As lições de uma ponte
(Texto escrito para este especial do Sapo 24)
Falemos como no futebol: uma triangulação. Foi isso que se deu naquela hora de almoço de sexta-feira, 24 de Junho de 1994. Eu estava a almoçar com a minha (então) noiva, Cristina, e a dupla José Eduardo e Florbela Bem, responsáveis da empresa “Casa do Marquês”, a quem entregáramos a produção do nosso casamento, marcado para Setembro desse ano. Como se calcula, para mim aquilo era o mais relevante que podia existir naquele dia, e não havia nada que abalasse a discussão sobre a cor das toalhas das mesas e o menu que faria da cerimónia algo inesquecível.
Porém, ao mesmo tempo, havia uns tantos camionistas a bloquear a Ponte 25 de Abril, contestando um aumento de 50% nas portagens, e a tensão aumentava a cada minuto, com policia de intervenção presente e confrontos iminentes. Um visionário do jornalismo, chamado Carlos Cáceres Monteiro, teve a percepção de que aquele momento determinava e marcava o fim de Cavaco Silva enquanto primeiro-ministro. Ele era director da Visão, revista com escassos anos de vida, e eu era seu editor-geral, espécie de numero dois (em conjunto com um editor-coordenador), e ambos perdíamos dias e dias, em reunião, a tentar fazer uma newsmagazine que Portugal nunca tinha tido.
Enquanto debatia tranches de salmão, queijos da serra e vinhos do Douro, o Cáceres telefonava-me desesperado (e sem sucesso…) - queria uma reunião de emergência para avançar para uma edição extra da revista (dado que a edição normal tinha sido publicada na véspera, quinta-feira) sobre o bloqueio da ponte.
Falhou a triangulação.
O assunto não me incomodou minimamente - com o meu faro politico semelhante ao de um anósmico, entendia que se tratava de um caso de policia que rapidamente se resolveria. Não foi. Foi o “buzinão” que acabou com Cavaco Silva na governação, para bem de todos nós (ainda que lamentavelmente não tenha acabado com o politico Cavaco Silva, como agora verificamos…)
Nessa sexta-feira, à tarde, ainda argumentei que o caso não merecia uma edição especial - mas era evidente que merecia, e que o Cáceres tinha razão. Fizemo-la e eu lá estive, da capa à última página. Sempre a protestar, claro…
Lição primeira: a vantagem de trabalhar com os mais velhos e experientes é aprender todos os dias, e ao mesmo tempo ganhar a humildade que só o tempo nos cola à existência. O Cáceres Monteiro faz falta ao jornalismo cata-vento dos tempos que correm.
Lição segunda: em democracia, não há Cavaco deste Mundo, com a sua atitude arrogante e prepotente, que vença uma massa de trabalhadores revoltados e furiosos.
Lição final: nessa medida, Cavaco Silva foi útil. Com ele aprendemos tudo o que não se pode nem deve fazer em democracia. Espero que esta última lição seja clara para os presidentes que se seguem…
Triangulação terminada.