(Crónica desta quinta na plataforma/newsleter Sapo24)
Depois de, na semana passada, termos sabido que alguns agentes e responsáveis pelas investigações policiais no tráfico de droga, no activo ou na reforma, eram parte interessada do negócio, recebendo luvas, camuflando operações, ou mesmo desviando o olhar das autoridades para horizontes dourados enquanto, nas suas costas, os traficantes agiam tranquilamente, esta semana foi a vez das finanças: quinze detidos pela Polícia Judiciária no âmbito de uma operação da Unidade Nacional de Combate à Corrupção na zona da Grande Lisboa. Estão envolvidos, tanto quanto se sabe, pelo menos três técnicos das finanças, três chefes de repartição e um inspector tributário. “Presumível prática dos crimes de corrupção activa e corrupção passiva para acto ilícito, recebimento indevido de vantagem e falsidade informática” são os módicos de comportamento em causa… Com noticias deste calibre dentro de casa, torna-se difícil dar atenção aos Panama Papers. Não pelos níveis de relevância de cada um dos casos, mas pela proximidade - que todas as leis do jornalismo determinam que interessam mais ao consumidor. É uma rendição à facilidade (a mesma que nos leva a sentir mais profundamente atentados em Bruxelas do que em Ancara, independentemente do numero de vitimas…), mas não há como dar-lhe a volta. Os casos internos destas ultimas semanas, que parecem querer tornar-se recorrentes, e que são bem mais fáceis de entender do que os meandros do dinheiro que navega em paraísos fiscais, demonstram a irrelevância de medidas de austeridade para quem pode “contorná-las”, explicam em boa medida fenómenos como o parque automóvel lisboeta, os espectáculos sempre esgotados, os restaurantes cheios - e desanimam quem, apesar de tudo, vai tentando sobreviver ao caos com honestidade. Apetece desistir, já o disse na semana passada - mas, acima de tudo, impede o cidadão comum de confiar em quem quer que seja. Um policia que se dedica a desmantelar o tráfico de droga, e é afinal parte integrante desse mesmo negócio? Um chefe de finanças que prefere deixar-se subornar a cumprir a mais básica das suas funções, garantir o cumprimento da lei? Onde chegámos? E a seguir: o que nos falta saber? Onde está o bando que se segue? Deixámos definitivamente de ter autoridade para, como fazíamos, falar de forma sobranceira sobre a Itália ou os países da América do Sul. Já não observamos o problema - fazemos parte dele. E o Portugal dos últimos anos, a austeridade, a Troika, o empobrecimento generalizado, começa agora a revelar a sua forma de responder à letra. Lamentavelmente, aplica e dá sentido a um ditado popular: ladrão que rouba ladrão…
Uma página do “Público” de ontem, assinada por Alexandra Campos, e muito bem documentada, dizia assim: “Em 2015, venderam-se 11 milhões de embalagens de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos. "É uma vergonha”, diz responsável pela Aliança Europeia Contra a Depressão”. E no corpo da matéria: “Na União Europeia, os portugueses estão entre os maiores consumidores de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos. O problema é que, apesar dos sucessivos alertas, a prescrição deste tipo de medicamentos não está a diminuir de forma significativa e sustentada em Portugal. Por isso, a Aliança Europeia Contra a Depressão - uma organização não governamental cuja associação representante em Portugal é a Eutimia e que apoia pessoas com depressão e em risco de suicídio - propõe que estes fármacos deixem pura e simplesmente de ser comparticipados pelo Estado, a não ser em casos especiais”. Não me surpreende que apareça quem defenda o fim da comparticipação de determinados medicamentos - o que me deixa sem fala é haver uma Aliança Europeia Contra a Depressão que ache uma vergonha o alto volume de ansiolíticos, sedativos e hipnóticos que se consomem em Portugal, sem antes cuidar de saber se há razões para que tal suceda. Tenho a tentação de achar que há. Tenho a convicção de que a esmagadora maioria dos médicos receitam com bom senso e sabedoria. Acho que bastam umas horas de “passeio” pelo Facebook, pelas ruas das cidades portuguesas, pelos Centros Comerciais, uma hora de Telejornal, ou apenas uns minutos pelo trânsito de Lisboa, para admitir que talvez este número elevado de medicamentos calmantes, e que limitam a ansiedade, resulte da forma como vivemos, da sociedade que aceitámos integrar, e da impossibilidade de ultrapassar o que sentimos apenas com yoga, meditação e chá. Há anos que escrevo neste blog a mesma coisa: Portugal é, em si, um país deprimido. A forma como tal patologia se manifesta é que varia conforme a formação de cada um de nós. Há quem já tenha percebido que a psicoterapia é essencial para nos ajudar a encontrar sentido para os dias que vivemos, há quem veja nos medicamentos a solução ideal, há quem use a violência para libertar a sua frustração. Há de tudo. Mas há algo que é incontornável: não é cortando uma comparticipação, ou limitando o acesso aos tranquilizantes, que o problema se resolve. Pelo contrario - medidas dessa natureza potenciam a forma já de si tensa e agressiva com que convivemos diariamente. A solução começa num diagnóstico correcto e acaba em soluções que nos levem a viver com mais qualidade, maior respeito pelos direitos de cada um, e acima de tudo um horizonte menos escuro do que aquele que há tantos anos nos exibem. E todos vemos. Quando aí chegarmos, talvez os tranquilizantes deixem de nos fazer falta. Porque viveremos mais tranquilos sem eles.
