Génios à solta podem dar canções como esta...
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Tenho uma amiga com quem discuto, de vez em quando, a pena de morte. Porque ela a defende, porque eu não consigo defendê-la. É um debate saudável e civilizado, normalmente sustentado em exemplos concretos - tão concretos que é frequente ter dificuldade em alimentar as minhas próprias convicções…
Defender um humanismo de redenção e formação, de “não farás aos outros o que não gostas que te façam” (ou, citando Sartre, “a violência, seja qual for a maneira como ela se manifesta, é sempre uma derrota”), de admissão da falha humana e do frequente erro judiciário, esbarra mais vezes do que gostava na barbárie extrema de certos actos, na impossibilidade de aceitar ou sequer compreender carnificinas, homicídios gratuitos, genocídios, entre tantos crimes sem perdão possível.
Ontem, ao ler as noticias sobre a violação de uma miúda brasileira de 16 anos, por 30 homens (homens? Menos que animais selvagens…), pensei nas conversas que tenho com a minha amiga.
E senti-me encurralado. É essa a palavra certa: encurralado.
(Crónica de hoje na plataforma/newsleter Sapo24)
No começo, também suspirei de alívio: um ecologista conseguira vencer a escalada, aparentemente imparável, da extrema-direita nas eleições austríacas, numa segunda volta renhida até ao último minuto. Mas foi só no começo.
Quando os números finais apareceram, os títulos dos jornais - Austria rejeita Presidente de extrema-direita, ou Austria derrota extremistas - eram mais desejo do que facto. Na verdade, foram apenas 31 mil votos que deram a vitória a Alexander Van der Bellen, numa eleição onde 86% dos operários votaram no extremista Norbert Hofer, permitindo-lhe fracturar ainda mais o país com a ideia de que o povo está com ele, e as elites com o Presidente eleito. Quanto aos partidos clássicos, melhor nem falar…
Qualquer que seja o ponto de vista, o caso austríaco veio confirmar a fúria populista, xenófoba e anti-europeia que grassa por toda a Europa, numa vaga de fundo que contraria todos os pressupostos que nos trouxeram até aqui no projecto europeu (com excepção de Portugal e Espanha, que preferem a extrema-esquerda para abrigarem as suas indignações e revoltas…). É um momento triste e lamentável, o que vivemos, por mais que o possamos querer entender.
Não me parece que seja uma questão eminentemente política - mas antes, uma revelação da raça tal e qual ela é, quando se sente ameaçada ou acossada por algo cujos contornos desconhece. Pode ser a complexa questão dos refugiados ou a simples aritmética de uma Europa onde os países ricos contribuem para que os países pobres deixem de o ser. Tanto faz. A cultura do individualismo é mais forte do que qualquer boa vontade. A sociologia e a psicologia talvez expliquem melhor a evolução política na Europa, e o estado a que chegámos, do que propriamente a falência dos modelos dos partidos clássicos do centrão, ou o cansaço que todos sentimos de governações mal sucedidas, muitas vezes corruptas, quase sempre ineficazes face às promessas do costume.
No Portugal brando e tranquilo, onde a revolução maior é um Governo sustentado numa maioria parlamentar que se parece mais com uma gelatina do que com um bolo, o que se passa no resto da Europa parece interessar pouco. Mas sou obrigado a confessar: não fiquei nada aliviado com os resultados das eleições na Áustria. E apesar de ter nascido bem depois de 1945, já acreditei mais que os europeus tinham aprendido de vez a lição - e, podendo não saber o que queriam, sabiam claramente o que não queriam. Hoje, já não digo nada. Ou digo: aliviado, não estou.
Está no livro novo da Leonor Xavier, que reúne 18 entrevistas que fez a portugueses e brasileiros. Ela, “a portuguesa mais brasileira de Portugal”, nunca descarta esta condição nas suas conversas. Por isso, não é de admirar encontrar, a páginas tantas, esta declaração de Agostinho da Silva. Tão linear, verdadeira e sincera, que nem a discuto. Aqui fica, para quem nela quiser pensar (sem deixar de a endereçar a Pedro Passos Coelho, que nunca percebeu nada sobre isto…):
“O Brasil foi feito por portugueses? Foi. Mas deve-se acrescentar: pelos portugueses que fugiram de Portugal. Portugal tem de se renovar, de se restaurar, de maneira que possamos sair sem ser a fugir. Não é emigrar por não gostar de Portugal, é emigrar por gostar de estar no mundo e para levar ao resto do mundo uma mensagem portuguesa e talvez ibérica”.
