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Pedro Rolo Duarte

29
Abr16

Mudar, o verbo que não muda

(Crónica de ontem, na plataforma Sapo24. Sobre o que se vive em Lisboa hoje...)
Tudo indica que amanhã, em Lisboa, vai voltar a viver-se o caos que há uns meses paralisou literalmente a cidade: os taxistas voltam à rua com uma concentração às 8.00 horas e, a partir das 9.00, uma marcha lenta até à Assembleia da República, onde querem ser recebidos por António Costa. Florêncio de Almeida, presidente da Antral, já anda por aí nos noticiários…
A guerra é a mesma dos últimos tempos: a chegada da Uber a Portugal, a exigência de suspender os serviços da operadora, “porque há duas ordens de tribunal que os proíbem de operar”, e a reivindicação (do meu ponto de vista, a única legitima) de legislar no sentido de não haver situações de privilégio no sector. Parece-me que a maioria dos taxistas quer mais do que isso, quer mesmo a Uber fora do mercado. Mas também me parece que a maioria dos consumidores quer apenas alterar a lei, de forma a que nem a Uber se aproveite dos buracos legais para fazer concorrência desleal ao serviço de táxis, nem os taxistas vivam num regalo de monopólio que dá para tudo, do serviço mais manhoso a uma espécie de cartel dominado por meia-duzia. Há seguramente fórmulas de fazer conviver os dois serviços - tanto mais que o da Uber é elogiado pelos seus clientes e poderia elevar a qualidade geral do serviço de transporte urbano de passageiros (no Brasil, mesmo com protestos, a chegada da Uber levou taxistas a oferecer jornais, bebidas e doces aos clientes…).
Esta guerra é mais um dos muitos abanões que todos levamos a toda a hora, “sinais dos tempos” que mudam sem pedir licença. Se a minha classe profissional reagisse como os taxistas, bloqueava a Internet, que acabou com o modelo de negócio tradicional dos media, deixando à deriva (nalguns casos, falidos) jornais, revistas, televisões, numa oferta de informação brutal, gratuita, e onde todos podemos dizer de nossa justiça, sem filtro, sem regra, sem lei. Felizmente, os profissionais (e gestores) dos media não reagiram à bruta - e, aos poucos, às escuras, apalpando literalmente o terreno, tentam reenquadrar-se no universo da informação e perceber onde podem ir buscar a receita que lhes permita cobrir o custo e ganhar algum.
Podemos alargar este caos na gestão e optimização dos negócios, provocado pela tecnologia, ao comércio online, à banca, até às telecomunicações - que, em teoria, seriam as primeiras beneficiárias da revolução, não se dessem os “fenómenos” do tipo “whatsapp” ou “messenger”…
Neste quadro, a guerra dos taxistas ganha maior notoriedade porque paralisa as cidades, gera violência, dá directos emocionantes na TV - mas, se pensarmos um pouco, é apenas mais um conflito entre a velha e a nova economia. Vivemos um período - tão difícil e duro, quanto fascinante - de mudança radical de paradigma. O ser humano é resistente à mudança, e neste caso sofre na pele os efeitos da mudança. Mas há um facto incontornável: se nos adaptámos e aderimos de alma e coração à comunicação virtual, às redes sociais, à televisão dominada pelo nosso comando individual, às compras online em escassas horas… Bom, não podemos ignorar o reverso da medalha, o outro lado da moeda. Ele passa por formas diferentes de encarar o trabalho, de gerir os negócios. E de acordar diariamente. Tudo muda quando menos esperamos, ou mesmo quando acreditamos que talvez tudo fique na mesma. Não fica.

28
Abr16

É que nem peço licença…

No Dia Mundial do Livro, o escritor, também jornalista, Nuno Costa Santos, teve a belíssima ideia de inquirir um generoso numero de pessoas - umas mais conhecidas que outras, mas todas na prateleira que diz “leitores de livros, inteligentes, e com coisas para dizer” - sobre a forma como reagem aos livros emprestados que nunca voltam a casa. Entre todas as respostas, perdoem-me a insistência, a da minha amiga Sofia Cunha, que é escritora (ainda que também seja tripulante na TAP, e arquitecta, e até poetisa…), é notável. Sem lhe pedir qualquer licença, aqui deixo a resposta que ela deu e o Nuno reproduziu:
“Nunca empresto livros nem amantes. Muito menos estrangeiros. Um dia, por amor, emprestei um livro a um amante. Quase perdi os dois. Saíram juntos e nunca mais os vi. Passados anos, devastada, convidei o amante para jantar lá em casa. Pedi-lhe que trouxesse o livro. Por uma questão de sobrevivência, teria de lhe comer a carne, para lhe ficar com os ossos; ninguém se sustenta sem esqueleto.
Depois do jantar e da queima, guardei os dois. O livro na prateleira. O amante também. Num recipiente hermético. Assim é o amor maior; trágico.
O amante morreu hoje, ou ontem, não sei”.
Notável. A minha amiga Sofia, quando perceberem que ela existe, vai ser a grande escritora que já é -  mas de todos, e não apenas de alguns, como é agora. Fica escrito.

