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Pedro Rolo Duarte

14
Set16

“Consumidores de alegrias”

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Graças às excelentes reedições da “Guerra & Paz”, tenho lido alguns daqueles clássicos que levam toda a gente à irritante pergunta indignada - “O quê?! Não leste esse?!” -, como se ler fizesse parte de um qualquer estalinista “Plano de Leitura”. Para mim, nunca fez, nem quando andei por essas bandas mais à esquerda… Como leio por prazer, a não ser em situações profissionais, escolho os livros em função dos meus estados de alma, das capas, de um click inexplicável enquanto leio uma notícia de jornal, sei lá…
Tudo isto para dizer que acabei agora “O Amante de Lady Chatterley”, de D.H. Lawrence, na perfeita tradução de Maria João Madeira (uma boa tradução sente-se, não carece do original para comparar…). Tinha visto uma ou duas adaptações ao cinema, que não me entusiasmaram. Mas o livro é francamente bom, porque consegue transportar-nos até ao ambiente de um tempo distante, e entrar dentro dos sentimentos daquelas personagens, numa construção literária que em muito se assemelha às séries de TV de hoje. À luz dos nossos dias, não tem nada de pornográfico - e chega a ser preciosamente cuidadoso nos momentos mais íntimos. Alguns escritores portugueses deviam aprender com Lawrence como se pode descrever uma cena de sexo, com o lado carnal e irracional que lhe está subjacente, sem perder a elegância e a elevação da escrita…
Porém, não foi nada disto que me trouxe aqui!
É que anda meio-mundo a debater o turismo em Lisboa, a gentrificação, os excessos, onde fica o ponto de equilíbrio que não deixará Lisboa descambar para uma Barcelona do século XXI, e de como o Turismo é “a última coca-cola do deserto” do mundo moderno…
… Mas foi neste “O Amante de Lady Chatterley” que li uma das mais antigas premonições sobre o que, falando de viagens e turismo, vivemos nos dias que correm. É quando Connie, a Lady Chatterley, vai passar uns dias a Veneza e, às tantas, desabafa:
“Prefiro estar em Wragby, onde posso passear e estar sossegada, e não tenho de olhar para coisa nenhuma ou representar seja o que for. Esta representação turística do divertimento de cada um é desesperadamente humilhante: é um estrondoso fracasso.
Queria voltar para Wragby, até para Clifford, até para o pobre e estropiado Clifford. Não era tão tolo como aquele magote de viajantes em férias. (…) Ah, os consumidores de alegrias! Ah, uma pessoa divertir-se! Outra forma moderna de doença.”
Deixou-me a pensar, enquanto tentava chegar aos Armazéns do Chiado, por entre tuk-tuks e gente que não falava a minha língua. Não sei se é doença - mas é febre. Isso é.

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