A PIDE como adjectivo
Mendes Bota é nome que não me inspira confiança. Não sei porquê, mas não inspira. Foi ele quem comparou a ASAE à PIDE – e foi manifestamente exagerado.
Mas ficar a cismar no pecado mortal da comparação entre uma Autoridade que zela pelos consumidores e uma polícia responsável por crimes políticos, desculpem-me a franqueza, entra no reino do disparate. Parece que falar da polícia política da ditadura é terreno reservado às vítimas e às famílias das vítimas. Uma espécie de zona protegida. Intocável.
Não é.
Lembrar a PIDE é sempre bom, para que não se esqueça – e associá-la a algo de que não gostamos, parece-me óptima ideia, mantém acesa essa chama que o tempo, por si só, quer queiramos ou não, inexoravelmente se encarrega de apagar
Transformar a PIDE em adjectivo - sinónino de prepotente, arrogante, ditador, criminoso -, constitui elementar justiça, e deve entrar no léxico comum. Como chamar “bufo” ao “queixinhas”. Como criticar alguém por ser “inquisitorial”, recordando a Inquisição...
Só por isso, nada contra a comparação. Há políticos que parecem PIDE’s, há pessoas que parecem PIDE’s, há jornalistas que parecem PIDE’s. Não matam mas moem. Não estão acima da lei mas parecem estar. São legais mas nem sempre deviam.
Num tempo em que a memória é uma chatice tão grande que tem canal de TV próprio, só para não incomodar nos outros canais, tudo o que for feito para lembrar o que existiu, por excesso ou defeito, é melhor que nada.
Mendes Bota teve o seu momento de glória: houve certamente meia dúzia de adolescentes que perguntou aos pais “o que é a PIDE que aquele senhor diz que parece a ASAE, ou vice-versa?”. E esta pergunta tem democracia dentro. Porque tem resposta.