A semana não tem sido apenas de chuva - tem sido mais escura que cinzenta, mais triste do que a palavra Primavera anunciava. Parece que a jornalista Tereza Coelho tinha razão: quando mais se bate no fundo, mais ele desce. Ponho ao mesmo nível os escândalos Volkswagen, BES, WikiLeaks, e agora o Panama Papers. Todos nascem do mesmo defeito de fabrico humano: a ambição desmedida. E todos resultam de um mesmo raciocínio: é só um bocadinho, sou só eu, ninguém vai dar por nada. Quando se revelam, quando se abatem sobre o comum dos mortais, os casos têm um de dois efeitos: ou nos deixam a pensar que somos totós por não fazermos o mesmo; ou nos deixam de rastos por chegarmos a esta fase do desenvolvimento humano e vermos que, afinal, boa parte dos que nos rodeiam são selvagens e aldrabões sem principio nem fim. Faço parte do segundo grupo, e dou comigo na absurda situação de estar a ver as notícias sobre o Panama Papers ao mesmo tempo que a operadora que me serve ameaça cortar o serviço porque me atrasei no pagamento de uns escassos euros. É a velha máxima dos bancários: quando deves cem euros ao banco, o problema é teu; quando deves um milhão, o problema é do banco. Acrescento: se não quiseres dever, aldraba, corrompe, foge, mente, e no fim sorri. Batemos no fundo da ética, da seriedade, e do crédito nos políticos, nos gestores, até mesmo nalguns dos heróis que elegemos no mundo do desporto ou da cultura. Parece que se desmorona a ideia de honestidade associada àqueles que admiramos, ou pelo menos respeitamos. Deixámos de estar apenas no domínio do financiamento partidário, ou das empresas sem escrúpulos, para descermos ao rés-do-chão da existência: ter muito e querer ter mais, a qualquer preço, sem olhar a meios; enganar o Estado e com a mesma desfaçatez enganar clientes, sócios, no limite famílias; viver como se não houvesse regras, leis, como se fosse válida a frase “sem rei nem roque”. Sinceramente, não tenho grande interesse em saber como vai acabar tudo isto, se haverá processos e prisões, responsáveis e casos exemplares - porque o desânimo e o descrédito são mais fortes e mais pesados, derrotam princípios e deixam-nos com poucos argumentos para educar bem os nossos filhos. Achamos que o terrorismo é condenável e julgamo-nos superiores porque dialogamos e vivemos em (suposta) democracia. Na verdade, a corrupção e os negócios sujos do mundo do dinheiro constituem a nossa forma de exercer terrorismo. São minas em terreno que dizemos limpo. Arrasam países como bombas. E também matam - quando o desespero de um desempregado chega ao suicídio, ou quando o dinheiro não chega para a renda e “em casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão”. Cada cêntimo opaco que esteja nos milhões de documentos do Panama Papers foi roubado a um de nós. Ter esta consciência é essencial para entender a gravidade do caso - e para perceber onde chegámos. Chegámos ao fim da linha. Já não há fundo onde bater para que ele desça ainda mais.
Para mim, uma vitória. Para quem me rodeia, nalguns casos, uma chatice - felizmente, para a maioria, um alívio (o meu filho leva a taça, claro...). Eram 50 a 60 cigarros por dia...
Não discuto virtudes nem desvirtudes, forças nem fraquezas. Apenas vos digo: gosto de assinalar esta data. E não é por ter deixado de fumar que sou mais feliz. Ou mais infeliz. A felicidade está noutros meridianos...
Quem me aguentou, anos a fio, fumador imparável, só podia gostar mesmo de mim. Disso eu tenho a certeza. O resto está comigo, com o corpo, com a cabeça.
Dez anos depois, exceptuando a dormir, nos sonhos de que me lembro - e onde persisto quase sempre fumador, fenómeno estranho... -, não sinto falta de cigarros, não me apetece fumar em circunstância alguma, e vivo como se nunca tivesse fumado. Até o cheiro me é estranho. É uma vitória - mas acima de tudo, uma enorme paz.
Deixar de fumar é bom na medida em que nos liberta. E essa liberdade nos permite outras liberdades. Só isso. Tudo isso.
(O cartoon foi roubado na New Yorker, e faz parte da colecção do fabuloso Tom Cheney.)
