Com a inteligência e o talento que lhe reconhecemos para o soundbyte, e que vem do tempo das manchetes do bom velho “O Independente”, o ex-líder do CDS deixou provocações, frases cheias de sentido, e mensagens bem dirigidas para dentro e para fora da sua família política. É verdade que não se meteu nos pequenos sarilhos da caserna, mas tudo o que disse foi (também) sobre Portugal, e para os portugueses.

Porém, não foi isso que a “pós-verdade” mais perigosa – a que até parece ser verdade, porque na realidade não é, na aparência, mentira... – veio revelar. Cito o insuspeito “Público”, no texto de Sofia Rodrigues: “Nem uma palavra sobre política nacional. Assim têm sido as intervenções públicas de Paulo Portas desde que deixou a liderança do CDS. São conferências e comentários televisivos (esporádicos) mas sempre sobre assuntos internacionais”. E a seguir: “Quando há um ano passou o partido a Assunção Cristas, Paulo Portas prometeu deixar a política e mudar de vida.”

Ora, lendo o que Paulo Portas veio a Lisboa dizer, seja criticando o que entende ser um “excesso” de referendos, eleições primárias e directas, seja afirmando que a Europa é um “continente com graves problemas demográficos, sistemas políticos muito vulneráveis, que sai para a rua a toda a hora a defender direitos adquiridos, e agora ainda é contra o livre comércio”, do que se trata é, sem margem para dúvidas, de política nacional, no que tem de mais relevante e fracturante. Deixámos há muito de ser uma nação “independente” – logo, quando se fala da União e do seu estado, fala-se de Portugal e da forma como as diferentes forças conjugam o verbo europeu. Não seria preciso ir muito longe: a “geringonça” e o modo de gerir a economia foi radicalmente diferente da que a coligação PSD/CDS adoptou – e os resultados, também conhecidos esta semana, foram igualmente divergentes.

A História dos últimos 30 anos do nosso país recomendariam que se deixasse de ver Portugal à margem do continente onde se insere – mas a nossa atávica forma de estar persiste em empurrar-nos para o “fingimento”. Tanto fingimos que somos diferentes, como fingimos que somos iguais. Tanto nos achamos os reis do desenrasca como acordamos “europeus” e “nórdicos”. Tanto nos sentimos insultados por um holandês tolo como tomamos por elogio o marialvismo que tanto mal nos tem feito. Seremos bipolares?

Não sei responder. Mas tenho a certeza de que Paulo Portas não veio a Lisboa pelos lindos olhos de Durão Barroso... Veio marcar território, fingindo não falar de política nacional, e deixar rastilhos para os pequenos fogos que tanto gosta de atear. Nem mudou de vida nem deixou a política – adaptou o estilo aos novos tempos, tornou-se “conveniente”, e moderou a paixão pela intriga. Apenas isso.

Pior: afirmar criticamente, como fez, que gostamos (nós, europeus) de sair à rua para defender direitos adquiridos, é uma daquelas sentenças que mais parece uma acendalha na fogueira do descontentamento geral - em vez de constituir, como aparenta, uma tirada paternalista e ligeira de quem troca, por momentos, a sede do CDS pelo hotel de luxo que normalmente acolhe os ex-governantes bem-sucedidos. Ou que conseguiram passar pelo temporal desabrido sem uma molhadela, suave que fosse, ou um único pingo de chuva.

Paulo Portas vive no melhor dos mundos. Pode fazer de conta que anda longe, estando sempre por perto. Parece reflectir sobre generalidades, quando marcou alvos bem precisos. E até consegue que o levem a sério, na distância em relação à política nacional, quando apenas trocou a pequena trica pela grande angular da intriga “internacional”. Há vidas piores, mas não prestam...