Alívio? Qual alívio?
(Crónica de hoje na plataforma/newsleter Sapo24)
No começo, também suspirei de alívio: um ecologista conseguira vencer a escalada, aparentemente imparável, da extrema-direita nas eleições austríacas, numa segunda volta renhida até ao último minuto. Mas foi só no começo.
Quando os números finais apareceram, os títulos dos jornais - Austria rejeita Presidente de extrema-direita, ou Austria derrota extremistas - eram mais desejo do que facto. Na verdade, foram apenas 31 mil votos que deram a vitória a Alexander Van der Bellen, numa eleição onde 86% dos operários votaram no extremista Norbert Hofer, permitindo-lhe fracturar ainda mais o país com a ideia de que o povo está com ele, e as elites com o Presidente eleito. Quanto aos partidos clássicos, melhor nem falar…
Qualquer que seja o ponto de vista, o caso austríaco veio confirmar a fúria populista, xenófoba e anti-europeia que grassa por toda a Europa, numa vaga de fundo que contraria todos os pressupostos que nos trouxeram até aqui no projecto europeu (com excepção de Portugal e Espanha, que preferem a extrema-esquerda para abrigarem as suas indignações e revoltas…). É um momento triste e lamentável, o que vivemos, por mais que o possamos querer entender.
Não me parece que seja uma questão eminentemente política - mas antes, uma revelação da raça tal e qual ela é, quando se sente ameaçada ou acossada por algo cujos contornos desconhece. Pode ser a complexa questão dos refugiados ou a simples aritmética de uma Europa onde os países ricos contribuem para que os países pobres deixem de o ser. Tanto faz. A cultura do individualismo é mais forte do que qualquer boa vontade. A sociologia e a psicologia talvez expliquem melhor a evolução política na Europa, e o estado a que chegámos, do que propriamente a falência dos modelos dos partidos clássicos do centrão, ou o cansaço que todos sentimos de governações mal sucedidas, muitas vezes corruptas, quase sempre ineficazes face às promessas do costume.
No Portugal brando e tranquilo, onde a revolução maior é um Governo sustentado numa maioria parlamentar que se parece mais com uma gelatina do que com um bolo, o que se passa no resto da Europa parece interessar pouco. Mas sou obrigado a confessar: não fiquei nada aliviado com os resultados das eleições na Áustria. E apesar de ter nascido bem depois de 1945, já acreditei mais que os europeus tinham aprendido de vez a lição - e, podendo não saber o que queriam, sabiam claramente o que não queriam. Hoje, já não digo nada. Ou digo: aliviado, não estou.