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Pedro Rolo Duarte

19
Mai17

A culpa foi do “nesting”

(Ontem, na plataforma Sapo24)

 Há pontarias tramadas. Decidi que este era o melhor momento – talvez o único, neste ano cheio -, para tirar uns dias a praticar aquilo que sempre cultivei, mas agora tem nome: “nesting”. Não é bem “fazer Nestum” – expressão feliz, do nosso calão, que significa exactamente “fazer nada”... -, mas é usar o tempo livre para fazer algo relaxante, tranquilizante, calmante. Podem ser bolos ou sestas, jardinagem ou fotografia, ver estrelas ou fazer tricot. No meu caso, foi mesmo sair de cena, ler, dormir, e olhar o vazio para pensar um pouco mais que nada.

Enquanto me dedicava a estes “delicados” trabalhos, sempre longe da TV e da rede, o Papa vinha a Fátima, o Benfica ganhava mais um campeonato, e Salvador Sobral tornava-se herói nacional ao conseguir vencer, pela primeira vez, o Festival da Eurovisão. Já tinha ouvido a canção, já conhecia a voz de Salvador, e achava que tudo batia certo, excepto a sua presença naquele habitual desfile de pirosice sem história, nem futuro, nem coisa alguma. O Festival da Eurovisão, mesmo nos momentos da minha infância, em que vibrei com a Tonicha, o Paulo de Carvalho ou o João Henrique, sempre foi um “certame” tão irrelevante quanto inofensivo, ao ponto de nos recordarmos apenas dos Abba enquanto “vedetas” saídas daquele palco. Uma espécie de “casamentos de Santo António”, versão internacional: um generoso numero de pessoas dá o litro, alguém paga, a TV transmite, e depois nunca mais se sabe deles, nem da obra que eventualmente deixem aos vindouros.

Quando acordei do meu “nesting”, percebi que Portugal estava rendido ao Salvador Sobral, que além de ter ganhado o certame, tinha conquistado muitos países, e que ele era um novo herói nacional. Esta foi a parte que não apenas percebi melhor como parece fazer todo o sentido: a canção é fora da caixa habitual festivaleira, e a vitória dá-lhe um sabor especial. Mas tive curiosidade de ir rever na net este Festival da Eurovisão, ouvir as canções que ficaram nos primeiros lugares, e compreender até que ponto esta euforia resulta apenas de uma canção, e do seu intérprete, ou passa por uma mudança efectiva num “evento” que foi morto pelas “Chuvas de Estrelas” desta vida, e por uma dinâmica audiovisual que deixou a Eurovisão a falar para o boneco, isto é, a falar sozinha.

Com pena, verifico que a única coisa que se salvou deste Festival foi mesmo o Salvador e sua canção, suave e meiga, simples e inesperada. O resto, foi o salsifré de sempre, espécie de Jogos sem Fronteiras das canções, programa de televisão que anima um sábado anual, ou dois, e que não se renovou nem acordou para o novo mundo, mesmo que tenha havido um Salvador disposto a cortar a sequência inevitável de vitórias politicas, comerciais, ou apenas inexplicáveis.

Assim sendo, e dando o justo valor à vitória portuguesa, acordei do meu “nesting” e noto que o mundo não mudou assim tanto. O Festival continua o Festival, como Fátima continua a ser Fátima, e até o Benfica...

... Bom, o Benfica seria outra história – mas como benfiquista, não me ficaria bem agora meter-me nisso. No fundo, no fundo, o que saiu fora da norma foi mesmo a canção e a atitude do Salvador. Já não é mau.

09
Mai17

Orgulho de pai

.. Mas mérito dele, e dos colegas que ajudaram a criar este excelente jornal. A treta do "Quem sai aos seus..." tem demasiadas excepções para ser evocada e sair da esfera que lhe diz respeito. Não tiro falso proveito do sucesso de um filho que me orgulha pelo seu talento, trabalho, esforço, estudo, inteligência, vontade e resiliência. Dele. Desde sempre. Pai e mãe permitiram, apoiaram, e incentivaram. Orgulham-se até às lágrimas dos seus feitos e conquistas. Mas é tudo - e é tanto que não cabe num coração só: orgulho e apoio incondicional, amor e cumplicidade.

