O eucalipto na floresta
(A crónica desta quinta, no nosso Sapo24)
A noticia começa a ser recorrente: um jornal que decide “migrar” para o digital e deixar a versão em papel impresso, ou mesmo (como aconteceu com a revista FHM) fechar de vez e terminar um ciclo de vida. Esta semana, depois de meses de boataria, foi o britânico The Independent - e o excelente dominical complementar Independent on Sunday - que marcaram o final de Março para o fecho das respectivas edições impressas. Dos 500 mil exemplares diários de há dez anos caíram, sem apelo nem agravo, para os 50 mil actuais. Ou seja, 450 mil pessoas deixaram de comprar aquele jornal. 90% dos seus consumidores.
O facto já não surpreende ninguém - o mundo da informação mudou radicalmente desde que a Internet se tornou acessível a todos, e as novas gerações, que já cresceram a obter gratuitamente informação em cima da hora, não querem pagar pela manhã cadernos de papel desactualizados há horas.
Sobra a opinião, a análise, a investigação, e a própria hierarquização da informação. Mas essas coisas são caras - nem os jornais que ainda restam em papel querem pagá-las, nem os leitores parecem muito entusiasmados com o assunto. No limite, alguém copia a crónica do Miguel Esteves Cardoso, do Vasco Pulido Valente, ou da Clara Ferreira Alves, consegue postar no Facebook, e toda a gente acaba por ter acesso ao que ainda justificaria a ninharia que custa um jornal.
Para quem, como eu, nasceu e cresceu com o hábito do jornal diário - aqui ou em qualquer parte do mundo - esta dura mudança dói. Dói muito. É inexorável - se tivesse nascido neste tempo, faria parte dela. Só mesmo a teimosia e o vicio me fazem resistir…
Mas, por outro lado, sem culpas para assacar nem alternativas para oferecer, é difícil encontrar saídas. Para ainda conseguirem sobreviver, os jornais em papel têm de ser geridos com pinças - ou seja, rigor e pouco dinheiro -, e isso retira-lhes o poder de constituírem o ultimo reduto do saber. Já não há a figura do velho sábio nos jornais. Não podem, por outro lado, ser mais rápidos que a sua própria sombra, no caso a edição online. Se se antecipam à edição impressa, perdem o valor acrescentado. Se esperam por ela, correm o risco de perder o fluxo de informação.
No quadro existente, a ideia de um jornal diário, impresso em papel, e fechado pelo menos 8 horas antes de estar à venda é, em si, um contra-senso. E o leitor não é parvo.
Porém, continua a não haver nada semelhante a um recorte de jornal para credibilizar uma noticia - como nenhum canal de informação resiste a um olhar sobre as primeiras páginas do dia seguinte antes de fechar a noite.
Aqui chegado, e vendo morrer mais um (bom) titulo em papel, The Independent, num egoísmo meio parvo mas ao mesmo tempo realista, agradeço aos meus pais terem tido a “generosidade” de me produzirem a tempo de viver todos estes tempos - o dos jornais à antiga, máquina de escrever e montagem à mão, depois a chegada da informática que os profissionalizou, e ainda o tempo da net - que lhes deu uma segunda vida e aparentemente mais estrada…
Sou sincero: preferia não estar cá para ver a morte de projectos como The Independent - que vi nascer e era, há 30 anos, o futuro de uma imprensa viva, opinativa, assertiva, de jornalismo real, ligada à imagem, atenta ao design. Pelos vistos, não chegou. Tenho a tentação de dizer, parecendo um velho do Restelo, que a Internet é mesmo o eucalipto desta floresta cheia de diversidade onde cresci e me fiz homem. Nada contra o eucalipto - mas que seca tudo à sua volta, lá isso seca.