23
Abr16

Afinal havia outra

eugénia.jpg

Começou tudo com um equívoco. O nome dela. O nome dela era igualzinho ao nome de uma pessoa com quem trabalhei, numa revista, há muito tempo - e dessa pessoa guardo boas memórias (embora nunca mais tenha sabido dela). Porém, de entre inúmeras qualidades que tinha, a escrita não era uma delas…
Por isso estranhei, mas ao mesmo tempo fiquei fascinado: Uau, a Eugénia surpreende-me, quase 20 anos depois, com um talento absolutamente extraordinário para escrever, fosse prosa ou poesia, fossem textos mais nas nuvens ou de pés na terra com opinião formada e argumentação inteligente!
Não demorei muito tempo a perceber - não me lembro como, uma fotografia de jornal, uma biografia breve, qualquer coisa assim… - que afinal havia outra. Esta Eugénia não era a que tinha conhecido e com tinha trabalhado. Era outra. Só o nome era igual.
A graça do equívoco é apenas essa: provavelmente, no começo, dei mais atenção aos textos da Eugénia de Vasconcellos na blogosfera por causa dessa coincidência. Mas a circunstância não muda a essência: sou um seguidor fiel e leal das palavras que esta mulher nos oferece (agora, no “Escrever é Triste”).

Há dias lera o Manuel S. Fonseca, lá no blog, anunciar o livro em que se revela a Eugénia poetisa: “Li os poemas e encontrei neles uma discursividade exuberante, tão desregrada como bela, uma integração do quotidiano no jogo metafórico, como não vejo em mais nenhuma da nossa poesia actual.  Este é um livro em que a linguagem vai ter com a vida e dá lugar a uma voz poética própria”.
E agora ele aqui está. É o meu livro para o fim-de-semana. E sem querer violar as regras da edição e do direito de autor, deixo-vos um dos poemas mais pequenos - mas grande, na sua economia de palavras - para abrir o apetite.
Chama-se “Vai” e diz assim:

Esperei-te. Não chegaste.
Agora vai até ao fim do teu nome
descobrir a minha ausência
em cada uma das suas letra.

22
Abr16

Ao Bloco: e na selecção de futebol, só homens?

(Crónica de ontem na plataforma/newsletter Sapo24)

Pedia ao Sapo24 que fizesse o obséquio de enviar esta crónica, sob a forma de carta, ao Bloco de Esquerda, esse baluarte da liberdade, que incendiou Portugal com a ideia de mudar a designação do Cartão do Cidadão, por entender que o nome discrimina as Cidadãs. Ontem soube-se que o Governo de António Costa está aberto a debater a ideia e criar um novo nome para o cartão - é no que dão os acordos de conveniência…
Urge, por isso, fazer chegar esta carta ao BE…
“Caro Bloco de Esquerda (e quem o apoiar):
Sensível à problemática do género, e aos problemas que a nomenclatura pode provocar nessa busca incessante por uma paridade total, e também eu defensor de direitos e deveres iguais para ambos os sexos - aliás, para todos os sexos… -, venho por este meio apelar ao poder que a Assembleia da Republica vos confere, e à influência que conseguem ter na agenda mediática nacional, no sentido de conseguirem impedir imediatamente, antes que seja tarde, a realização dos Jogos Olímpicos do Brasil e do Campeonato da Europa de Futebol de 2016. Não sei se uma petição é suficiente - talvez uma providência cautelar, apelo ao Tribunal dos Direitos do Homem, reuniões extraordinárias da ONU…
Na verdade, ambos os eventos são exemplos acabados de discriminação de género - que, de resto, se alargam a todo o mundo do desporto. Não se compreende, à luz do que os senhores passam os dias a escrutinar, que haja futebol feminino e masculino - em vez de, como coerentemente devem defender, equipas mistas em campo. O mesmo se aplica ao ténis, ao atletismo, ao basquetebol, ao andebol, enfim: a todos os desportos, praticamente sem excepção.
Como aceitar que se realize um Campeonato Europeu de Futebol, onde aliás Portugal vai estar presente, sem que haja no relvado uma única mulher? Nem um arbitro do sexo feminino! Às mulheres, neste evento, está reservado o papel menor de assistir aos jogos, de trabalhar em bares ou serviços de hospedeiras - e o Bloco de Esquerdas tolera esta clara discriminação?
É certo que há futebol feminino - mas já se deram ao trabalho de aferir os valores monetários em causa no que às mulheres diz respeito? Ou de compararem a relevância dada, em emissão, aos jogos que as televisões transmitem?
O que digo sobre o futebol ganha estatuto de escândalo quando entramos no universo dos Jogos Olímpicos. Começando pelos números gerais: teremos 161 provas apenas masculinas, 136 apenas femininas, e apenas 9 mistas. Como se admite? Aproximemo-nos de Portugal: segundo o site do Comitê Olímpico nacional, dos 64 atletas que vão ao Brasil, apenas 25 são mulheres.
E poderia seguir para bingo, falando dos valores envolvidos nas competições de ténis femininas e masculinas, acabando no automobilismo e na ausência de mulheres na Fórmula Um.
Caro Bloco de Esquerda: está na hora de agarrarem este tema fracturante e o trazerem para as primeiras páginas dos jornais e dos debates televisivos”.
Pronto. Esta seria a carta que eu enviaria ao Bloco de Esquerda neste momento extremo (para não dizer absurdo e ridículo…) a que chegámos no debate sobre a igualdade do “género”.
Liberal, respeitador, aberto a todas as escolhas - e obviamente defensor da paridade máxima entre todos os “géneros” -, não deixo de verificar que o excesso de zelo, neste caso, prejudica o debate. Torna ridícula uma discussão que é séria. Desvaloriza uma causa válida. E, no limite, atrasa um caminho sério e consistente que Portugal, apesar de conservador e machista na essência, tem vindo a fazer com sucesso. E isso é mesmo o que mais irrita.