Siga, rapaz! "Gouveia, the driver", aqui está para a risada nocturna, ou a conversa séria. Não esquecendo o mistério da pequena loura desaparecida. O Sr. manda...

 

07
Mai17

Mitos urbanos

Já não sei quando e como ouvi falar, e muito bem, da “Focacceria Pugliese”, mas por isso mesmo não demorei a ir até Campo de Ourique, de propósito, para provar as focaccias largamente elogiadas. Na altura a prometida casa funcionava, se não erro, num discreto espaço da Rua 4 de Infantaria. Tenho a certeza de ter lá ido pelo menos três vezes - e de ter sido mal sucedido, batendo com o nariz na porta. Estava sempre fechada, ainda que o horário anunciado garantisse que estaria aberta, e mesmo depois de uma reclamação na plataforma Zomato (que foi apagada sob a alegação de que não estava a opinar sobre o serviço ou qualidade do estabelecimento – o que seria verdade, não se desse o caso de não ter conseguido sequer experimentá-lo...). Quando desabafei a irritação com clientes amigos dos donos, justificaram tal facto com momentos menos bons que os proprietários atravessavam, ou com falta de pontaria da minha parte. Argumentos pouco aceitáveis, ainda assim plausíveis.

Passado pelo menos um ano sobre a ultima tentativa, verifico que a “Focacceria Pugliese” mudou de lugar e está agora num espaço ampliado, mais central, ainda em Campo de Ourique, na esquina da Tomás da Anunciação com a Coelho da Rocha, e exibe na porta um horário contínuo ao longo do dia. Sabendo da evolução, decidi voltar a tentar a minha sorte. E a meio de uma tarde de sábado, com o bairro de Campo de Ourique bem acordado, lá fui à “Focacceria Pugliese” tentar provar uma (presumivelmente maravilhosa) focaccia.

Pois bem. Apesar do anuncio de serviço contínuo, a recepção foi clara, nas palavras de um funcionário que falava um português dourado a italiano: só havia as focaccias que estavam na montra, duas ou três modalidades, já feitas há algum tempo, a hipóteses de algumas pizzas, mas mais nada do que a ementa prometia. Saladas, perguntei? Agora, não. E podemos sentar-nos? “Melhor aqui na colectiva mesa/balcão da entrada, que a sala não está pronta”.

Lá virei costas, uma vez mais, e vim embora. O horário contínuo era, afinal, uma tanga, e a forma como me foi apresentado um espaço em “modo serviço mínimo” foi desanimador, para não dizer enganador.

Saí de Campo de Ourique para um daqueles lugares seguros, onde os horários se cumprem e os serviços são garantidos, pensando na improbabilidade de algum dia chegar a provar as focaccias da “Focacceria Pugliese”. Não por falta de vontade, ou de tentativas – mas por ter entrado na lista dos mitos urbanos que fazem de Lisboa uma cidade tão deslumbrante quanto irritante.

Aquela casa é um capricho de quem a abriu, e uma sorte para quem sobre ela pode falar. Mas um nome a esquecer para quem acredita nas tabuletas das portas, e tem do serviço ao público a ideia de algo mais do que uma loja que se abre, porque é giro e não temos mais que fazer.

É nestes momentos que percebo por que motivo as empresas organizadas e profissionais sobrevivem e crescem na selva da restauração nacional, mesmo que isso nos custe perder alguma espontaneidade, autenticidade, e até a verdade que nos distingue. Não há nada que resista à desilusão de nos prometerem o que não cumprem.

