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Pedro Rolo Duarte

29
Set16

O sexo dos anjos

(Crónica desta quinta na renovadíssima plataforma/newsletter Sapo24)

A polémica à volta da distribuição de preservativos nas escolas (medida que tem letra de lei há anos, mas nunca foi aplicada…), diz muito sobre a forma como se persiste em entender o ensino como uma espécie de bolha liofilizada, conservada em vácuo, que dispõe de uns estabelecimentos onde depositamos os nossos filhos - e de onde eles saem com a clara noção de que tudo o que aprenderam lá dentro serve para muito pouco cá fora.
Exagero? Claro que sim. Mas a experiência pessoal de ter um filho que estuda noutros países há quase cinco anos, e o conhecimento de como o ensino é entendido nesses países (falo da Austrália e da Grã-Bretanha), integrado na vida real e cruzado com a ideia de cidadania, permite-me afirmar, com tristeza, que estamos muito longe do ideal no que a estas questões diz respeito.
Fala-se de educação sexual, ou de preservativos nas escolas, como se estivéssemos a debater a liberalização de drogas duras. Como se tal facto provocasse uma orgia generalizada nas escolas, uma corrida desenfreada ao sexo sem rei nem roque. Faz-se do sexo um bicho papão, numa sociedade onde qualquer miúdo com um computador tem acesso livre a tudo o que há de bom e de mau nesta matéria.
Ora, o ensino, para ser eficaz, útil, e constituir a natural aproximação dos mais novos ao mundo onde vão viver até ao fim dos seus dias, tem de se abrir ao que o rodeia. Não se “entra” numa escola - ela deve fazer parte da vida de qualquer um, e deve reflectir a sociedade onde se insere. Num país que tem a maior costa marítima europeia, é tão relevante conhecer a História de Portugal como saber nadar ou distinguir uma pescada de um carapau. Num país que tem um estilo musical ímpar como o fado, é tão relevante a matemática como a música. Num país que todos os anos arde lentamente, conhecer e respeitar a floresta devia ser valorizado ao nível dos conhecimentos da gramática ou da geometria. Podia ir por aí fora, sem limite.
Numa sociedade aberta e inclusiva, a escola tem de ser o espaço onde se encontra toda a cidadania, onde se debatem todos os problemas, onde a hierarquia do ensino corresponde mais à hierarquia da própria vida do que a currículos formatados para distanciar o que se aprende do que se vive.
Quando o meu filho me contou que, na Austrália, participar em eventos que evocam a História do país - uma corrida, por exemplo… -, ou a prática de actividades extracurriculares, como o curso de nadador-salvador, ou o voluntariado, contam na avaliação final do ano lectivo de um aluno, entendi o que era a integração da escola com o país, com a sociedade. Não há um mundo chamado escola e outro chamado vida real. Há só vida real. E esse é um dos segredos do sucesso dos países desenvolvidos.
Voltando à base, e ao começo de tudo: quando o debate se centra sobre se os preservativos devem estar nas escolas ou nos centros de saúde, em vez de debatermos a forma como integramos o sexo nesta ligação sem fios entre o ensino e o mundo “cá fora”, ficamos no provincianismo de sempre, e no atraso de vida eterno. E insistimos em olhar para a escola como a bolha. Onde temos os nossos anjos. Sem sexo. Sem nada. Mas com a maior taxa da gravidez juvenil da Europa…

25
Set16

Voltar a Óbidos

Obidos.JPG

E recuperar uma imagem da última vez que aqui estive. Foi há menos de um ano. E foi bom.

De regresso a Óbidos, confirmo o que a fotografia queria dizer: sim, as palavras podem ser pesadas. Pesam sempre. E às vezes pesam mais do que queríamos.

24
Set16

A confirmar-se que hoje é sábado…

nelson.jpg

… Parece-me um excelente dia para saudar a “Tinta da China” (quantas vezes já saudei esta editora? Nem sei…), por recuperar mais um brasileiro imperdível, Nelson Rodrigues, dramaturgo e cronista, que nos deixou em 1980, mas cuja obra felizmente chega impoluta e superior aos dias de hoje, apesar da má fama que sempre o perseguiu…

Conheço-o como cronista e escritor, acho que nunca vi qualquer das suas peças de teatro, mas faz parte da minha galeria de heróis da escrita que passaram pela imprensa, juntamente com Ruy Castro, Veríssimo e mais dois ou três, fazendo dos jornais brasileiros (pelo menos dos principais, do Globo à Folha de São Paulo, passando pelo Estadão…) exemplos do melhor que o século XX nos deixou.

