Um bocadinho de sorriso que morre
Já tinha dado a cara em televisão sob o olhar do Fernando Matos Silva. Mas era tudo gravado, em filme, ambiente controlado. Quando me tocou o primeiro directo da vida, no canal 1 da RTP, às sete da tarde, todos os dias, estremeci, hesitei, e comecei a pôr problemas, condições e “ses”. Com uma infinita paciência, o então director de programas Carlos Pinto Coelho aguentou-me…
Até ao dia em que conheci o Fernando Ávila. Setembro de 1988. Aquela energia boa e contagiante, aquele humor irresistível e cheio de razão - “ouve, se a VT falhar… estás calçado, não estás? É fácil: fazes sapateado!” - e uma capacidade de ser, a um tempo, o amigo e o colega, levaram-me à rendição. Ficámos amigos e cúmplices para sempre. E atirei-me de cabeça.
Hoje, tenho a certeza de que a minha vida profissional não teria sido a mesma sem a personalidade, a amizade e o talento do Fernando - como sei que aprendi com ele a converter os entraves diários em meros acidentes de percurso sem relevância. Ensinou-me muito mais do que julgava, e muitíssimo mais do que os meses que trabalhámos juntos, e os poucos anos em que partilhamos o mesmo (maluco) prédio, ali ao Rato.
Fui surpreendido com a sua morte - e este fim de semana tem sido uma montanha russa: ora acho que esta vida é mesmo uma merda, ora acho que o Fernando merece que valorize mais a vida que ele não vai poder viver.
Vou acrescentar um ponto a uma ideia que, nas mortes dos nossos pais, eu e o Miguel Esteves Cardoso começámos a desenhar. A ideia inicial: quando morre o nosso pai, começa a morrer um bocadinho de nós. Acrescento agora: quando morre alguém de quem gostamos muito, começa a morrer um bocadinho do nosso sorriso. Acho que é isso.