Já tinha ouvido o disco gravado ao vivo. Conheço as canções todas há anos sem fim. Vi dezenas de concertos de ambos. O que me podia surpreender na noite de ontem, no Coliseu, ao longo de duas horas, com Jorge Palma e Sérgio Godinho? Aparentemente, nada. No entanto, tudo. A energia daqueles dois génios (os rapazes não vão para novos, mas estiveram mais de duas horas em palco…); a capacidade de nos contagiarem com o gosto (que se sente) que sentem em cima do palco; a cumplicidade absolutamente genuína - e tantas vezes subtil.. - entre os dois, e deles com os restantes músicos; a proximidade e distância dos universos musicais, quebrada por arranjos e encontros e cruzamentos que tornaram uno o que estava dividido; e por fim, a quantidade de grande canções que cada um deles tem em dezenas de anos de carreira. A soma de tudo isto é um espectáculo único e inesquecível. As canções de Sérgio Godinho e de Jorge Palma são, pelo menos para mim, fotografias do álbum da minha vida. Ilustram momentos, marcam acontecimentos, estiveram presentes mesmo quando não chamei por elas. Juntas, vestidas de novo, não deixam de convocar esses momentos - mas acrescentam-lhes pormenores, suaves mudanças de perspectiva, até novas interpretações. Foram duas horas cheias, vivas, comoventes. Das melhores que a música portuguesa me deu nos últimos anos. Quando cheguei a casa, ainda cheio de sons e emoções, fiquei a pensar na razão de um bocado de uma cantiga do Jorge Palma, que devia ser lema de vida e tantas vezes tenho a tentação de ignorar, por cansaço ou apenas desalento:
“Enquanto houver estrada para andar / a gente vai continuar / enquanto houver estrada para andar / enquanto houver ventos e mar / a gente não vai parar”.
A confirmar-se o que escreve o Diário de Notícias, o novo Presidente da Republica, Marcelo Rebelo de Sousa, dispensará o banquete oficial da tomada de posse, a 9 de Março - e em vez disso oferece a Lisboa, nesse dia, ao final da tarde, um espectáculo musical na Praça do Município. Que Mariza vá cantar o hino nacional parece-me consensual.
Agora, que os restantes artistas em palco sejam José Cid, Paulo de Carvalho, Anselmo Ralph, HMB, Pedro Abrunhosa e Diogo Piçarra (diz que foi vencedor de um concurso televisivo…), numa altura em que a música portuguesa vive dos seus mais vibrantes momentos das última décadas, com nomes novos e consagrados a marcar pontos em todas as frentes, do fado ao pop, do jazz à clássica, soa menos bem esta escolha trôpega e desconchavada. Parece-se mais com um sorteio de tômbola do que com uma ideia de espectáculo. Das duas, uma: ou Marcelo ouve menos do que fala, ou carece de um assessor para esta área. Surdo, todos sabemos que não é.
O meu mês Vergilio Ferreira continua. Em 28 de Janeiro fez 100 anos que nasceu, a 1 de março fará 20 anos que morreu. Um pouco por todo o lado, neste blog, há referências à relevância dele na minha vida: do professor que não desejei nem gostei, ao escritor que é indiscutivelmente o meu favorito e que admiro profundamente. Passando pelo homem que se foi revelando em tantos livros.
Vou deixando frases, ideias, pensamentos. Todos me convocam, todos me comovem. Como este, do livro "Pensar":
"O maior paradoxo do desejo não está em procurar-se sempre outra coisa: está em se procurar a mesma, depois de se ter encontrado".