Dito isto, e sabendo que a “Tinta da China” edita agora “O Homem Fatal” e “A Vida Como Ela É” (esta foto é da edição brasileira da Companhia das Letras), a memória devolveu-me uma das frases de Nelson Rodrigues que mais vezes repeti entre amigos. Pela ironia e pela verdade. Pelo pessimismo e pelo realismo. Pelo humor negro e pela simplicidade. Diz só isto:

“O sábado é uma ilusão”.

… Ainda assim, vamos lá vivê-lo.

23
Set16

O mundo de Saraiva

Não é preciso - nem conveniente, digo eu… - ler o livro de José António Saraiva, “Eu e os Políticos”, para perceber que estamos perante um vómito de um homem sem escrúpulos, sem princípios, sem ética, sem moral. Que tenha dirigido o principal semanário português durante mais de 20 anos, não consigo compreender. Que tenha arranjado dinheiro - ou melhor, que haja quem lhe tenha dado crédito… - para fundar depois o “Sol”, compreendo ainda menos.
Que haja espanto e surpresa na edição de um livro de devassa da vida privada, de traição a quem nele confiou, e de mexeriquice gratuita, repugnante e difamatória, assinado por José António Saraiva, isso já me surpreende. Não era isso que dele se esperava?
Não conheço bem o senhor, e os dois momentos em que nos cruzámos disseram-me tudo sobre a figura. Poupo-vos pormenores. Direi apenas que o quis entrevistar quando lançou o “Sol”, e o senhor recusou, alegando que o tratara mal, numa reportagem sobre o "Expresso", que eu tinha feito 20 anos antes, nas páginas de "O Independente". Estranhei a resposta, porque Saraiva me enviava os seus livros com dedicatórias altamente elogiosas - mas fiquei esclarecido quando um dia tropecei nessa antiga reportagem e verifiquei que não apenas não o tinha “tratado mal” como fizera a mais limpa e ingénua reportagem sobre um dia de fecho do "Expresso". Claramente, Saraiva confundiu-me, ou vivia já sob esta histérica condição de centro do mundo - a mesma que o levou a declarar que ambicionava o Prémio Nobel da Literatura. Ou a mesma que o levou a interrogar-se sobre se os gays não andariam a exibir-se excessivamente. Ou a ignóbil prosa que escreveu, já nem sei onde, sobre Emidio Rangel, depois da sua morte.
Bom, dali não vem nada de bom, nunca veio, nem nos tempos em que escrevia na página 3 do "Expresso" uma coluna onde explicava aos políticos, de forma simplista, redutora e muito pouco consistente, o que deveriam fazer…
Por isso, confesso, o que me surpreende são as vozes indignadas, revoltadas, chocadas, de todos aqueles que trabalharam com José António Saraiva, sob a direcção de José António Saraiva, que o conheceram bem e de perto, e nessa altura lhe foram leais e fieis. Incluindo alguns que o acompanharam na aventura do “Sol”. Mas a vidinha é assim - e às vezes o ordenado ao fim do mês fala mais alto…

17
Set16

Checklist

nuvens.jpg

Quando chega Setembro, os sábados voltam a ter checklist:
1. Acordar tarde.
2. Chá em casa, seguido de sumo e café.
3. Banho e essas cenas.
4. Sair.
5. Na Barata, jornais: Expresso, Público, Correio da Manhã, El Mundo. Vista de olhos às revistas, pode sempre pingar mais qualquer coisa…
6. Rosa Doce: café, mini-salgado, croissants e pães-de-leite para mais tarde.
7. Ver o mar, onde quer que ele esteja. Onde quer que ele seja.
8. Brunch (prefiro chamar-lhe almoço tardio, ou lanche ajantarado) junto ao rio. Ou amêijoas, longe. Ou mini-pregos no Lost in. Ou ceviche na Cevicheria.
E depois logo se vê.
Gosto das rotinas de sábado. Mesmo as que nunca sei quais são.

As melhores rotinas não carecem de planos. Assim será.

14
Set16

“Consumidores de alegrias”

