A Sónia
Era dia das mentiras mas esta verdade é das maiores satisfações e talvez o maior orgulho que o percurso profissional me deu: faz hoje 20 anos, entrou por uma sala do número 10 da Rua João Penha, uma miúda tímida, mas sorridente e divertida, que se apresentava como uma teenager, camisola com ursinhos bordados, jeans e sapatos de vela, tratava todos por “você”, e estava ali disposta a provar que valia a pena ter sido seleccionada entre mais de 700 candidatos que tinham respondido a um anúncio no jornal “Público”. Sem cunhas, sem pedidos, sem amigos: só um conjunto de indicíos, na carta de apresentação, que levaram a Carmo a achar que devia ser uma das vinte finalistas. E foi.
O anúncio, vago, pedia jovens jornalistas, ou estagiários, para integrar uma pequena equipa de uma empresa que produzia conteúdos para jornais e revistas, programas de rádio e TV. Basicamente, produzia a minha vida profissional…
A “empresa” era constituída por mim, pela minha mãe, pela Carmo de Aragão Barros. Fazíamos rádio, tínhamos projectos de televisão, e suplementos para revistas. Estávamos - mas nem sonhávamos… - à beira de conceber e produzir o DNA, do Diário de Notícias.
A miúda da camisola dos ursinhos fez de tudo: pequenas peças de rádio, textos de jornal, ajudou nos projectos de televisão. Ía a todas. Era, por detrás daquela timidez, uma força da natureza - com o “plus” da boa-disposição, e o melhor de tudo: era normal. Sem manias. Sem merdas. E com uma vontade de aprender, crescer e melhorar que nos deixava de cabeça à banda.
Um exemplo: pedíamos-lhe que recolhesse um depoimento de determinada figura pública para um suplemento de Natal de uma revista qualquer. Ela dizia “vou já tratar disso”, mas na verdade não fazia ideia de quem era aquela figura - e não havia ainda internet a que se agarrar. Não dava parte de fraca. (Eu só soube muito mais tarde) Discretamente, saía do escritório, ía ao café em frente, telefonava à mãe e perguntava quem era…
Depois nasceu o DNA e a miúda cresceu. Deixou de ser a rapariga que escrevia muito bem para se tornar a jornalista que mostrava sensibilidade e talento a rodos, que tinha ideias fora da caixa, que ousava e arriscava em reportagens complexas - e que, ao mesmo tempo, era capaz de rir de si própria e gozar com as próprias pancadas. Chorar era uma delas…
O resto da história é conhecido: a miúda da camisola de ursinhos é hoje a Sónia Morais Santos, reconhecida e premiada jornalista, blogger, profissional da comunicação. Levantou voo tranquila e seguramente.
Sou o pior padrinho de casamento que ela podia ter arranjado - mas sou na mesma, e não abdico… Estamos muitas vezes distantes - mas eu sei, eu sinto, que estamos sempre muito perto. Tenho um desmedido orgulho em falar com a Sónia de igual para igual, como deve ser, como é justo que seja. Acabaram as diferenças entre nós - e não há coisa mais bonita para quem acompanhou todo este caminho.
Além de tudo isto, é uma pessoa boa. Verdadeiramente boa, leal, séria. Uma mãe extraordinária. Para culminar, teve a sorte de encontrar o marido perfeito. Pedir mais é impossível.
Há 20 anos, não podia imaginar que a vida me reservaria uma história tão bonita e tão justa como esta. Há 20 anos, tudo estava em aberto. E 20 anos depois, eu só tenho uma palavra para dizer à Sónia: obrigado.
Por ser quem é. Por nunca me ter desiludido. Por nunca ter virado as costas ao futuro. Hoje, quem se orgulha de ter a sua amizade sou eu. E quem lhe está grato também. Venham mais vinte…