Um prémio Goya
Há memórias que ficam para sempre e que acordam nos dias certos, nos momentos certos: o meu pai tinha uma enorme admiração pelo trabalho e pela figura de Carlos do Carmo. Não apenas pela pessoa, de quem gostava pessoalmente, mas pelo artista - porque correspondia ao modelo profissional que preconizava e procurava viver no seu ofício. Perfeccionismo, insatisfação permanente, procura do estádio superior. Carlos do Carmo nunca deixou sair um disco seu sem antes atingir o ponto mais alto do seu desempenho artístico. O meu pai nunca deixou sair um texto da sua máquina “hcesar” sem o saber irrepreensível.
Era assim – e por ser assim, penso eu, partiu mais cedo. Amanhã lembrarei o dia 5 de Fevereiro de 1987.
Esta noite, ao ver Carlos do Carmo ganhar o prémio Goya para a melhor canção original de um filme (uma distinção da Academia Espanhola das Artes Cinematográficas, que corresponde ao Óscar ibérico, se ele existisse...), imaginei a satisfação do meu pai, se aqui estivesse, que não deixaria de se lhe referir dizendo “Charles do Charme”, ao ser-lhe atribuído o prémio por "Fado da Saudade”.
Sublinharia o rigor com que Carlos do Carmo assume a sua condição livre de artista. E não deixaria de me recordar os tempos em que, por manifesta infantilidade e presunção, eu dava palpites tolos sobre o talento do cantor.
Hoje, felizmente, estou num lugar mais tranquilo – e não escondo a emoção quando oiço a sua voz, quando me arrepia o seu talento. E vê-lo ganhar um Goya tem qualquer coisa de familiar... Já não apenas pelo meu pai. Felizmente, por mim também.