22
Abr16

Uma capa e uma citação

Purple Rain, por Bob Staake, na próxima edição da The New Yorker:

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... E João Gobern, no Facebook:

"Se pudesse, dizia-lhe só isto: nenhum outro artista ou grupo me acompanhou tantas vezes e por tanto tempo nas minhas incursões nas pistas de dança, normalmente com o refrão cantado a plenos pulmões e com uma desajeitada imitação do seu talento na guitarra. Foram mais de 30 anos de "convívio íntimo". Por isso, não me levem a mal a confissão: claro que me impressionou a morte de Michael Jackson. Mas dor, dor a sério, é mesmo agora. Depois de Bowie, 2016 - e aí vai uma auto-citação - é mesmo o ano de todas as feridas".

16
Abr16

Post sobre culinária politicamente incorrecto em qualquer dia da semana (e ainda mais a um sábado)

Todos os cozinheiros - ou chef’s, como agora se usa - gostam de falar da frescura dos ingredientes para o sucesso das suas receitas. Referem-se sempre ao lado sazonal dos produtos, gostam de cozinhar com o que é local, e respeitam com germânico rigor os tempos: do cultivo à cozedura, nada de pressas…
Pois bem, na minha qualidade de cozinheiro amador e caseiro, sem qualquer preconceito, venho afirmar, em nome do meu palato, que as melhores favas com entrecosto que como são aquelas que faço em casa. Até aqui a coisa é pacífica.
Menos pacífico será o tema se disser que uso Favas congeladas da Iglo, coentros congelados e migados do Pingo Doce, de onde também vem a couvette com entrecosto e um chouriço comum de 2 euros, e cebola já cortada e congelada (qualquer marca…) para o refogado inicial. Ou seja: nada é natural, sazonal ou biológico - mas garanto que o prato sai saboroso, como ainda esta semana comprovei…
A receita é esta (e não deixo quantidades porque depende do número de comensais…):
Faço um refogado ligeiro com azeite, cebola (a tal, congelada e já cortada miúda) e uma folha de louro. Quando começa a cheirar bem, acrescento o entrecosto sem osso cortado em pedaços pequenos, o chouriço em rodelas fininhas, tempero com sal marinho e pimenta preta, uma colher de chá de tomilho. Junto vinho branco e deixo que a carne, em lume médio, ganhe alguma cozedura sem chegar a fritar. Acrescento meio copo de água. Quando a carne parece estar a dois terços de cozida, acrescento as favas congeladas e um pouco mais de água, só para equilibrar a panela. Nesse momento, abro uma caixa de coentros congelados do Pingo Doce, que misturo alegremente até achar que chega. Diria que são pelo menos dois terços de uma caixinha.
Lume no mínimo, rectificar sal, se for caso disso, e deixar cozinhar até provar uma fava e a sentir tenra e saborosa. Está pronto. Acompanho com uma salada verde (alface e rúcula, pelo menos…).
Confesso a minha ignorância: nem sei qual é a altura do ano para a fava estar no ponto. Ou sei: é quando me apetece…

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Blog da semana

Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

Uma boa frase

Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira

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