(Crónica de ontem na plataforma/newsletter Sapo24)
Uma coisa é certa: dei por isso. Terça-feira passada, aterrando em Lisboa depois de alguns dias fora, o habitual discurso da assistente de bordo da TAP incluía uma novidade - saudava os passageiros à chegada ao “Aeroporto Humberto Delgado”. Nem Portela, nem Lisboa. Humberto Delgado. Desde sábado, dia 15, é este o nome oficial do primeiro Aeroporto Internacional de Portugal, depois do Governo adoptar a proposta que a Câmara de Lisboa aprovou em Fevereiro de 2015. Curiosamente, António Costa era o Presidente da CML nessa altura, e é agora o primeiro-ministro que torna a proposta (de resto, aprovada por unanimidade) efectiva.
Confesso que senti alguma emoção. Humberto Delgado não é do meu tempo, só o conheço pela campanha que o notabilizou (e matou…), mas esta nova designação da Portela consagra algo que sempre defendi: os nomes que as ruas, as praças, os edifícios, ostentam, não são meros carimbos evocativos - são formas de perpetuar aqueles cuja vida nos deve orgulhar na identidade, na ética, na forma como deram o seu melhor pela comunidade. Gosto de saber quem foi a pessoa que convocou o nome de uma rua ou avenida. Por que motivo uma rua se chama assim ou assado.
Uma vez escrevi sobre este tema - quando, num táxi, fui surpreendido com uma memória que provavelmente se apagaria se não houvesse uma rua com o seu nome: ouvi uma chamada de um cliente para a Rua Helena Vaz da Silva. Esse aparentemente banal e corriqueiro acto levou-me a recordar a grande mulher do Centro Nacional de Cultura. E a falta que nos faz. É para isso que servem os nomes das ruas e dos edifícios: para que nunca esqueçamos aqueles que marcaram um tempo - mas cujo correr dos dias, pela sua natureza, se encarrega de esfumar, na memória e tantas vezes, por essa via, na importância.
No caso de Humberto Delgado, juntam-se dois factores relevantes para que o principal Aeroporto português tenha o seu nome: não apenas foi um dos ícones da oposição ao regime ditatorial de Salazar, como foi um dos pioneiros da aviação civil nacional, presidindo à fundação da TAP, em 1945, e definindo os seus contornos iniciais. Claro que o seu nome chega aos dias de hoje pela “ousadia” de ser candidato presidencial de oposição a Américo Tomás, em 1958, e pela coragem de, à pergunta sobre que destino daria a Salazar, caso fosse eleito, ter “criado” o primeiro soundbyte do século XX português: “Obviamente, demito-o!”. Ficou conhecido pelo nome de “General Sem Medo”, o que lhe custou a vida. A polícia política de então, a PIDE, percebeu nesse momento o que havia a fazer: eliminá-lo. Fê-lo em 1965.
Cinquenta anos depois, faz-se justiça ao General Humberto Delgado - e agora, para todo o sempre, quando um avião aterra na Portela, o seu nome é dito, e por muitos recordado. Mais do que aulas de História ou museus adormecidos, é desta forma que perpetuamos os que merecem esse reconhecimento. É raro, mas aconteceu: foi com um sorriso de felicidade e comoção que voltei a Lisboa na terça-feira.
Um dia, há uns anos, fui a Fátima. Fui sozinho, por pura curiosidade, e fora destas datas mais simbólicas. Era um dia de semana e, ainda assim, estava muita gente no Santuário, empenhada e dedicada. Surpreendeu-me.
Mas o que mais me impressionou, além dos grupos de peregrinos e do comércio que os rodeia, confesso: foi esta placa, que encontrei espalhada por todo o lado. Não imaginei possível sequer que existisse. Menos ainda naquele lugar.
