A palavra é “catrapázio”
Há um generoso conjunto de razões, que não vou agora cansar-me a elencar, para não ler críticas. De cinema, de música, de livros, de teatro. Quando leio criticas, é mais para aferir sobre a pertinência de comprar o bilhete para o filme que está com bola preta do que para ter a certeza de estar em desacordo com o critico. Em 99% dos casos, estou.
Já tive polémicas públicas por causa disso, já me arrependi dessas polémicas, digamos que vivo em paz com os outros. Consegui sempre um tiro no porta-aviões: rapaz com quem impliquei tornou-se chefe, director, manda-chuva de qualquer meio onde – oh, vá lá saber-se porquê – nunca tive, ou logo deixei de ter, lugar…
Aprendi, claro. Nunca mais fui solidário, nem militante indignado, nem testemunha. Passei a ser como “eles”. Os outros. Todos os outros. Basicamente, estou-me nas tintas.
Ontem à noite fiquei em estado de choque porque estava distraído com o calor no Alentejo e com uma crónica do Pedro Mexia sobre o DN-Jovem, e comecei a ler uma critica - do José Mário Silva, que será sempre personagem de um livro que um dia vou escrever – onde às tantas, para designar um calhamaço, um livro grosso, um peso-pesado da literatura, ele escreveu a palavra “cartapácio”. Ora, para mim sempre foi um “catrapázio”. Aquilo encanitou-me.
Como me engano muitas vezes a respeito das pessoas que em algum momento me tiraram do sério, admiti que ele tivesse razão.
E tem:
“Cartapácio
s.m. Carta grande.
Livro grande e antigo em mau estado; calhamaço.
Coleção de papéis manuscritos, em forma de livro.
Alfarrábio”.
E eu ralado: catrapázio é palavra bem mais sonora e representativa, tem qualquer coisa de Caterpillar, e soa francamente melhor.
Como vale tudo nesta fase de transição entre a velha e a nova ortografia, continuarei a dizer que um polvo pertence à família dos cartapácios, que um catrapázio é um livro que jamais lerei, e com jeitinho até invento um prato de cartapácio de atum.
No fundo, é o costume: as palavras são o que quisermos.