Como se fosse café
Tudo o que se banaliza perde graça – não no sentido engraçado, mas no sentido do estado em que as coisas boas se devem manter. Nos últimos anos, por causa desta coisa das redes sociais e da internet, o verbo “partilhar” – que tinha algo de ingénuo, familiar e de esquerda, não deixando de ser afecto à religião, o que de alguma forma lhe dava ainda mais “graça” – passou de “in” a “out” a uma velocidade estonteante.
Nunca me apetece dizer partilhar, mesmo quando é disso que se trata.
Como agora. Costumo dizer – já o escrevi aqui, estou careca de o dizer na rádio - que as crónicas do meu Amigo Miguel Esteves Cardoso no Publico são o meu “café da manhã” de todos os dias (com a sorte minha, e a trabalheira dele, de não descansarem nem ao domingo). Sei que “café da manhã” é a expressão brasileira para pequeno-almoço, mas uso-a nesse dúbio duplo-sentido: primeira refeição e primeiro café do dia.
Ontem à noite, estava a trocar mails com o próprio, e saiu-me a expressão que melhor define a minha forma de começar a manhã: eu leio diariamente as crónicas do Miguel como se fossem café.
Não são o meu café da manhã, são mais do que isso: são o que seria o café se o café pudesse vir com o Público.
Como o Público não inclui café, ali está o café que então seria. Não dispenso. Bebo sempre. Faz parte da minha (melhor) rotina. E no fim arrasto o sabor até ao limite.
Sem café, não sou.
Claro que me lembrei do “como se fosse água” do Saramago. Mas há toda uma diferença que ambos sabemos - e mais uma pessoa sabe.
Fica então assim e que se lixe, “partilho”: leio todos os dias as crónicas do Miguel como se fossem café. E são.