E um carregador para mim?
Chamo-lhe, baixinho, o «peso inútil». É algo que nos vai cercando, que domina os pensamentos quando viajamos, mas ao qual estranhamente não dedicamos atenção. O «peso inútil» é esse objecto estranho e de formato variável a que chamamos, pomposamente, o «carregador». Alguém que não tenha por perto um desses «pesos inúteis» que se acuse...
Não vale a pena: não somos ninguém sem pelo menos um carregador ao lado. Nos últimos anos, tornou-se mais um fardo a carregar nas nossas vidas.
E se cada um tem os seus, todos juntos temos muitos. Em família é uma festa. Vejamos: carregador para o telefone do pai, para o telefone da mãe, para o Vídeo-8, para a máquina fotográfica, para o computador portátil, para as escovas de dentes eléctricas, para a máquina de barbear, para o «walkman». Foi só uma pincelada neste mundo de objectos pretos...
Os carregadores são feios, incompatíveis entre si, e não servem para «mais» nada. Quando os temos, não lhes damos importância – quando deles nos esquecemos, ai Jesus que lá vou eu.
Voltando ao principio: estava eu a fazer a mala, carregador para aqui, carregador para ali, olhando a lista de coisas de que não me posso esquecer, e o cansaço tomou conta de mim. Perante tantos cabos e «pesos inúteis», perguntei: e onde é que está o carregador para mim? Não é só carregar o peso dos outros, não senhor. Ninguém se lembrou que também nós ficamos sem carga?
Onde é que está o meu carregador?
Sem resposta, e sem alternativa, deitei-me e dormi. No dia seguinte, quando acordei e olhei para os pés, a luz estava verde. Alguém me deve ter ligado à ficha durante a noite. Levantei-me e fui à minha vida. Estava outra vez carregado. E sem «peso inútil» no bolso.
Ao sábado, textos antigos reeditados. Este fui originalmente publicado em 1999, no site Netparque