Sei que há explicações para tudo e que a culpa é minha, que devo ter dito que sim às clouds e aos dropboxes desta vida (por isso dispenso aqueles comentários nerds sobre como sou um ignorante informático, muito obrigado, e como usando os comandos salt mais b mais asterisco e H, blá, blá, blá…)… …Mas descobri ontem que umas boas centenas de fotografias que julgava apagadas - porque as apaguei do telefone e do Mac - andam por aí numa nuvem qualquer. Esta imagem de uma estrada sem fim, ou com o fim mergulhado no Tejo, é apenas uma delas… Nenhuma daquelas fotografias me incomoda ou perturba especialmente. São apenas más fotos tiradas em momentos que não ficam para história alguma. Mas o facto de perceber, por fim, e sem margem para dúvidas, que não controlo e não domino - logo, não confio - esta cena da virtualidade, deixa-me cheio de vontade de voltar à vida sem rede. Sem rede social. Sem rede nas nuvens. Sem rede de pesca. Ainda por cima as nuvens não estão sempre no mesmo lugar. Como confiar nelas?
Era dia das mentiras mas esta verdade é das maiores satisfações e talvez o maior orgulho que o percurso profissional me deu: faz hoje 20 anos, entrou por uma sala do número 10 da Rua João Penha, uma miúda tímida, mas sorridente e divertida, que se apresentava como uma teenager, camisola com ursinhos bordados, jeans e sapatos de vela, tratava todos por “você”, e estava ali disposta a provar que valia a pena ter sido seleccionada entre mais de 700 candidatos que tinham respondido a um anúncio no jornal “Público”. Sem cunhas, sem pedidos, sem amigos: só um conjunto de indicíos, na carta de apresentação, que levaram a Carmo a achar que devia ser uma das vinte finalistas. E foi. O anúncio, vago, pedia jovens jornalistas, ou estagiários, para integrar uma pequena equipa de uma empresa que produzia conteúdos para jornais e revistas, programas de rádio e TV. Basicamente, produzia a minha vida profissional… A “empresa” era constituída por mim, pela minha mãe, pela Carmo de Aragão Barros. Fazíamos rádio, tínhamos projectos de televisão, e suplementos para revistas. Estávamos - mas nem sonhávamos… - à beira de conceber e produzir o DNA, do Diário de Notícias. A miúda da camisola dos ursinhos fez de tudo: pequenas peças de rádio, textos de jornal, ajudou nos projectos de televisão. Ía a todas. Era, por detrás daquela timidez, uma força da natureza - com o “plus” da boa-disposição, e o melhor de tudo: era normal. Sem manias. Sem merdas. E com uma vontade de aprender, crescer e melhorar que nos deixava de cabeça à banda. Um exemplo: pedíamos-lhe que recolhesse um depoimento de determinada figura pública para um suplemento de Natal de uma revista qualquer. Ela dizia “vou já tratar disso”, mas na verdade não fazia ideia de quem era aquela figura - e não havia ainda internet a que se agarrar. Não dava parte de fraca. (Eu só soube muito mais tarde) Discretamente, saía do escritório, ía ao café em frente, telefonava à mãe e perguntava quem era… Depois nasceu o DNA e a miúda cresceu. Deixou de ser a rapariga que escrevia muito bem para se tornar a jornalista que mostrava sensibilidade e talento a rodos, que tinha ideias fora da caixa, que ousava e arriscava em reportagens complexas - e que, ao mesmo tempo, era capaz de rir de si própria e gozar com as próprias pancadas. Chorar era uma delas… O resto da história é conhecido: a miúda da camisola de ursinhos é hoje a Sónia Morais Santos, reconhecida e premiada jornalista, blogger, profissional da comunicação. Levantou voo tranquila e seguramente.
Sou o pior padrinho de casamento que ela podia ter arranjado - mas sou na mesma, e não abdico… Estamos muitas vezes distantes - mas eu sei, eu sinto, que estamos sempre muito perto. Tenho um desmedido orgulho em falar com a Sónia de igual para igual, como deve ser, como é justo que seja. Acabaram as diferenças entre nós - e não há coisa mais bonita para quem acompanhou todo este caminho. Além de tudo isto, é uma pessoa boa. Verdadeiramente boa, leal, séria. Uma mãe extraordinária. Para culminar, teve a sorte de encontrar o marido perfeito. Pedir mais é impossível. Há 20 anos, não podia imaginar que a vida me reservaria uma história tão bonita e tão justa como esta. Há 20 anos, tudo estava em aberto. E 20 anos depois, eu só tenho uma palavra para dizer à Sónia: obrigado. Por ser quem é. Por nunca me ter desiludido. Por nunca ter virado as costas ao futuro. Hoje, quem se orgulha de ter a sua amizade sou eu. E quem lhe está grato também. Venham mais vinte…
Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.
Uma boa frase
Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira
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