(Crónica de ontem na plataforma/newsletter Sapo 24)
Confesso a minha ignorância: até agora, não sonhava com os repentinamente famosos contratos de associação entre o Estado e os colégios privados. Eu, e seguramente uma boa parte dos portugueses, estávamos a leste de mais este “subsidio” que os nossos impostos vão pagando. A decisão do Governo de acabar com esses contratos, firmados com os colégios privados para suprir as faltas do ensino público em quase todas as regiões do país, abriu um debate que tem tanto de irónico quanto de revelador sobre o Estado, os partidos, e a nossa eterna subsidiodependência.
Comecemos pelos partidos. É irónico, divertido - ainda que trágico - ver que aqueles que passam a vida a encher a boca com “menos estado, mais iniciativa privada”, sejam aqueles que estão contra o fim destes contratos - que mais não são do que “mais estado e menos privado”… Como foi o Governo de Passos Coelho que perpetuou esta embrulhada - pelos vistos, oferecendo um bom negócio aos colégios privados sem cuidar de avaliar os recursos públicos entretanto criados… -, vê-se agora na contingência de defender o que (vou fazer-me de ingénuo…) precipitadamente assinou.
Ao contrário, o Governo socialista, acusado pela direita de ser despesista, gastador, e pôr em causa todo o trabalho de formiguinha feito pelo PSD e pelo CDS, é por estes arrasado no primeiro momento em que mostra alguma vontade de gerir recursos com parcimónia e inteligência…
Parece que os papeis se invertem. Na verdade, o que se inverteu foi apenas o lugar de cada um no xadrez politico: os que estão fora do poder, podem agora gritar o que lhes apetece e parecerem meninos de coro a caminho da missa. Não é nada com eles. Pior: tinham a austeridade na ponta da espingarda até há uns meses, e agora descobrem que Portugal é tão rico que até os pais com menos recursos económicos podem optar por colocar os filhos em colégios privados, e caros…
Há porém um ponto em que PSD e CDS têm razão. E é relevante. Por mais falha ou buraco negro que possa existir na legislação - e que permita ao Governo abreviar estes contratos -, eles foram assinados para três anos. E os colégios que os assinaram confiaram.
Que o Estado não é pessoa de bem, há muito que sabemos. E disso somos responsáveis, nas escolhas que fazemos em cada eleição. Que um Governo dito socialista tenha a desfaçatez de mostrar à luz do dia que a palavra dita, assinada e reconhecida, não tem qualquer valor, sustentado num qualquer artigo da lei obscuro e desconhecido dos colégios, é um atentado à já escassa confiança que temos em tudo o que cheira a Estado.
E se é verdade que o Estado somos todos nós, quem raio somos para deixar que chegue a este estado? Talvez devêssemos parar e pensar nisto. O que não vale é misturar uma medida certa - a do Governo - com o momento errado em que é aplicada, a dois anos do fim do contrato que foi assinado. Não se mudam regras a meio do jogo.
Fernanda Câncio ia a caminho da missa quando tudo aconteceu. Ou melhor, quando tudo se soube - porque, na verdade, já tinha acontecido. Ela estava lá - mas, por momentos, perdeu o faro jornalístico que a distingue, e achou tudo normal. Óbvio. Sem mácula.
O amor é assim. O amor é lindo.
Quando o amor acaba, escrevem-se longos textos na Visão sobre o que o amor cegou. Basicamente, é isto.
Miguel:
Tudo o que escreves é verdade (excepto o exagero dos dez anos: almoçámos algumas vezes, incluíndo à quarta-feira…), mas podias ao menos responder aos meus mails! Ou avisar, nem que seja meia-hora antes, que vais comparecer na nossa combinação de almoçar às quartas, “quer estejamos ou não”…
… Porque isto da amizade sobreviver a tudo, é verdade - mas as saudades aumentam e a conversa para pôr em dia já leva tempo demais de atraso. Não falando, como escreveu o Chico Buarque, que “a saudade dói latejada”.
Diz qualquer coisa, vá… E porque não já?
Teu eterno e maior amigo,
Pedro
(O texto acima é parte da crónica de ontem de Miguel Esteves Cardoso no Público)
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