Ansiedade social
(Crónica publicada originalmente na revista Lux Woman. Já está nas bancas a deste mês...)
Começou por ser uma carga extra de ansiedade. Evoluiu para uma pequena angústia, daquelas que nos deixa num estado algures entre a inquietação e o desconforto. Ameaçava tornar-se um problema grave - não fosse eu ter tomado a atitude correcta. Neste caso, um claro “Calma! Menos! Isto faz algum sentido?!”
Não tardei a ganhar tranquilidade. Não, não faz sentido.
A saber: redes sociais aproximaram pessoas, promoveram reencontros, mataram ou adormeceram solidões, construíram relações. Em muitos casos, substituíram o café de esquina, ou o bar onde iríamos com os amigos, se os tivéssemos. Sempre defendi a ideia da rede social, e acho o Facebook uma extraordinária invenção - que encurtou distâncias e, ao contrário do que por aí se diz, nos tornou mais humanos. Mesmo quando mentimos.
Mas há limites. E o limite começa nos modismos, nas tendências, nos rebanhos. Até que ponto o mundo viral nascido nas redes sociais não está agora a tomar conta das nossas vidas, determinando comportamentos, éticas, princípios?
Um exemplo: a moda da corrida. Agora toda a gente corre. Há aplicações que medem os sucessos dos que correm 5, 10, 100 quilómetros. Há fotografias de caras tão suadas quanto felizes, e cuja ambição é “superar” a corrida anterior. Eu não corro. Eu vou andando. E gosto assim. No começo, quando vi amigos a exibir no Facebook as proezas de correr do Rossio a Algés, brincava: “Porque não apanhaste um táxi?”. Rapidamente percebi que não se brinca com coisas sérias - e eles levam isto a sério. Correr é o sushi dos tempos que correm: está na moda, faz bem, e é cool. Cheguei a interrogar-me se não devia reaproveitar os tênis, comprados há anos para caminhar junto ao rio, e começar também a correr…
Também me detive sobre cães abandonados a precisar de resgate urgente. É outra pressão social sobre quem anda nas redes sociais: a moda do cão. Quem não tem cão, praticamente não existe. Quem não resgata um animal, é um verdadeiro selvagem. E quem não exibe animais fofinhos na sua página de Facebook é basicamente desumano.
Juntemos a estas “obrigações” os aniversários, os obituários, as petições, as causas, os eventos sociais, a programação cultural. Juntemos tudo e o resultado é este: uma ansiedade crescente, uma angustia sem sentido, e tempo perdido deitado no sofá da sala. Sinto-me mal porque não corro, não adopto um animal abandonado, não partilho uma cena de violência gratuita. Não exibo os meus momentos de tristeza, mas também penso duas vezes antes de mostrar os momentos felizes. Posso incomodar quem sofre, não?
Não me apetece. Fujo, se for caso disso; terei um cão, quando for rico e puder ter uma quinta; e no tal dia em que for rico, não assino petições, porque me chego à frente - nem apoio causas, porque me envolvo nelas. Não vou correr - não me apetece. E lembro-me sempre de Luis Sttau Monteiro, que um dia entrevistei, e confessou que não entendia o fascínio das massas pelos piloto de Fórmula Um: “correm, correm, mas chegam sempre ao mesmo sitio quando aquilo acaba. Ao menos os coelhos têm uma cenoura que os chama e desafia…”
Já basta o que é obrigatório: a família, o trabalho, o Estado. Está bem assim. Tal como não esqueço o dia em que li que rico não era quem tinha o telemóvel topo de gama, mas sim quem podia dar-se ao luxo de dispensar o telemóvel, também agora me pergunto: feliz não será aquele que, desligado das redes, se possa dar ao luxo de viver como quer, a pé ou de carro, com ou sem animais, mergulhado num bitoque ou sem sequer saber que morreu alguém que afinal mal conhecia?
Há dias assim, em que quero apenas, como escreveu Miguel Torga, “saber as marés / Os frutos e as sementeiras / Tratar por tu os ofícios / Entender o suão e os animais / Falar o dialecto da terra / Conhecer-lhe o corpo pelos sinais”. Voltar ao começo.