"There's a moon over Bourbon Street tonight I see faces as they pass beneath the pale lamplight I've no choice but to follow that call The bright lights, the people, and the moon and all I pray everyday to be strong For I know what I do must be wrong Oh you'll never see my shade or hear the sound of my feet While there's a moon over Bourbon Street"
Os “recortes” continuam. Eu disse: se houvesse um mês Vergilio Ferreira, seria este, seria agora. Em 28 de Janeiro fez 100 anos que nasceu, a 1 de março fará 20 anos que morreu. Um pouco por todo o lado, neste blog, há referências à relevância dele na minha vida: do professor que não desejei nem gostei, ao escritor que é indiscutivelmente o meu favorito e que admiro profundamente. Passando pelo homem que se foi revelando em tantos livros. Decidi, por isso, ao longo deste mês, de vez em quando, trazê-lo aqui, sem pedir licença nem autorização. Só com o empenho de um admirador que foi surpreendido a admirá-lo. Hoje, em vez de citar, fotografo um “post” do Volume II (1977/1979) da sua extraordinária “Conta-corrente”:
Avisei: se houvesse um mês Vergilio Ferreira, seria este, seria agora. Em 28 de Janeiro fez 100 anos que nasceu, a 1 de março fará 20 anos que morreu. Um pouco por todo o lado, neste blog, há referências à relevância dele na minha vida: do professor que não desejei nem gostei, ao escritor que é indiscutivelmente o meu favorito e que admiro profundamente. Passando pelo homem que se foi revelando em tantos livros. Decidi, por isso, ao longo deste mês, de vez em quando, trazê-lo aqui, sem pedir licença nem autorização. Só com o empenho de um admirador que foi surpreendido a admirá-lo. Para hoje é assim, com uma dedicatória a todos aqueles com quem me tenho cruzado, ao longo deste mais de meio século de vida, e medem a vida em notas de banco, sucessos profissionais, casas e carros e cenas assim: “Quantas pessoas te amaram? Quantas amaste? O afecto é a melhor forma de saberes o tamanho da tua vida. Ou seja, do até onde exististe. Haverá outro balanço para saberes se ela valeu a pena?” Em Pensar, texto 470
A noticia começa a ser recorrente: um jornal que decide “migrar” para o digital e deixar a versão em papel impresso, ou mesmo (como aconteceu com a revista FHM) fechar de vez e terminar um ciclo de vida. Esta semana, depois de meses de boataria, foi o britânico The Independent - e o excelente dominical complementar Independent on Sunday - que marcaram o final de Março para o fecho das respectivas edições impressas. Dos 500 mil exemplares diários de há dez anos caíram, sem apelo nem agravo, para os 50 mil actuais. Ou seja, 450 mil pessoas deixaram de comprar aquele jornal. 90% dos seus consumidores. O facto já não surpreende ninguém - o mundo da informação mudou radicalmente desde que a Internet se tornou acessível a todos, e as novas gerações, que já cresceram a obter gratuitamente informação em cima da hora, não querem pagar pela manhã cadernos de papel desactualizados há horas. Sobra a opinião, a análise, a investigação, e a própria hierarquização da informação. Mas essas coisas são caras - nem os jornais que ainda restam em papel querem pagá-las, nem os leitores parecem muito entusiasmados com o assunto. No limite, alguém copia a crónica do Miguel Esteves Cardoso, do Vasco Pulido Valente, ou da Clara Ferreira Alves, consegue postar no Facebook, e toda a gente acaba por ter acesso ao que ainda justificaria a ninharia que custa um jornal. Para quem, como eu, nasceu e cresceu com o hábito do jornal diário - aqui ou em qualquer parte do mundo - esta dura mudança dói. Dói muito. É inexorável - se tivesse nascido neste tempo, faria parte dela. Só mesmo a teimosia e o vicio me fazem resistir… Mas, por outro lado, sem culpas para assacar nem alternativas para oferecer, é difícil encontrar saídas. Para ainda conseguirem sobreviver, os jornais em papel têm de ser geridos com pinças - ou seja, rigor e pouco dinheiro -, e isso retira-lhes o poder de constituírem o ultimo reduto do saber. Já não há a figura do velho sábio nos jornais. Não podem, por outro lado, ser mais rápidos que a sua própria sombra, no caso a edição online. Se se antecipam à edição impressa, perdem o valor acrescentado. Se esperam por ela, correm o risco de perder o fluxo de informação. No quadro existente, a ideia de um jornal diário, impresso em papel, e fechado pelo menos 8 horas antes de estar à venda é, em si, um contra-senso. E o leitor não é parvo. Porém, continua a não haver nada semelhante a um recorte de jornal para credibilizar uma noticia - como nenhum canal de informação resiste a um olhar sobre as primeiras páginas do dia seguinte antes de fechar a noite. Aqui chegado, e vendo morrer mais um (bom) titulo em papel, The Independent, num egoísmo meio parvo mas ao mesmo tempo realista, agradeço aos meus pais terem tido a “generosidade” de me produzirem a tempo de viver todos estes tempos - o dos jornais à antiga, máquina de escrever e montagem à mão, depois a chegada da informática que os profissionalizou, e ainda o tempo da net - que lhes deu uma segunda vida e aparentemente mais estrada… Sou sincero: preferia não estar cá para ver a morte de projectos como The Independent - que vi nascer e era, há 30 anos, o futuro de uma imprensa viva, opinativa, assertiva, de jornalismo real, ligada à imagem, atenta ao design. Pelos vistos, não chegou. Tenho a tentação de dizer, parecendo um velho do Restelo, que a Internet é mesmo o eucalipto desta floresta cheia de diversidade onde cresci e me fiz homem. Nada contra o eucalipto - mas que seca tudo à sua volta, lá isso seca.