05
Mai17

Profissão: olhar para o lado

(Ontem, quinta-feira. na plataforma Sapo24)

Há melhor do que haver quem nos deixe a pensar, num tempo em que nos desculpamos, por tudo e por nada, com a falta de momentos para “parar e pensar”? Gosto de ler alguns dos escritores, jornalistas, ensaístas, que pontuam a revista de domingo do jornal “El Pais”. As crónicas são quase sempre boas reflexões, ou ideias bem apanhadas, lá está: que nos deixam a pensar.

Domingo passado, o escritor e jornalista Manuel Rivas, no seu “Navegar al Desvío”, recuperava uma frase de uma ex-prostituta, entrevistada no âmbito de uma reportagem sobre escravidão no século XXI. Mais do que deixar a pensar, provocou-me um verdadeiro curto-circuito mental, onde se misturaram alguns dos acontecimentos que marcaram a actualidade nos últimos dias...

A frase: “A profissão mais antiga do mundo não é a prostituição, é olhar para o lado”. Repentinamente, passaram-me pela cabeça notícias tão diversas quanto o confronto entre claques do Benfica e do Sporting, que resultaram numa morte por atropelamento; o jogo online “Baleia Azul”, que torna os jogadores, quase sempre adolescentes, em potenciais suicidas; e por fim, os dez anos sobre o desaparecimento da “pequena Maddie”, e toda a cortina de fumo que ensombrou e ensombra a investigação policial, impedindo qualquer conclusão razoavelmente sustentada. O que liga estes três casos, que chocam qualquer pessoa comum, é a ideia de nos dedicarmos a “olhar para o lado” até que o drama nos bata à porta.

Olhamos para o lado quando perpetuamos, por indiferença e negligência, a impunidade das claques desportivas, que além de serem focos de criminalidade, desvirtuam qualquer principio ético do desporto. Não apenas deixamos arder, como achamos normal que os maiores clubes permitam que as claques persistam na sua actividade. De alguma forma, caucionam e alimentam-nas. E nós com eles: nem que seja por partilharmos o mesmo estádio – e quem diz nós, diz as mais relevantes figuras da nação -, somos de alguma forma cúmplices daqueles bandos de foras-da-lei.

Olhamos para o lado quando deixamos os nossos filhos “à solta” na rede, sem qualquer espécie de pedagogia ou regra. Somos capazes de os impedir de irem sozinhos, depois de anoitecer, ao cinema ali da esquina – mas não nos preocupamos com uma plataforma que, a qualquer hora do dia ou da noite, tem predadores à solta, de cara tapada e impunidade garantida pela própria natureza do meio. É preciso haver mortos e feridos para acordarmos para uma realidade que vive connosco há já muitos anos, e que continuamos a ignorar. A internet é a mais rica criação das últimas décadas, e talvez a mais relevante forma de viver, hoje, com democracia e em liberdade – mas pelas mesmas razões, a que nos deve merecer maior atenção quando estão em causa aqueles que, pela idade e inexperiência de vida, precisam de protecção e cuidado.

Olhamos para o lado quando aceitamos, sem maior reclamação do que a clássica frase “são todos iguais”, que a justiça tenha filhos e enteados, e que haja investigações sem fim, suspeitos sem culpa formada, e casos que se arrastam por tempo indeterminado.

É preciso que nos bata à porta a tragédia, “o que só acontece aos outros”, para acordarmos para realidades que deviam envergonhar toda a gente e obrigar a agir, a reagir, em vez de adormecer. Já não acredito que mudemos a tempo de eu ver – mas morrerei a pedir que o tempo do meu filho, dos meus netos, seja outro. Sabendo olhar de frente e acabando de vez com a mais antiga profissão do mundo.

Blog da semana

Gisela João O doce blog da fadista Gisela João. Além do grafismo simples e claro, bem mais do que apenas uma página promocional sobre a artista. Um pouco mais de futuro neste universo.

Uma boa frase

Opinião Público"Aquilo de que a democracia mais precisa são coisas que cada vez mais escasseiam: tempo, espaço, solidão produtiva, estudo, saber, silêncio, esforço, noção da privacidade e coragem." Pacheco Pereira

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