 2015.
A legislação mudou e melhorou. Em teoria, a sinalização de casos iniciais deveria prevenir consequências gravosas. O tema ganhou espaço no debate publico e não é hoje mais, como no tempo do episódio que relatei, algo difuso e pouco claro. Mas nada disso mudou a essência do que senti naquele dia, naquela casa, sozinho, e sem saber o que fazer: a impotência perante a monstruosidade de uma violência dentro das quatro paredes da conjugalidade.
Se fosse hoje, sabia bem o que fazer. E faria. Pergunto-me porque raio tanta gente não sabe nem faz o que tem de fazer quando tudo está à vista nos gritos que atordoam uma noite, nos sinais exteriores dessa violência abjecta, ou na queixa que se apresenta numa esquadra de policia. Mudou quase nada para quase todos. Para mim, com esse eco dos gritos daquela mulher ainda nos ouvidos, mudou tudo. Nunca mais foram “gritos mudos”.

* Titulo de uma canção dos Xutos & Pontapés que não tem relação com este tema. Ou talvez tenha: “Gritos mudos chamando a atenção/ Para a vida que se joga sem nenhuma razão”

21
Jul15

Tudo o que a Europa nunca foi

- Um projecto onde seis países constituem um executivo que manda nos restantes 22 países.
- Um projecto onde o Eurogrupo só junta 19 dos 28 países que constituem a presumível União Europeia.
- Um projecto onde os países ricos obrigam os países pobres a empobrecerem mais para terem direito a existir na putativa União Europeia.
- Um projecto onde aparentemente somos todos iguais, mas verdadeiramente uns são mais iguais que outros.
A Europa não existe. Qual é a parte desta frase que ainda andam a fazer de conta que não viram?

20
Jul15

O mar não tem fim (nem começo)

 Esta história do surfista e do tubarão fez-me lembrar uma mulher que um dia me disse que jamais mergulhava no mar porque nunca sabia se iria ser atacada ou não por um tubarão.
Sorri, claro.

Perante os meus argumentos sobre a circulação das diversas espécies no mar, sobre águas frias e quentes, sobre a proximidade à terra, enfim, tudo o que nos leva a mergulhar no atlântico sem receios, ela desferiu o argumento fatal:
- Pedro, o mar é o único meio, neste planeta, que não tem barreiras, fronteiras ou qualquer forma de controlo territorial. Em teoria, o Pedro tem razão. Na prática, um tubarão pode chegar à Caparica…
Continuo a mergulhar na Caparica, como fiz ainda há poucos dias. Mas que ela me deixou a pensar, deixou…

19
Jul15

Um génio

Benjamin_Clementin_3252748b.jpg

Estou farto de repetir isto: quando alguém escreve o que escreveríamos, melhor do que conseguiríamos, e antes de nós, o que nos resta é citar. Aconteceu mais uma vez, desta vez com um post do Diogo Leote no blog “Escrever é Triste”. E escreveu ele aqui:
“Nenhuma alma com um mínimo de sen­si­bi­li­dade pode ficar indi­fe­rente à geni­a­li­dade de Ben­ja­min Cle­men­tine. Repito: Cle­men­tine, ex–home­less senhor de uma voz colos­sal vinda das entra­nhas de uma ado­les­cên­cia difí­cil, pia­nista auto­di­dacta tão ou mais exí­mio do que o mais qua­li­fi­cado dos pia­nis­tas clás­si­cos, com­po­si­tor e letrista das suas bri­lhan­tís­si­mas can­ções de soli­dão e deses­pero, é um génio abso­luto, e o seu pri­meiro e único álbum até à data, At Least For Now, é uma obra-prima intem­po­ral, que, depois de nós, os nos­sos filhos, netos, bis­ne­tos e por aí fora ouvi­rão até à exaus­tão, este­jam onde esti­ve­ram, mesmo que num pla­neta dis­tante”.
Foi exactamente o que senti quando ouvi pela primeira vez Ben­ja­min Cle­men­tine. E era o que escreveria, se o Diogo não tivesse escrito. Ainda bem que escreveu.

14
Jul15

Diálogo de surdos (ao cuidado da GALP)

Então chego à bomba e digo apenas “50 euros gasóleo”. Acrescento “factura com contribuinte” enquanto vou saindo do carro. Nada de novo.
Quando olho para o abastecedor, percebo que me estão a pôr “Hi gasóleo” em vez de “gasóleo simples” - mais barato - e faço um comentário…
- Eu pedi gasóleo, não pedi gasóleo “hi”…
O rapaz da bomba não gosta do comentário…
- O sr. pediu apenas gasóleo. Para nós, é gasóleo normal, que é este que estou a pôr…
- Não, digo eu, se peço apenas gasóleo, estou a pedir o simples, o mais barato, senão pediria “hi gasóleo”…
- O cliente não tem sempre razão, diz ele; se quisesse simples, devia ter dito. Se não diz nada, é este, o normal…
- Ok! Nesse caso, responda-me a esta pergunta: se para si o gasóleo normal é esse, mais caro, e que tem um “hi” escrito antes, porque motivo não tem a palavra “normal” escrita depois da palavra gasóleo? O “normal” não tem palavras extra, o simples tem escrito “gasóleo simples” e é mais barato…
- Não tem escrito porque é o “normal”.

 

E a conversa ía continuar por ali fora, distinguindo “simples” de “normal” e ignorando o tal “hi” que faz daquele gasóleo o mais caro na oferta actual. Percebi que era conversa de surdos. Também percebi que não deveria voltar àquela bomba.
Mas agora já sei: quando dizemos apenas a palavra “gasóleo”, estamos a pagar mais. Se quisermos pagar menos, temos de dizer “gásoleo simples”.  Se a moda pega, em breve pedimos um bitoque num restaurante e custa-nos 10 euros - mas se pedirmos “bitoque simples” fica em 8 euros…
Conclusão: é cada vez mais complicado viver em regime de poupança. Há sempre alguém que faz dos cêntimos a diferença entre “simples” e “normal”. Não consigo distinguir, mas a GALP deve saber.

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Blog da semana

Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

Uma boa frase

Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira

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