O que quer dizer a expressão “X estava sinalizado”, ou “casal Y já tinha sido sinalizado”, ou “criança foi sinalizada”? Ou seja: na prática, estar “sinalizado” tem algum significado, em face das notícias que, nos últimos tempos, têm traduzido o verbo “sinalizar” por algo como “sabíamos que havia perigo de vida mas não fizemos a ponta de um corno”?. Por agora é isto. Não consigo ir mais longe no raciocínio lógico.
Há quase dois anos, publiquei neste blog um post cujo titulo era “O Milagre das Segundas-Feiras”. Hoje, o milagre faz três anos e vai ser devidamente assinalado com uma sessão por onde vão passar Alexandre Cortez, Alexandre Sarrazola, Catarina Aidos, Clara Venice, Daniel da Rocha Leite, Diogo Dória, Domingos Gomes, Filipe Homem Fonseca, Filipe Valentim, Francisco Rosa, Isabel Nogueira, Joana Avi-Lorie, João Paulo Cotrim, Joaquim Paulo Nogueira, José Anjos, Leo Leonel, Luis Bastos, Luís Carmelo, Luís Carvalho, Luís Serra Santos, Manuel Cintra, Mc Santiago, Miguel Seabra, Nuno Miguel Guedes, Paula Cortes, Rosa Azevedo, Pedro Malaquias, e Silva O Sentinela. São 140 sessões de Poetas do Povo, que justificam merecidamente a reedição do texto que postei há dois anos. E dizia assim:
“Todas as semanas, à segunda-feira, dia em que a noite é mesmo noite e quase tudo está fechado, ou adormecido, dá-se um milagre na rua cor de rosa do Cais do Sodré, em Lisboa. Pela mão de três apaixonados pela poesia - José Anjos, Alex Cortez, Nuno Miguel Guedes -, a partir das dez da noite começa a juntar-se gente no bar “O Povo”. São pessoas que, de livre vontade, saem de casa numa noite de segunda-feira, muitas vezes com frio e chuva, e vão ali para concretizar o milagre: ouvir poesia. Entre um copo e dois dedos de conversa, ouvem poesia dita por convidados que, apenas pelo prazer de ler e partilhar, aceitam passar a noite de segunda-feira naquele espaço. Todas as semanas um tema, convidados diferentes, de todos os “ramos”, para todos os gostos. Já por lá passaram vozes tão diferentes quanto as de André Gago e Edson Athayde, Odete Santos e Sandra Celas, Manuel João Vieira e Francisco José Viegas, não falando nos promotores do milagre, que muitas vezes assumem as rédeas do microfone. Ouve-se poesia antiga, moderna, clássica - ouvem-se nomes incontornáveis, como Pessoa e O’Neill, ou inesperados, como Alberto Pimenta e Assis Pacheco, mas também há espaço para os convidados lerem os seus próprios poemas, e tudo isto é acompanhado por músicos que sublinham, apontam, ilustram as palavras ditas. Melhor seria difícil. Mas o milagre que ocorre n’O Povo não é a noite em si, que seria sempre de elogiar - é o facto de todas as segundas-feiras aquele espaço encher e muita vezes transbordar. Gente que quer ouvir, que se candidata a ler, que se junta à volta de palavras e mais palavras. Ontem, uma vez mais, foi assim, sob o mote da “Poesia e Censura”. Gostei da escolha da Joana Amaral Dias, ri-me com a poesia dita por Rui Zink, gostei de ouvir (mais uma vez) o André Gago e o José Anjos. O ambiente era de festa suave, como pede uma segunda-feira, como puxa a poesia. Quando saí d’O Povo, estava reconfortado e reencontrado comigo próprio. Num país deprimido e triste, onde parece nada acontecer, e só ter sucesso o mínimo denominador comum, o milagres das segundas-feiras d’O Povo é o sinal mais animador da cidade e uma espécie de prova de vida regular da nossa existência. Segunda que vem, eu volto”.
