Asfixia
Quando penso na crise europeia, e nesta incapacidade estapafúrdia de controlar os mercados, como se houvesse entidades superiores – isto é, acima dos seres humanos, e com autonomia... – a trucidar as economias e a moeda, não consigo deixar de me lembrar de um extraordinário conto de Patrícia Highsmith intitulado “O Observador de Caracóis”. Resumindo, trata-se da história de Peter Knoppert, um homem que, como hobbie, começou a observar caracóis, depois de ter surpreendido um casal desses bichos em pleno acto sexual...
Fascinado pelos animais, Knoppert começa a juntar caracóis e a deixá-los reproduzir-se no estúdio de sua casa, e tudo isso foi acompanhado por uma alegria de viver e sucesso profissional que aquele novo mundo lhe trouxera. Num ápice o estúdio passou a “continente” dominado por caracóis, que Knoppert alimentava e observava diariamente, e que não paravam de se reproduzir e de ocupar espaço.
Um dia, quando tentou dominar os milhares de bichos que lhe cobriam a sala e se multiplicavam sem parar, escorregou naquela massa de caracóis, que foram caindo por cima dele, sufocando-o até à morte...
Quem conhece Patrícia Highsmith, sabe que, resumido assim, o conto é apenas assustador – lido, é mais um dos seus extraordinários bocados de ficção que sempre misturaram a misteriosa mente humana e a trivialidade de que se faz a vida.
Voltando ao começo: tudo o que leio sobre a crise e os seus protagonistas – “os mercados”, o Banco central Europeu, as agências de rating, etc... -, deixa-me a ideia de que quem está a matar o sonho europeu, a moeda, a economia, e no limite a nossa sobrevivência, são uma espécie de caracóis a quem demos de comer e agora nos sufocam. Animais informes, sem alma nem parecença com a raça humana, que se reproduzem até nos sufocarem na casa que lhes oferecemos e que alimentámos.
Não haverá seres humanos suficientes para deterem essa caracolada toda?