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Pedro Rolo Duarte

26
Nov16

Não vá o optimismo entusiasmar-se…

(Crónica do Sapo24 de quinta-feira passada.)
Há dias em que, por efeito do sol ou de uma qualquer descarga extra de serotonina pelo corpo fora, acreditamos a acordar que o Mundo, apesar de Trump, é hoje um lugar melhor e mais simpático para viver, e o ser humano tem tendência para se tornar mais civilizado e sensato.
Porém…
… Porém, é melhor não mergulhar de cabeça nesse caldeirão, que além de ser mais pequeno que o de Obélix - o que pode deixar marcas no mergulho… -, com frequência é desmentido pela realidade, como sucedeu nas últimas semanas. Mesmo que, em geral, a paisagem possa parecer mais bonita, uma aproximação à realidade portuguesa pode estragar tudo. E depressa. A única forma de prevenir o choque, e o consequente trauma, é estar preparado para o pior.
Um conselho que pode ser muito útil, para baixar expectativas, e evitar frustrações, nos dias que correm: sempre que, num momento de inexplicável optimismo, acharem que a sociedade ocidental tem evoluído, que somos hoje mais inclusivos, menos racistas, homofóbicos, sexistas, enfim, que estamos no caminho que vai de encontro à Declaração Universal dos Direitos do Homem, abram um jornal desportivo. E caiam na realidade. É um bom exercício.
Podem ter a “sorte” de apanhar um dia mais morno, sem grandes manchetes ou histórias cabeludas. Mas é raro… Em geral, levam sempre um banho de realidade que tanto pode passar por uma agressão animalesca como uma troca de insultos que envolvem toda a familia dos envolvidos - ou, nos casos mais pitorescos, uma cuspidela que envolve líderes de clubes presumivelmente adultos e educados.
Sobre a famosa cuspidela, não adianta chover no molhado. Daqui a cem anos, quando os Historiadores andarem a vasculhar os media de 2016, vão certamente estranhar o interesse e a minúcia com que o tema foi explorado e debatido, numa obsessão quase doentia que, no limite, levou um dos protagonistas a ter o momento iluminado de explicar as cuspidelas dos jogadores em campo como um reflexo nervoso próprio do futebol…
Estávamos a fechar o capitulo “Saliva que se expele da boca” (cito dicionário, claro), quando a mesma imprensa desportiva revela que, num desencontro verbal entre Cristiano Ronaldo e Koke, durante o Atlético Madrid - Real Madrid, de sábado passado, ao ser chamado de “maricas”, Ronaldo terá respondido: “Sou maricas mas cheio de dinheiro”…
Repare-se na sofisticação e lógica da resposta: à ideia de “maricas” responde-se com… dinheiro. Podia ter sido “Sou maricas mas sou o melhor jogador do mundo” ou “Sou maricas mas tenho uma cadeia de hotéis com o meu nome”. Tanto faz. Trata-se de uma nova forma de associação que nos pode levar longe - eu chamo socialista ao adversário, e ele arruma-me: “sou socialista mas sou do Benfica!”; “sou louro mas sei cozinhar!”, e não tem fim o ridículo de conjugações que podemos encontrar.
E ficaríamos pela brincadeira parva não se desse o caso da resposta de Ronaldo - como o “insulto” de Koke - não revelassem que, apesar das leis, da boa vontade e das melhores intenções, nada mudou muito mais do que, como canta Sérgio Godinho, na “ilusão das aparências”. Quando chega a hora da verdade, quando o sangue ferve e o raciocínio deixa de ter filtro, a maioria de nós volta a ver tudo a preto e branco, mergulhada nos mesmos preconceitos, intoxicada pelo mesmo passado. Nessa medida, o mundo do futebol continua a ser um dos mais fieis barómetros da nossa realidade social - e uma forma segura de baixarmos as expectativas e aceitarmos que continua tudo por fazer. Mesmo quando estamos cheios de dinheiro. O que nem sequer é o caso.

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