IMG_0100.jpg

Graças às excelentes reedições da “Guerra & Paz”, tenho lido alguns daqueles clássicos que levam toda a gente à irritante pergunta indignada - “O quê?! Não leste esse?!” -, como se ler fizesse parte de um qualquer estalinista “Plano de Leitura”. Para mim, nunca fez, nem quando andei por essas bandas mais à esquerda… Como leio por prazer, a não ser em situações profissionais, escolho os livros em função dos meus estados de alma, das capas, de um click inexplicável enquanto leio uma notícia de jornal, sei lá…
Tudo isto para dizer que acabei agora “O Amante de Lady Chatterley”, de D.H. Lawrence, na perfeita tradução de Maria João Madeira (uma boa tradução sente-se, não carece do original para comparar…). Tinha visto uma ou duas adaptações ao cinema, que não me entusiasmaram. Mas o livro é francamente bom, porque consegue transportar-nos até ao ambiente de um tempo distante, e entrar dentro dos sentimentos daquelas personagens, numa construção literária que em muito se assemelha às séries de TV de hoje. À luz dos nossos dias, não tem nada de pornográfico - e chega a ser preciosamente cuidadoso nos momentos mais íntimos. Alguns escritores portugueses deviam aprender com Lawrence como se pode descrever uma cena de sexo, com o lado carnal e irracional que lhe está subjacente, sem perder a elegância e a elevação da escrita…
Porém, não foi nada disto que me trouxe aqui!
É que anda meio-mundo a debater o turismo em Lisboa, a gentrificação, os excessos, onde fica o ponto de equilíbrio que não deixará Lisboa descambar para uma Barcelona do século XXI, e de como o Turismo é “a última coca-cola do deserto” do mundo moderno…
… Mas foi neste “O Amante de Lady Chatterley” que li uma das mais antigas premonições sobre o que, falando de viagens e turismo, vivemos nos dias que correm. É quando Connie, a Lady Chatterley, vai passar uns dias a Veneza e, às tantas, desabafa:
“Prefiro estar em Wragby, onde posso passear e estar sossegada, e não tenho de olhar para coisa nenhuma ou representar seja o que for. Esta representação turística do divertimento de cada um é desesperadamente humilhante: é um estrondoso fracasso.
Queria voltar para Wragby, até para Clifford, até para o pobre e estropiado Clifford. Não era tão tolo como aquele magote de viajantes em férias. (…) Ah, os consumidores de alegrias! Ah, uma pessoa divertir-se! Outra forma moderna de doença.”
Deixou-me a pensar, enquanto tentava chegar aos Armazéns do Chiado, por entre tuk-tuks e gente que não falava a minha língua. Não sei se é doença - mas é febre. Isso é.

12
Set16

Memória breve de ruína em ruína

newyorker911covera.jpg

Só fui casado, até agora, uma vez. Por isso, a separação e o consequente divórcio foram, como o casamento e a paternidade, factos relevantes na minha vida. Tudo se passou entre o final do século XX e 2001.
Passados tantos anos, a vida encarregou-se de hierarquizar os factos, e o que ficou de tudo isto - relevante, marcante, eterno, e felizmente o maior motivo de orgulho que posso ostentar - foi mesmo a paternidade. Ou melhor: o António Maria que daí resultou. O melhor que fiz na vida (sem esquecer que é filho de pai e mãe, e sabendo que muita gente contribuiu para este resultado, dos professores aos amigos, da família aos médicos).
Dito isto, a agenda: no dia 11 de Setembro de 2001 ía discutir, civilizadamente, com a mãe do meu filho, a já incontornável separação,. Estávamos de férias, no Alentejo. Combinámos conversar à noite, depois do filho adormecer, e mantivemos a rotina de sempre. A caminho da praia do Carvalhal (o da Zambujeira…), recebo uma sms incompreensível da Carmo Aragão Barros, meu braço direito na vida, que falava de um avião que tinha caído em Nova Iorque. Havia a limitação dos caracteres nas sms e não percebi a relevância da mensagem, dado que aparentemente não mudaria nada naquele dia, numa fase em que dirigia um suplemento semanal, de fim‑de‑semana, no Diário de Notícias, e estava de férias…
Ainda assim, e depois de, no bar da praia, ouvir os primeiros especiais da Antena 1 (não é propaganda, é verdade!), achei que devia voltar para casa e ligar a TV. Estava um dia cinzento na praia, o que ajudou.
À medida que nos apercebemos da gravidade do que se estava a passar, adiámos a conversa sobre a separação para o dia seguinte, decidimos que as férias terminavam ali -  e expliquei, o melhor que pude, a um miúdo de 5 anos, porque tínhamos de voltar para Lisboa rapidamente.
Assim aconteceu. No dia 12, acabou o meu casamento.
Algumas semanas mais tarde, a praia da minha vida morria, porque o excesso de zelo e a partidarite autárquica mandaram destruir o bar da Maria da Luz, seguramente o melhor bar de praia que alguma vez se fez em Portugal. Com isso comecei o processo de “divórcio” daquela zona do Alentejo.
Comecei a admitir que talvez não haja mesmo coincidências.
E assim, nesse Outono de 2001, acordei para a realidade, depois de muitos anos em que tudo, mesmo tudo, foi possível. Nunca mais nada foi o mesmo. No mais pequeno dos meus círculos, e no circulo maior que é o Globo. Até hoje. Passaram 15 anos.
Foi como se um qualquer deus existisse e dissesse: vá lá um balde de água fria em cima dessa gente toda. Eles estão a precisar.
A pergunta persiste: estávamos?
(… ou não houve quem atirasse o balde?)

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