O sexo dos anjos
(Crónica desta quinta na renovadíssima plataforma/newsletter Sapo24)
A polémica à volta da distribuição de preservativos nas escolas (medida que tem letra de lei há anos, mas nunca foi aplicada…), diz muito sobre a forma como se persiste em entender o ensino como uma espécie de bolha liofilizada, conservada em vácuo, que dispõe de uns estabelecimentos onde depositamos os nossos filhos - e de onde eles saem com a clara noção de que tudo o que aprenderam lá dentro serve para muito pouco cá fora.
Exagero? Claro que sim. Mas a experiência pessoal de ter um filho que estuda noutros países há quase cinco anos, e o conhecimento de como o ensino é entendido nesses países (falo da Austrália e da Grã-Bretanha), integrado na vida real e cruzado com a ideia de cidadania, permite-me afirmar, com tristeza, que estamos muito longe do ideal no que a estas questões diz respeito.
Fala-se de educação sexual, ou de preservativos nas escolas, como se estivéssemos a debater a liberalização de drogas duras. Como se tal facto provocasse uma orgia generalizada nas escolas, uma corrida desenfreada ao sexo sem rei nem roque. Faz-se do sexo um bicho papão, numa sociedade onde qualquer miúdo com um computador tem acesso livre a tudo o que há de bom e de mau nesta matéria.
Ora, o ensino, para ser eficaz, útil, e constituir a natural aproximação dos mais novos ao mundo onde vão viver até ao fim dos seus dias, tem de se abrir ao que o rodeia. Não se “entra” numa escola - ela deve fazer parte da vida de qualquer um, e deve reflectir a sociedade onde se insere. Num país que tem a maior costa marítima europeia, é tão relevante conhecer a História de Portugal como saber nadar ou distinguir uma pescada de um carapau. Num país que tem um estilo musical ímpar como o fado, é tão relevante a matemática como a música. Num país que todos os anos arde lentamente, conhecer e respeitar a floresta devia ser valorizado ao nível dos conhecimentos da gramática ou da geometria. Podia ir por aí fora, sem limite.
Numa sociedade aberta e inclusiva, a escola tem de ser o espaço onde se encontra toda a cidadania, onde se debatem todos os problemas, onde a hierarquia do ensino corresponde mais à hierarquia da própria vida do que a currículos formatados para distanciar o que se aprende do que se vive.
Quando o meu filho me contou que, na Austrália, participar em eventos que evocam a História do país - uma corrida, por exemplo… -, ou a prática de actividades extracurriculares, como o curso de nadador-salvador, ou o voluntariado, contam na avaliação final do ano lectivo de um aluno, entendi o que era a integração da escola com o país, com a sociedade. Não há um mundo chamado escola e outro chamado vida real. Há só vida real. E esse é um dos segredos do sucesso dos países desenvolvidos.
Voltando à base, e ao começo de tudo: quando o debate se centra sobre se os preservativos devem estar nas escolas ou nos centros de saúde, em vez de debatermos a forma como integramos o sexo nesta ligação sem fios entre o ensino e o mundo “cá fora”, ficamos no provincianismo de sempre, e no atraso de vida eterno. E insistimos em olhar para a escola como a bolha. Onde temos os nossos anjos. Sem sexo. Sem nada. Mas com a maior taxa da gravidez juvenil da Europa…