(Publicada quinta-feira passada, na plataforma Sapo24)
Houve um tempo em que ter carro era coisa de rico. Reconheço a ideia em filmes dos anos 40 e 50 do século passado, e em muitos romances que recuam a essas décadas. Mas não era nascido na época em que o mundo ocidental considerava o automóvel um objecto de luxo. Quando comecei a ter consciência de mim, na década de 70, o conceito era outro: qualquer um (em rigor, qualquer família…) podia ter o seu automóvel, “devia” ter o seu automóvel, porque havia modelos para todas as bolsas, e a mobilidade individual estava em plena expansão. Era o tempo do Fiat 127, do Opel Corsa, do Citroen AX, do Renault 5 - e a publicidade, que adoro rever (obrigado, You Tube, por existires!), exaltava o lado democrático da acessibilidade, o que me ajudou a crescer sem manias: ter carro era, em si, uma mais-valia - mas a diferença entre um FIAT e um BMW não me impressionava excessivamente… Só voltei a preocupar-me com a questão no começo dos anos 80, quando tirei a carta e me confrontei com o preço dos carros, os seguros, os pneus, as revisões. O automóvel entrou na minha vida como na de toda a geração a que pertenço: indispensável para o trabalho e o namoro, mas uma despesa permanente. Quanto mais pobres, pior: o carro em segunda mão (sempre uma espécie de ovo kinder, nunca se sabia o que lá estava dentro…), os modelos novos baratos (porém cheios de defeitos, que se revelavam ao fim de poucos meses), os seguros muito caros para quem estava em começo de vida. Uma chatice. Quando estava à beira de decidir deixar de ter carro, a década mudou. Chegaram os anos 90. Com eles vieram as modernices nos motores e tabliers, os créditos fáceis, as auto-estradas, e a falsa ideia de que qualquer pessoa, desde que trabalhasse e tivesse um rendimento acima do salário mínimo, podia ter o automóvel dos seus sonhos - desde que os sonhos não subissem a um Aston Martin ou a um Ferrari. Assim se modernizou um parque automóvel (parte boa) de uma população sem dinheiro para o pagar (parte má). A crise, que na década passada decidiu tomar conta das nossas vidas, fez do sonho um tormento. Não foi apenas a impossibilidade repentina de cumprir as prestações e os leasings - foi o Estado a ver no universo automóvel mais um meio de sugar dinheiro para pagar a sua obesidade mórbida: imposto automóvel, portagens, impostos sobre gasolina, circulação, estacionamento pago na via publica. Vale tudo. E esta semana, perante a vergonhaça do Orçamento que chegou a Bruxelas, a resposta não se fez esperar: quem tem automóvel vai pagar mais 19% de impostos (rico ou pobre, tanto faz - coisa de esquerda, não é?!…), a ver se se conseguem arrecadar mais 580 milhões de euros de receita. Parece que vai nascer uma taxa para pagar a circulação entre a garagem do prédio e a rua… Perante mais este atentado a quem vive do trabalho - e usa o carro maioritariamente para esse efeito -, voltei a ponderar deixar de o ter. Estudei percursos, alternativas, transportes públicos disponíveis. Consegui animar-me com a ideia - até me lembrar do pesadelo que vivi no Verão passado, quando achei “genial” a ideia de ir, sempre em transportes públicos, à Praia Grande (a 35 quilómetros de Lisboa), ver o meu filho trabalhar como nadador-salvador. É verdade que cheguei lá. Mas foi às 17:00, depois de três horas de comboios e camionetas. Porquê? Porque o Estado, que decide agora aumentar em 19% os impostos sobre o universo automóvel, é o mesmo que privatiza - e ao fazê-lo, obriga a rentabilizar (isto é, reduzir horários e percursos) -, quem comprou o que era de todos: o transporte público. Com isso, mata as alternativas ao automóvel. Imobiliza os mais pobres, deixa via aberta aos mais ricos. Dispensava com gosto o automóvel, cujo custo mensal é francamente superior ao beneficio que me dá - mas tinha alguma esperança que uma “maioria de esquerda” cumprisse os desígnios que tradicionalmente lhe reconhecemos, e compensasse esse brutal ataque à classe média com medidas sociais: benefícios e melhorias na rede de transportes públicos. Nem isso sucede. Parecem cheios de vontade de ir de carrinho. Não vai demorar muito tempo.
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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